quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Abrir as Portas a 2011



Há qualquer coisa de solene na despedida de um ano…
Não é apenas mais um, é também um a menos. Procuro tomar-lhe o peso… E, feitas as contas do deve e haver, dou-te graças Senhor da Vida, que me susténs e conduzes.
Nem sequer te pergunto por quantos anos continuarei a contar os passos do sol.
Sei que um dia, como meus pais, partirei num pequeno navio e que me fundirei no corpo da terra. Peço-te apenas que possa então dormir o sono vertical das árvores.
A luz dói à sombra. Retira-lhe a máscara. Descobre-lhe o olhar inquieto, a ambiguidade dos gestos, a mentira das raízes. Por isso, a sombra em bicos de pés e com subtis artimanhas, repele a luz.
É esta a nossa dialéctica quotidiana. Por isso, neste novo Ano, queria ser como essas plantas que fogem da sombra e à procura da luz erguem os caules, perseguem um sol que não conhecem, mas a seiva é dele sinal e memória.
Somos tão grandes, Senhor, quando capazes de proclamar o dia em plena noite, de sofrer sem chamar pela morte, quando capazes de ouvir cantar as galáxias e celebrar a beleza, a tanta beleza que há no mundo.
Senhor, a tua bênção para nós neste novo Ano…


UM FELIZ ANO NOVO PARA TODOS OS MEUS AMIGOS, SEGUIDORES E… PARA AQUELES QUE PASSAM E DESCANSAM NA PALHOTA!
QUE EM CADA DIA DOS 365 DIAS DE 2011, SAIBAMOS REINVENTAR O SONHO E O ENTUSIASMO!

GRAÇA

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Uma Prenda de Natal

A minha amiga Estela, do blog Guardados e Achados, surpreendeu-me com esta bela prenda de Natal:

O Zambeziana, da Graça Pereira, como o que melhor contou histórias.
Graça vem nos presenteando com histórias muito bonitas, vindas do coração, e contando-as de uma maneira contagiante e muito própria. Ao terminarmos uma leitura, já ficamos na expectativa da próxima. Quero destacar Josafat como personagem do ano.
PARABÉNS.


Obrigada pelo teu carinho...


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Postal de Boas Festas



























É Natal
Bendita seja a data que une todo o mundo numa conspiração de amor.

Festas Felizes.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Casuarina




O cheiro forte a resina que a casuarina exalava enchia a casa toda! Os odores faziam também parte do ciclo natalício… Tudo começava quando as acácias do outro lado da rua rebentavam no sangue vermelho das suas flores… Quase num murmúrio dizíamos: O Natal está próximo!


Mas o ritual não se ficava por aqui… Quinze dias antes íamos, pelo calor da noite, à praia do Zalala escolher a nossa árvore de Natal. O que em princípio era um passeio familiar passou de repente, a ser uma peregrinação! Várias famílias com o pretexto da casuarina, juntavam-se na praia, faziam uma grande fogueira e partilhavam os petiscos que levavam. A garotada banhava-se nas águas do Índico não só para afugentar o calor mas e sobretudo, porque é mágico tomar um banho nocturno no mar e olhar as estrelas e a lua que, acredito, se riam de nós…
O que me impressionava era o respeito pela casuarina que o amigo tinha escolhido… Cada um marcava a sua apenas com um fio ou um cordel diferente e os mais brincalhões, enfiavam uma garrafa de cerveja vazia ou uma lata de coca-cola e respeitava-se! Durante a semana e sempre à noite, cada um ia buscar a “sua” casuarina e não havia cá trocas…
Nós, ainda miúdos, ficávamos deslumbrados quando a casuarina nos entrava pela porta dentro…
Por nós, queríamos logo enfeitá-la mas o meu Pai acalmava-nos com sensatez:
-É muito tarde! A árvore ficará mais bonita à luz do dia, escolhendo os enfeites apropriados…
E nós concordávamos!
No dia seguinte até os empregados ajudavam… Havia dois momentos grandiosos neste trabalho: quando se colocava a estrela no alto da casuarina e quando os meus pais abriam muito bem o algodão comum e espalhavam a “neve” pela árvore…
Os empregados ficavam espantados:
- Xi, patrão, a árvore está doente?
Nós ríamos.
- Não, isto é neve…
-Neve? Mas a senhora mandou buscar o algodão à casa de banho… agora mudou?
-Não, é só para fingir e fazer de conta que estamos em Portugal onde agora faz frio e a neve cobre os pinheiros…
- Xi, mas cabeça de branco é muito engraçada…
Um dia, quando um dos empregados fazia a limpeza da sala, tocou na casuarina e logo, pedaços de algodão se espalharam pelo chão e ele gritando chamou pela minha mãe:
-Senhora, vem cá depressa, está a nevar na sala...



quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Josafat


(Uma história para crianças…..ou não!)

Chamava-se Josafat e era o mais novo dos três camelos que partiram do Oriente levando os Magos até Belém. Estava excitado e ao mesmo tempo curioso. Era a primeira vez que se metia (ou metiam-no) numa aventura tão extraordinária. Pensava como é que os seus amos, uns verdadeiros sábios, tão atentos à Ciência, sempre de binóculos na mão, mapas e outras coisas que tais… se tinham deixado guiar por uma estrela.
-Era diferente das outras, maior, e caminhava pelo céu como se indicasse um caminho. Depois as Escrituras falavam no nascimento de um Rei e num sinal pouco vulgar que daria conta do acontecimento… - explicavam os mais velhos!
Josafat abriu muito os olhos e batia com as fartas pestanas a ver se entendera bem:
-Um Rei? De que país? Jerusalém tem o Rei Herodes… de onde poderá ser?
- Como é que tu sabes todas essas coisas?
- Oiço tudo e muito bem…
A noite caía sobre eles. Uma noite gélida mas com um céu brilhante mais claro que o dia.
Josafat encolheu-se um pouco… O manto do Mago não o cobria totalmente e ele sentia frio. Durante o dia fora a tempestade de areia e aquele calor infernal que parecia assá-los a todos.
De repente Baltasar gritou:
-Olhem!
A estrela tinha parado no firmamento e incidia raios fortes sobre a terra.
- Deve ser aqui - dizia Melchior.
Josafat pensava que os Magos deviam estar doidos… Ali, como? Não era um Rei que tinha nascido? Onde estava o palácio?
Num minuto, a estrela desceu tanto que quase esmagou um pobre pardieiro que parecia conter ouro que faiscava.
-Aproximemo-nos mais… Vocês ficam aqui mais afastados - informou Gaspar.
Descendo dos camelos dirigiram-se com as suas ofertas para o novo Rei, entrando na pequena gruta.
Josafat, curioso, avançou mais um pouco e o que viu espantou-o: um Rei… mas é apenas um Menino! Não entendo nada… E aquela jovem, tão jovem, será a sua Mãe? E aquele velho que remexe a palha com muito cuidado… quem será?
Josafat esticou o pescoço e, tropeçando numa pedra, ficou quase à entrada da gruta e o que viu fê-lo bater com mais força as largas pestanas.
Os sábios com a cabeça encostada ao chão diziam louvores enquanto faziam as suas ofertas: Ouro, incenso e mirra, apresentados em cofres valiosos. O Menino com os bracitos estendidos olhava-os com uma certa curiosidade mas… não se ria!
Josafat queria ver mais. De um pulo esparramou-se diante do Menino, mesmo em frente dos seus amos. Pensou, é agora que eu vou ser despedido!
Mas, espanto dos espantos: O menino ria às gargalhadas e estendendo as mãozitas passou-as pela cabeça de Josafat que se sentia o mais feliz dos camelos.
Olhando para os amos pensou que eles não entendiam nada de crianças… Para que quereria aquele Menino os disparatados presentes?
Afinal aquele menino era igual a todas as crianças do mundo: gostava de brincadeiras, de se rir e de sentir amor à sua volta!


Não! Josafat pensava que, quando voltasse para o Oriente, a sua vida já não seria a mesma…
Tinha conhecido um Rei que não ligava às riquezas e que se divertia com as tropelias de um camelo… Nunca o esqueceria e era a palavra de Josafat.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Amanheceu Nos Céus Aquela Estrela



…Amanheceu nos céus aquela estrela.
Que veio donde?
Na longa noite fria e bela,
O silêncio responde.

Astrónomos e astrólogos,
Assestando os seus óculos sobre ela,
Perdem-se em vãos monólogos…
…Que amanheceu nos céus aquela estrela.

…Amanheceu nos céus aquela estrela.
E outros, mais loucos ou mais sábios,
Vindo, lá das lonjuras, atrás dela,
Abrindo os olhos, cerram bem os lábios.

Também das gentes chãs
Muitos seus pobres bens deixam por ela.
Riquezas, ambições, glórias, são vãs.
…Que amanheceu no céu aquela estrela.

…Amanheceu no céu aquela estrela.
Nas suas aventuras tragicómicas
Que podem contra ela
Virotes, trons, canhões, bombas atómicas?

Desfaz-te, se te apraz, em sangue e lama,
Terra, tu que puderas ser tão bela!
Na própria morte a imensa esp’rança clama.
…Que amanheceu nos céus aquela estrela.

- José Régio


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Se Um Dia...


Se um dia tiveres de dizer um “Não”, é forçoso que ele seja de tal maneira firme e estribado num motivo forte que não te permita trocá-lo por um “talvez” e este por um “sim”.
Para tanto é preciso que não seja falsa a estrutura moral que enganosamente te obrigou a ser radical sem coerência.
Acredita que o “não”, se tiver sido dado com ponderação e justiça, é mais valioso para quem o recebe do que o “sim” final, recebido tantas vezes após haver deslizado pela escala falsa da moral, percorrendo um caminho sem elevar ninguém, sobretudo a ti, se o disseste, tendo começado pela negativa balofa nascida do orgulho ou da vaidade, se te deixas vencer pela subtileza da mesma, ou da lisonja, defeitos que são habilidade do ser humano.


Por isso, para que a tua moral não desabe como um castelo de areia, que seja o “não”, “não”, e o “sim” – um “sim” dado com o mesmo amor e sublimidade com que deves pronunciar a mais acérrima negativa.
É que, às vezes, há mais amor no “não” que se diz e mantém do que naquele “sim” escondido por entre o sorriso da traição!
Acredita que um “não” dito com convicção do justo na hora exacta, pode salvar aquilo que o “sim” do traidor pode matar no minuto seguinte!


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Fila Indiana...



(História contada pelo meu pai)

O meu pai tinha um amigo, o Martins, que vivia no interior da Zambézia. Era o típico dono das grandes plantações que existiam em Moçambique.
Era muito jovem e inexperiente quando, com muita coragem e ânimo, decidiu ser dono de uma área extensa de terra. Pele tisnada pelo sol, honesto, amigo do seu amigo, tinha um sentido da vida de gentleman britânico.
A sua plantação era como um condado que ele percorria quase todos os dias a cavalo para inspeccionar todos os seus trabalhadores. Centenas de milhar de palmeiras, canas-de-açúcar e café que trepava pelas encostas em procissão de arbustos verdejantes que a floração vestia de branco.


Para além de tudo isto que já era muito, o Martins tinha cerca de mil e quinhentas cabeças de gado. A casa, muito cómoda e funcional, era iluminada com gerador eléctrico como era usual no interior do mato. A cem quilómetros dali ficava a densa floresta onde viviam leopardos, leões e elefantes. O Martins era um bom anfitrião mas gostava também das delícias da publicidade. Convidava muitas vezes grupos de amigos de Quelimane para passarem dias na sua casa do palmar. Nessas ocasiões organizava uma caçada ao leão.
Era tudo a preceito não faltando nada para aumentar a excitação e igualmente a admiração de todos.
E lá estavam os caçadores negros armados com zagaias e velhas espingardas. Os amigos tinham trazido um arsenal moderno e caro.
Para que tudo corresse sem incidentes, o Martins tinha contratado mais moleques para servir condignamente os amigos citadinos… Tinha um cozinheiro famoso em toda a Zambézia, um chefe indiano que sabia desossar um peru e recheá-lo com maçãs. No campo dos doces não ficava atrás, eram delícias sobre delícias.
Os almoços à Zambeziana ficaram célebres por terem uma variedade de pratos que se seguiam uns atrás dos outros e cuja degustação demorava toda a tarde até ao cair da noite.
Por último, quando já quase ninguém conseguia ver mais comida à frente, apareceram leitões assados a que ninguém tocou. O Martins tinha um amigo que detestava leitão e dizia ele que ao vê-lo estendido numa travessa, com a sua pequena cabeça bem loira do forno, lhe davam ideias de um manjar antropofágico.


As três travessas com os bacorinhos saíram intocadas da mesa, direitinhas à cozinha.
O cozinheiro nessa noite ficou doente, impossibilitado de apresentar os pitéus a que já habituara os convivas. No dia seguinte, o Martins desculpava-se e apresentava os três leitões em fila indiana, acompanhados de uma abundante salada. Mas o cozinheiro não melhorou e o amigo do Martins viu, com terror, os leitões assados voltarem a figurar no cardápio do dia.
Quase ninguém lhes tocou… De tanto convívio já lhes pareciam mais uns dos convidados!
Ao jantar, voltaram os três em fila macabra e saíram da mesa sem uma beliscadura.
O Martins estava desolado com o fracasso das ementas. O amigo, que detestava este manjar, pensou em resolver a questão de uma vez por todas antes que os três pequenos bichos aparecessem no dia seguinte estendidos no seu leito de puré.
De madrugada, dirigiu-se à copa e retirou do armário de rede a companhia indesejável.
O amigo sabia que havia muitos cães que passavam a noite no pátio. Riu-se feliz. Abriu a janela e despejou as três travessas esperando que a matilha fizesse o resto.
Ria-se ao pensar na cara do cozinheiro quando desse pela falta dos leitõezinhos… Até dormiu melhor!
À hora do almoço dirigiram-se todos para a sala na esperança de que o cozinheiro indiano já estivesse melhor. O amigo do Martins esfregava as mãos mas… foi por pouco tempo!
No meio da mesa, triunfalmente, estavam os temíveis porquinhos, os três agora cobertos de uma capa de ovo e pão ralado!!!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Coração tem Razões...

Muitos amigos meus perguntam-me porque nunca mais voltei a Quelimane, a Moçambique, depois de ter criado um blog para recordar a minha terra, homenageá-la e lembrar os anos mais felizes da minha vida… Parece-lhes que é um sofrimento que alimento por querer, com medo de encontrar fantasmas escondidos nas dobras do passado... É difícil explicar as razões, talvez até nem encontrasse as palavras adequadas… Seria um regresso solitário a um cenário onde já faltam tantos intervenientes! E se calhar, o cenário até já nem seria o mesmo…
Ao ler o prefácio do livro “ Postais Antigos e outras Memórias da Zambézia” escrito pelo Dr. José Alves Pereira e com fotos de João Loureiro, achei que ele, meu colega de outrora e amigo de sempre, encontrara as razões do coração… e como senti as palavras identificadas com a minha saudade e angústia de nada mais ser igual, vi nelas, bem explícitas, as razões do coração e as razões da Razão!
Respiguei algumas passagens, aquelas que, precisamente, poderiam ser as minhas razões…
“ A planície imensa, de um verde escuro, retalhada por longos cursos de água, estendia-se como um tapete vivo por debaixo do avião.


- Os tandos de Marromeu e o Zambeze, disse eu ao João Loureiro que, interessado e atento, olhava a fascinante paisagem.
- Onde fica o Chinde? É ali? Inquiriu ele, apontando um pequeno ponto do casario, submergido pelo verde e rodeado pelo rio e pelo mar.
- É, confirmei, admirado pelos conhecimentos geográficos de quem, julgava eu, pouco ou nada deveria saber sobre aquela terra imensa, onde eu passara toda a minha juventude.
“-Zé, vamos a Quelimane e eu preciso de um cicerone como tu. Trouxe alguns postais antigos e quero compará-los com o que ainda existe no terreno.


A princípio, a ideia não me pareceu particularmente apelativa. Na divisão de memórias do meu cérebro, Quelimane, os palmares, a Zambézia imensa e rica, cheia de vitalidade económica e habitada por uma das mais interessantes comunidades multi-étnicas e multi-culturais de Moçambique, estavam arquivadas em lugar querido e reservado onde eu, em momentos de recolhimento, as visitava de mansinho.
Sabia que as novas imagens se iam, necessariamente, sobrepor às antigas, guardadas e preservadas quase religiosamente. E, francamente, não sabia se essa intrusão iria ser benéfica ou nociva.
Porém, o desafio era forte demais. Estava a duas horas de voo dos locais onde crescera, onde estavam sepultados alguns dos meus familiares, onde a minha personalidade, a liberdade, o amor ao espaço, a eterna nostalgia não explicada em África, se haviam sedimentado dentro de mim.
E aqui estamos nós prestes a aterrar em Quelimane…
Depois foi a re-visitação. O passeio silencioso ao longo das ruas estranhamente calmas, a surpresa de ver que alguns dos locais mais marcantes não haviam sido preservados e notar que outros, que eu julgava menos significativos, haviam adquirido uma nova vitalidade.
…Envolto pelos sons mágicos da noite africana, no solitário quarto do Hotel Chuabo, fui acometido da estranha sensação de que eu já ali não pertencia. Que eu era um actor deslocado, num cenário familiar, onde a peça em cena me era estranha.
Mas pouco a pouco, compreendi que ninguém poderia acrescentar ou diminuir personalidade àquela cidade, onde o asiático, o europeu e o genuinamente africano se fundem num singular equilíbrio.


…No dia seguinte foi a partida para a espantosa praia do Zalala, com os seus palmares imensos
e as suas casuarinas sussurrantes, num cenário predestinado a ser um dos locais turísticos mais marcantes na costa oriental de África.
Foi a visita às planícies sem fim do Mucelo, à propriedade agrícola junto ao rio Licuar, onde os sonhos do meu pai ficaram enterrados e onde, sob o impiedoso capim africano, ainda se alinham os cajueiros e laranjeiras que, com devoção e carinho, foram por ele plantadas.
É pois com imenso gosto e prazer que acedi em colocar algumas sentidas linhas neste livro que o João Loureiro em boa hora promoveu. Falta-me, certamente, em palavras o que me sobra em emoção. Mas as coisas feitas com alma, se nem sempre se coadunam com a razão, têm, pelo menos, o mérito da emoção que as motiva.
Da inesquecível viajem retenho, ao regressar, a expressão indecifrável do meu velho pai, com os seus quase noventa anos, a quem eu relatei entusiasmado a visita ao que restava da sua querida propriedade agrícola. Fitando-me com os olhos parados, disse-me:
-Filho, falas-me de coisas tão longe! “
Obrigada Zé! Eram estas as palavras que me faltavam para explicar, a quem me pergunta, porque razão não volto eu a Quelimane…
O coração tem razões…

sábado, 6 de novembro de 2010

As Meninas


Da estrada, via-se a mancha branca do casarão por entre as palmeiras e bananeiras!
Diziam que era a Casa das Meninas… O pecado escondia-se longe da cidade! Cidade pequena onde quase todos se conheciam e os casos extra-conjugais andavam sempre na ribalta, sendo os primeiros interessados os últimos a saberem.
À Casa chamavam também Galo Branco… Quando perguntava a razão desse nome aos meus amigos rapazes, eles mudavam de conversa.
Nessa altura, era eu uma doce colegial de espírito e atitudes e sonhava com o amor da minha vida… Aquele que preencheria todas as horas e minutos do meu dia. Devo confessar que tinha muitos candidatos a esse lugar… talvez devido à minha extrema alegria e boa disposição.
Mais tarde, dar-me-iam outras razões…
Um dia no “meu” cabeleireiro encontrei duas ou três dessas meninas… Pareciam artistas de cinema! Tive de concordar que eram realmente bonitas e elegantes. Autênticos manequins é o que eram! Arranjavam os pés, as pernas, faziam limpeza de pele e pintavam o cabelo.
Curiosamente, eram todas loiras! Tive de fazer um esforço para não fincar os cotovelos e ficar de boca aberta, como os garotos, diante de uma montra de novidades.


Quando encontrei um dos meus amigos, disse-lhe:
- Hoje vi as meninas da Casa Branca (eu chamava-lhe assim...) e são bonitas de verdade… Arranjaram-se dos pés à cabeça…
- Como tu és inocente! Essas meninas dariam tudo para terem os teus vinte anos, esses olhos negros e cabelo de azeviche de ciganita…
- Mas eu sou baixinha… - e a raiva morava dentro de mim, por não ser alta como as “meninas” e por saber que elas se arranjavam para roubarem o amor dos homens da cidade.
Uma amiga minha, pouco mais velha do que eu, tinha-se casado cedo e já ia no terceiro filho, uma escadinha em caracol como eu lhe dizia. O marido era um pouco mais velho do que ela e um valente pinga-amor, o que toda a gente via… menos ela. Ah! A cegueira do amor!
Um dia, a minha amiga descobriu no colarinho de uma camisa do seu amor, uma mancha de batom. Não podia ser, ela até nem se pintava e mostrando-lhe a “arma do crime” perguntou-lhe:
- Mas o que é isto, se eu não uso batom?
E o Don Juan pôs logo os neurónios a trabalhar…
- Não é batom, minha querida, é um creme que comprei na farmácia para as mordeduras dos mosquitos…
- E perfumado?
- Claro, para os afugentar…
Não sei se foi nesse dia que a minha amiga decidiu estar mais atenta aos mosquitos ou se evitou dizer-lhe duas que estavam debaixo da língua e no coração.
Como ela o soube, não sei! Mas sei que ela entendeu que o seu ídolo tinha pés de barro e que os serões do escritório decorriam na maior parte das vezes na Casa das Meninas ou da menina que, entretanto, passara do colectivo para um apartamento na cidade montado pelo seu querido.
Uma noite, a minha amiga descobriu o carro do marido à porta do prédio. Foi fácil chegar aonde ela queria…
Não fez qualquer cena, dentro de casa tudo continuava na normalidade de casal.
Uma manhã, depois de o marido sair para o trabalho pegou nos seus três filhos – a tal escadinha em caracol – ainda ensonados, de pijama, e dirigiu-se ao apartamento da Menina!
Abriu-lhe a porta uma loira perfumada e com um ar de espanto…
- Não me conhece e nem o desejo, venho apenas mostrar-lhe as três crianças a quem você rouba o pão e o amor e o tempo do pai…
A minha amiga voltou para casa como se nada tivesse acontecido.
Estranhou que os serões do marido tivessem terminado e perguntou-lhe:
- Agora não fazes serões?
- Não, não… já temos o serviço todo ordenado, felizmente!
Ela sorriu pensando que o estratagema dera resultado e ficou ainda mais feliz quando uma vizinha da menina lhe disse que a mesma partira inesperadamente para Lisboa deixando um bilhete ao papalvo que a sustentara.


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Os Versos Que Te Dou...


Ouve os versos que te dou, eu os fiz.

Hoje, que sinto o coração contente…
Enquanto o teu amor for meu somente,
Eu farei versos e serei feliz.


E hei-de fazê-los pela vida fora
Versos de sonho e amor e hei depois
Relembrar o passado de nós dois
Este passado que começa agora!


Estes versos repletos de ternura
São versos meus mas teus também
Sozinho, hás-de escutá-los sem ninguém
Que possa perturbar nossa ventura.


Quando o tempo branquear os teus cabelos
Vais um dia mais tarde revivê-los
Nas lembranças que a vida não desfez…
E ao lê-los com saudade em tua dor
Hás-de rever, chorando, o nosso amor
E hás-de lembrar, sofrendo, quem os fez.



Se nesse tempo eu já tiver partido
E outros versos quiseres – teu pedido
Deixas ao lado da cruz para onde vou.
Quando novamente então tu fores
Podes colher do chão todas as flores
Pois são versos de amor que ainda te dou!

- Graça Machado

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Inéditos



A maior parte das pessoas conhece Antoine de Saint-Exupéry através da sua obra “Le Petit Prince”, contudo ele escreveu vários outros textos entre 1925 e 1943: a sua primeira narrativa “Manon, Dançando”, prelecções, memórias de infância e da aviação, cartas diversas (a Louise de Vilmorin e a Natalie Paley), fragmentos de “Correio do Sul” e de “Voo Nocturno”.
Todos eles permeados por uma meditação sobre o que pode conferir sentido à viagem e nos ligar ao lugar de onde vimos, estes textos ajudam-nos a aproximar-nos da sensibilidade, das dúvidas morais e da obra de Antoine de Saint-Exupéry.


(Extracto de “Manon, Dançando”)
Porque nos põem tristes as pessoas demasiado novas? Não podemos amá-las, claro, ou quase não podemos, como um irmão mais pequeno: um jovem ainda não é nada…
- Manon… é a primeira vez.
- Meu homenzinho!
Os muito novos deslumbram-se sempre, abraçam-te, agradecem-te. Pensam que também eles dão muito prazer: deixamo-los acreditar nisso. Têm um mau jeito de jovens bichos, ensinamo-los:
- Uma mulher é frágil, é preciso ser doce…
Mais tarde, hão-de levar-te as carícias para as amantes a que quiserem bem.
- Estás triste, Manon?
Ela não tem margem.
Ele espanta-se com aquela nudez tranquilizante, apaziguadora, pois, a descer, desde o pescoço aos seios, até às ancas, é a mesma carne, a mesma pele, que vem do rosto.
- És encantadora…
Ele usa a palavra mais doce, a mais requintada. Sente-se expurgado das suas imagens perturbadoras de colegial: aquela mulher nua faz parte da sua própria carne. “ Ele acha que eu sou tão nova como ele…”
Manon dilui-se contra a cova do seu ombro. Caminham os dois na vida à mesma altura, mas por um tão curto espaço de tempo. Amanhã, ele há-de ultrapassá-la.
“Eu sou uma coisinha que se agarra. Uma franguinha num bar…”
Talvez ela abrace um irmão sem sequer o reconhecer, sem encontrar o sinal que lho dê a entender.
Ele fecha os olhos.
O seu rosto é um punho fechado, a vontade manifesta-se, repentina, na dobra dos lábios. Uma sombra nas faces: todo o desconhecido do homem, aí jaz.
“Meu homenzinho… porque ainda és nada, meu homenzinho, para além de uma carne protegida, toda tenrinha. Mas esta noite sentiste-te um conquistador e o teu rosto fecha-se como um punho. Tu és um homem.”
Manon…
- Descansa. Tem juízo. Tens a vida toda…


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Os Volframistas



(História que me foi contada pelo meu Pai)

No tempo do volfrâmio muita gente enriqueceu dando origem a uma grande onda de novos-ricos. O que lhes sobrava em dinheiro faltava-lhes em princípios e boa educação!
Na aldeia, alguns filhos da terra, que até tinham casas de negócios em Lisboa, voltaram para o burgo natal com os bolsos cheios de notas e ansiosos de ganharem a notoriedade que nunca tiveram. Compravam-se e restauravam-se velhos palácios e casas solarengas. Vinham os melhores mestres da arte do Porto para um restauro rico, de portas douradas e paredes pintadas a “fresco”. A mobília, então, causava um pasmo geral, nunca ninguém vira tanta riqueza junta, nem mesmo na casa do doutor e professor da aldeia consideradas pessoas de cultura e bom gosto. A completar todo este palco de vaidades, surgiam os bons tapetes, as tapeçarias murais e quadros de pintores célebres.


Toda esta movimentação era feita com o maior alarido porque era importante causar o impacto da admiração e até… de alguma inveja!
Falava-se em comprar títulos falidos e, de imediato, o Brasão era esculpido no grande portão de ferro e os documentos da compra guardados religiosamente no cofre-forte da casa.
A mulher do Joaquim habituada a cozer as batatas na velha panela da lareira, achava que o marido estava a exceder-se um pouco…
- Maria, que é que eles são mais do que nós? Só porque têm um canudo? E nós temos dinheiro que falta a muitos…
Depressa Maria se deixou deslumbrar com o estatuto de rica. Quando passeava no luxuoso automóvel conduzido por um motorista fardado como mandavam as regras, abria o vidro da janela ainda que estivesse frio e toda se empertigava para que o povo pudesse apreciar a sua toilette. O Joaquim, esse, montava bons cavalos e calcorreava as quintas que comprara, pensando como trabalhara nelas como um mouro.
Joaquim decidiu contratar a devida criadagem para que executassem o trabalho necessário para manter o palácio num brinquinho. Quantos mais melhor!
Tornaram-se presumidos, cheiravam a dinheiro e faziam gestos pedantes. Apesar do luxo e da posse sentia-se neles a raça de pobres, acanhamento de inferiores, bazófia de novos-ricos.
E de pretensões, nem se fala!
Um dia Joaquim chegou ao seu palácio a encontrou a sua Maria perdida de choro e de raiva.
- Então o que tens mulher, o que te falta? Sarna para te coçar é o que é!
- Joaquim, vê lá que na casa do Doutor se realizou um grande chá e nem se dignaram a convidar-nos… Sim, a nós que somos os mais ricos da aldeia e arredores.
- É por isso mulher que estás abatida? Já vais ver. - Tocando a sineta, logo surgiu uma criada para atender o seu novo patrão.
Dando-lhe uma nota gorda, disse-lhe:
- Vai lá abaixo à mercearia e compra dois quilos de chá!
A criada esbugalhou os olhos e perguntou, pensando que tinha ouvido mal:
- Dois quilos? Mas isso é muito…
- Que tens tu a ver com isso? Sou rico e posso comprar o chá que quiser…
Quando a encomenda chegou, Maria já feliz com tanto chá, resolveu ser ela a tratar da “cerimónia” para se habituar quando fosse ela a organizar uma reunião no seu palácio.
Pegou numa grande panela, encheu-a de água e, quando esta começou a ferver, meteu nela os dois quilos de chá que deixou cozer como se tratasse de hortaliça.
A criada pasmava!
Quando se puseram à mesa, sofregamente serviram-se do “bendito” chá que os tornava ilustres como os demais…
Joaquim fez uma careta.
- Maria, esquecestes-te do sal, do azeite e vinagre!
- Pois foi… - Chamou a criada e mandou vir os condimentos em falta.
Mesmo assim, não conseguiram tragar aquela mistela. Joaquim furioso reclamou:
- Raios partam as madames… chá para aqui, chá para acolá… afinal é esta porcaria que comem?
Tocando a sineta, disse para a criada:
-Traga-me um bocado de toucinho!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Outro Lado

Gosto e preciso muito de escrever, contar tanta coisa que me foi dado viver.
Isto já todos entenderam! Mas há mais caminhos de realização na minha vida.
Com as palavras vivo um dinamismo, uma comunhão de sentimentos, pensamentos e emoções com os quais interajo. Sinto-me plenamente realizada neste processo de encontrar a minha própria verdade.
Depois… há outros espaços onde voo com a mesma liberdade e prazer: a arte e a beleza!
São formas também de relação com os outros, com os quais crio laços imensamente gratos e belos que nos unem. Estou a falar de decoração e arranjos florais.
No dia em que já não for capaz de compor uma jarra ou enfeitar a minha casa, estarei perdendo o caminho da ponte que me une aos outros.
Alimento também a Amizade quando vou decorar a Igreja para os casamentos ou baptizados e executo os bouquets das “minhas” noivas. Ao complementar a sua felicidade, o meu trabalho é uma oração que deponho nas suas vidas.
O amor a esta arte valoriza-me porque ninguém mo deu mas faz parte do meu ser que se completa em tantas áreas.
Partilho com amor e alegria aquilo que me faz sentir bem e tranquila.
Sem dúvida, o Belo atrai-me!
Tenho tanto a agradecer Àquele que me deu estas capacidades… Há também um legado genético que não posso esquecer, a história pessoal da minha vida e os afectos (todos) que recolhi pelos caminhos por onde passei.
Não há pois monotonia nos meus dias mas sim falta de tempo para estar inteira e com frequência, em tudo aquilo que gostaria e gosto de fazer.




O último ramo de noiva e a flor para Nossa Senhora (5/10/2010)

Os outros arranjos são mais antigos - alguns para os meus anos, e alguns com flores artificiais.