quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Os Passos do Sol



Há qualquer coisa de solene na despedida de um ano. Não é apenas mais um, é também um a menos.
Procuro tomar-lhe o peso. E, feitas as contas do deve e haver, dou-te graças Senhor da vida, que me susténs e me conduzes.
Nem sequer te pergunto por quantos anos continuarei a contar os passos do sol.
Sei que um dia, como meu pai, partirei num pequeno navio e que me fundirei no corpo da terra. Peço-te apenas que possa então dormir o sono vertical das árvores.
A luz dói à sombra. Retira-lhe a máscara. Descobre-lhe o olhar inquieto, a ambiguidade dos gestos, a mentira das raízes. Por isso, a sombra, em bicos de pés e com subtis artimanhas, repele a luz. É esta a nossa dialéctica quotidiana.
Por isso, neste novo ano, queria ser como essas plantas que fogem da sombra e à procura da luz erguem o seu caule;
Perseguem um sol que não conhecem, mas  a seiva é dele sinal e memória.
Somos tão grandes, Senhor, quando capazes de proclamar o dia em plena noite; de sofrer sem chamar pela morte; quando capazes de ouvir cantar as galáxias e celebrar a beleza, a tanta beleza que há no mundo.
Senhor, a tua bênção para nós…este ano!




Para todos os meus amigos e também para todos aqueles que passam por aqui, um feliz 2013!!!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O Quarto Rei Mago

 
…E os Magos do Oriente trouxeram oiro, incenso e mirra…
Assim cantam os fiéis por esta altura do Natal. Numa igreja da Dinamarca há um antigo fresco representando o Menino Jesus nos braços de sua Mãe e, defronte deles, os três Magos ajoelhados.


O primeiro é Gaspar, que traz o oiro e um cálice, suas oferendas. Talvez algum anjo venha a usá-lo para recolher o sangue do crucificado.
Atrás dele está ajoelhado Melchior. O seu nome recorda Melchisedech, o sacerdote da antiga aliança, o rei sacerdote de Selem, a quem Abraão visitou. Melchisedech, revestido de vestes eclesiásticas, subiu ao trono e ofereceu o santo sacrifício do pão e do vinho que o patriarca comeu e bebeu, numa manhã húmida de orvalho sob as palmeiras agitadas pelo vento…
Melchior, nas suas vestes sacerdotais, está ajoelhado e balança o incensador perante o Menino Jesus. Assim faz o padre diante do altar.
Mais atrás deles está o Mouro, o negro Baltasar. Que sol queimaria tanto Baltasar, o dos cabelos crespos e dos lábios tão espessos? Virás tu da Índia, do Reino do Prestes João onde em cada manhã a ave bíblica põe o ovo sol cor de fogo sobre a margem do Oceano Pacífico? Ou vens de Sabá, como outrora a sua Rainha, para veres aquele que é mais do que Salomão? Atravessaste os desertos da Arábia? Recolheste a mirra e pensaste no dia, passado há tantos séculos em que a montanha chamejou e tremeu porque Jeová desceu e falou a Moisés, face a face? Colheste lá esta mirra que Maria conservará sobre o coração até ao momento em que a misturará com água para mitigar a sede a seu Filho, já cravado na cruz?
Mas uma velha lenda conta que, quando os Magos foram em peregrinação a Belém, entraram no estábulo e depuseram os seus tesouros perante o Menino e sua Mãe, o menino não quis sorrir-lhes. Maria julgou-se honrada com a mirra que ardia como em Jerusalém, onde ela passou a mocidade. Com os olhos em lágrimas, escondeu a mirra no seio. Mas o Menino não estendeu as mãozitas para o oiro que brilhava; o fumo fê-lo tossir, afastou-se da mirra e abraçou-se à Mãe a chorar.
Os três Reis Magos despediram-se e partiram apressadamente.


Quando as cabeças e o pescoço dos dromedários tinham desaparecido atrás das altas montanhas, quando o ruído dos seus passos deixou de ecoar na estrada de Jerusalém, apareceu um quarto rei Mago. Vinha do Golfo Pérsico e trazia 3 pedras preciosas para oferecer ao Menino. Este Rei Mago também tinha visto a estrela, uma noite no roseiral de Shiraz.
Levantou-se para se pôr a caminho.
Em vão o copeiro lhe trouxe o melhor vinho, debalde cantou o rouxinol à sombra das roseiras, em vão o repuxo brilhou, em vão a morena Suleika o abraçou. O Mago pegou em três das mais valiosas pérolas do seu tesouro, grandes como ovos de pomba, pô-las com segurança no seu cinto e partiu.
Mas chegou ao estábulo demasiado tarde. Os outros três Magos já tinham chegado e partido. Mas ele chegou tarde e… de mãos vazias…
Abriu lentamente as portas do estábulo, onde já estava escuro porque, entretanto, a noite tinha descido. No ar, havia um ligeiro odor de incenso. São José remexia a palha para a noite e o Menino estava sentado sobre os joelhos de sua Mãe que o embalava, cantando baixinho.
Lentamente o mago aproximou-se e ajoelhou-se diante de Jesus e começou a falar:
- Senhor, cheguei separado dos meus amigos que vierem render-vos homenagem e fazerem as suas ofertas… também eu tinha para vos oferecer três pérolas preciosas, do mar da Pérsia mas… já as não tenho comigo Não fiz o caminho seguido como os meus amigos. Parei num albergue, onde pernoitei e abusei do vinho que me toldou um pouco.
Vi um homem muito velho e pobre, doente que ia ser expulso do albergue por não ter dinheiro para pagar a hospedagem… Era uma noite fria, muito fria e Senhor, tirei um pérola para lhe pagar a estadia e a um médico que o tratasse. Desculpai-me Senhor…
No dia seguinte, pus-me a caminho na esperança de encontrar os outros Reis. Por entre rochedos e silvados, ouvi gritos aflitivos e saltando da minha montada fui socorrer quem corria perigo. Alguns soldados tinham-se apoderado de uma jovem mulher e preparavam-se para abusarem dela. Perdoai-me Senhor mas, tirei a segunda pérola e resgatei assim a jovem mulher que, beijando-me as mãos fugiu para as montanhas.
Só me restava uma pérola e essa, era mesmo para ti, Senhor! Quase ao meio dia e com Belém já muito próxima vi uma pequena cidade a arder, queimada pelos soldados de Herodes que matavam todas as crianças que encontravam. Junto de uma casa em chamas um soldado pegara numa criança pelas pernas e dizia para a mãe: agora deixo-a cair no meio do fogo. Será um bom bocado de carne assada!
A mãe deu um grito estridente de dor e eu peguei na última pérola, perdoai-me Senhor, e entreguei-a ao soldado para que ele restituísse a criança a sua mãe. Ele assim fez e ela, agarrada a seu filho, chorava e ria ao mesmo tempo, agradecendo o meu gesto.
Senhor é por estas razões que venho de mãos vazias… perdoai-me, perdoai-me…
O silêncio reinou no estábulo.
O Mago acabara a sua confissão. Durante algum tempo ficou com a testa encostada ao chão, depois, ousou levantar os olhos. São José tinha-se aproximado, Maria deixara de cantar… e o Menino? Este, endireitou-se no colo da Mãe, estendeu as mãozitas para o Mago e sorriu-lhe.