quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Chimamanda Adichie: O perigo da história única

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Por sugestão da Manuela Baptista do blog http://historias-com-mar-ao-fundo.blogspot.com/

Obs. Para ver o vídeo com legendas em português, basta clicar em "View subtitles" e no menu que aparece escolher Portuguese(Portugal) ou Portuguese(Brazil).


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O Blog Zambeziana Festeja O Seu Primeiro Aniversário

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A 23 de Fevereiro de 2009 nascia o meu blog com o poema “A MINHA TENDA É ÁFRICA”.
Sabia o que queria mas não sabia qual o caminho a seguir. Os meus conhecimentos de computador e internet eram quase nulos. Mergulhei de cabeça neste mundo virtual, com algum medo e apenas sustida por uma bóia de salvação (Obrigada, meu Filho!).
Na vida tudo é mais do que aquilo que os nossos olhos vêem. Sabia que para lá da cortina dos olhos, havia uma multiplicidade de imagens a que teria acesso se continuasse a caminho.
Levava na mochila, para além de sonhos e projectos, apenas a palavra Recomeçar!
Recomeçar sempre, depois dos cansaços e desânimos. Sabia que se claudicasse uma vez, tudo estaria perdido.

Normalmente é de noite que escrevo… quando mais facilmente oiço o roçagar das aves que trago dentro de mim e me derramo nas palavras. No silêncio, a memória é mais límpida e traz à tona tudo o que o rio da vida juntou.
As pessoas de quem falo existiram mesmo e as suas histórias de vida verdades que eu gosto de contar porque, de alguma forma, me marcaram. Alguns contos e poemas já os escrevi há muito tempo mas nunca tive oportunidade de os mostrar a outros olhares. Outros, já foram publicados em diversos jornais e revistas, quer em Moçambique, quer em Portugal.
Sempre gostei de escrever. Quem me conhece há muitos anos sabe disso. Por isso, em Dezembro de 96, dei asas ao meu sonho e nascia o jornalzinho (mensal) FOLHA DE CÔCO distribuído a mais de 700 sócios do CLUBE DA AMIZADE (Quelimane/Zambézia/Moçambique), cuja publicação teve a durabilidade de sete anos! Penso que foi um esforço grande de todos aqueles que queriam recordar em colectivo a mesma terra. Por uma questão de ordem financeira e porque os sócios já se espalhavam (e espalham) pelo mundo inteiro não havia possibilidade de continuar com o jornal de pé.
Ficámos pelo Convívio Anual (cada ano num ponto diferente de Portugal) onde desafogamos mágoas e saudades e onde oiço sempre “E a Folha de Côco?”


O Zambeziana nasceu pois, em princípio, para colmatar a falta do nosso jornalzinho… mas, contrariamente ao que pensava, chegava ao meu blog, como uma brisa de ternura, amigos de todo o mundo, com uma seiva nova a correr por entre as minhas lembranças, desejosos de lerem as minhas histórias. Vieram devagarinho como uma onda que vem pelo mar fora desejosa de se espraiar em novas areias… Misteriosa é esta palavra Amizade!
E vão chegando com a luz da manhã e sei o nome de todos eles... Pressinto-os para lá do ecrã e quase adivinho o seu estado de espírito, assim como eles têm noção quando há nuvens negras no meu horizonte… e deixam palavras de luz, em revoadas de pássaros a chilrear a sua alegria. Trazem-me estrelas para as minhas noites e os meus cansaços.
Aquilo que muitos teimam em chamar de Acaso…não existe! Há sempre uma explicação para o que nos acontece… Tudo aquilo que tenho recebido de vós e não cabe em palavras... Tudo isso deixo nas vossas mãos e corações apenas com um sussurro amigo: OBRIGADO!


Esta é a minha lembrança que todos podem levar como recordação deste dia.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Continua Tudo Igual...


Sejamos sinceros: que importa que Ele tenha morrido na Cruz, se os homens continuam a ser pregados nela?


Aquela Cruz não serviu para nada perante a mentira que continua a ser o quadro negro onde os espertos maquinam cálculos e fórmulas de eficácia.
Que importa que Ele tenha morrido na Cruz, se os homens continuam a ser pregados nela? Continua a haver homens manietados por sorrisos a haver homens que vendem a alma e a dignidade por trinta moedas, outros talvez por menos, porque de noite deitam contas à vida e dormem com a responsabilidade do pão para os filhos. Continua a haver homens a baloiçar na corda do desespero; a sentir a solidão em jardins habitados; e homens entretidos a lavar das mãos o sangue da hipocrisia. Continua tudo igual.
Aquela Cruz permanece teimosamente alçada na vida dos homens.
Questiona-se a verdade com cinismo e essa mesma verdade, quando incómoda, é amordaçada. Usa-se ironicamente aquela Cruz na lapela, mas continua a jogar-se aos dados para ver quem dela tira maior dividendos.
Anda-se na boca com o nome do Homem que nela morreu, mas amealha-se cuidadosamente o dinheiro no coração.
Aquele Homem a quem chamam Jesus e por quem tantos derramaram a vida, não nos veio tirar peso nenhum de cima, nem a doença da carne, nem sequer a morte imprevista ou anunciada. Não fez nada disso. Mas fez muito mais: a tudo deu um SENTIDO.


Talvez aí a razão de continuar a haver tantos “loucos” que, cravados na Cruz, espantam o mundo; de continuar a haver homens a aquecer-se na fogueira que Aquele outro ateou e desde então ninguém mais conseguiu apagar.
Continua tudo igual. Aquela Cruz continua teimosamente alçada na vida dos homens! Mas foi ela que incendiou o mundo.
Felizes os que, olhando-a, descobrem o sentido dos seus porquês.

- Henrique Manuel

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Uma Fita Para o Cabelo


Aqui estou de fato de treino, toda solta, o cabelo liso a tapar-me metade da cara, o saco com os livros. Vou num grupo: a Teresa, a Carla e a Ana…

-Vamos tomar um café à pastelaria?
(O café tira-me a vontade de almoçar; a minha mãe recomenda-me sempre que não tome demasiado café, sobretudo a estas horas… mas vou com as outras.)
A Teresa pede um maço de cigarros. Tem a voz rouca, a Teresa, acho que é de fumar muito. Mas a voz rouca dá-lhe classe. A Teresa está sempre à vontade em toda a parte. Tem dinheiro para tudo e fala de imensas coisas que eu não sei.
Rasga o celofane do maço com perícia e oferece cigarros em volta. Eu aceito… não é o primeiro não será o último… Fumamos, sentadas à mesa de pedra da pastelaria um tanto chique e snob.
Somos só nós no lugar para fumadores. Falamos de tudo e de nada. A Teresa comanda a conversa quase sem nexo… E as outras riem com ela. Rio também, mas estou só. Estou só no grupo de quatro. Chamo o empregado com um gesto; gosto de chamar o empregado, ao menos… Dá-me uma sensação de importância.
- Outro café e um copo de água.
(Mais café Guidinha? Dá-te cabo dos nervos, filha, e tira-te o apetite...) Quero ter os nervos tensos. O coração a bater mais depressa. Não me importo nada com o apetite. Sou alta, escorrida, com as mãos grandes demais e o cabelo liso, teimoso, a tapar-me metade da cara… Falo devagar arrastando as palavras, como se um tédio imenso me esmagasse.
Deito a cinza no pires sujo de café, e a chávena fica a boiar numa bodega cinzenta, aguada…
Falam de música, do próximo concerto que vai haver na cidade.
- Tu vais Guidinha?
- Não sou Guidinha… - Sinto um vago enjoo do cigarro e do café no estômago vazio.
Queria estar alegre mas não consigo… as conversas sempre iguais parecem-me uma música de fundo, distante.
….

- Tão tarde, Guida?
A mãe está à espera apesar de fingir que não, entretida com umas flores que dispõe numa jarra da sala.
- Demorei-me com umas colegas na pastelaria...
- Tomaste café antes do almoço?
- Tomei! – revisto-me de calma para aguentar o interrogatório.
A mãe deixa as flores, chega-se a mim, afasta-me o cabelo da cara e dá-me um beijo. Mal correspondido: tenho vergonha das expansões de sentimento, não me sinto à vontade. No fundo, o que é, é que sou seca, má e dura como um calhau…
- Fumaste, Guida?
- Fumei com o grupo. Não é mal nenhum…
- Eu ainda não te disse que é mal…
Almoçamos as duas. Continuo só, fechada nas minhas inquietações. Não posso explicar que me apetece quebrar com tudo, começar outra vida, fazer alguma coisa grande, sair desta pasmaceira...
- Quando começam os exames?
- Para a semana…
- E andas tão descansada?
- Mãe! – e é outra vez como um grito que não posso conter - estou farta disto tudo queria desistir de estudar…
A mãe olha para mim sem dizer nada. Nos seus olhos passa uma expressão de surpresa, talvez de medo. Mas recompõe-se.
- Andas nervosa, cansada… havemos de ir ao médico… (e fico outra vez só, mais só)
- Eu não sei o que hei-de fazer…
- Ó Filha, também não exageres! - A mãe resiste, quer que tudo seja normal, decente… Recusa-se a aceitar o meu desespero, a reconhecer que a medida transborda e que as soluções de remedeios já não servem… Mas eu preciso de lhe dizer tudo sem rodeios… Enquanto comemos, caladas, ensaio dentro de mim um discurso completo: “A Mãe já pensou que eu não quero ir para a Faculdade? Não há nenhuma carreira que me interesse, já pensou que a sua filha é uma inútil, uma incapaz? Oh mãe, eu gostava de ir para fora, ganhar prémios internacionais e a mãe diria: - Tenho orgulho de ti, filha! - Isto é que não… esta vida que se arrasta sem motivação, chata e eu, a remanchar, com preguiça e comichão na cara por causa da cabelo que me tapa os olhos…”
A mãe interrompe o meu discurso interior, para dizer como quem faz uma descoberta:
- Ó Guida, devia ficar-te tão bem uma fita larga à roda da cabeça. Queres experimentar? Assim o cabelo até te faz mal à vista…
E de repente aquela frase tão simples chama-me à realidade. A mãe encontrou uma solução: a fita larga e tesa, bem esticada, a disciplinar o cabelo teimoso; a cara fica lavada, sem farripas, o olhar desimpedido…
Agora compreendo que é disso que a minha vida precisa: de uma sujeição, de uma ordem, que afaste as sombras e me deixe olhar a direito , para diante.
- Queres experimentar?
- Quero mãe…
- Então hoje, depois das aulas, vamos à Baixa para escolher uma fita ou muitas de várias cores... Podes ir comigo? Não combinaste nada com o grupo? – a mãe olha-me quase com ansiedade.
- Vamos as duas à Baixa…
A mãe sorri. Não diz nada, mas adivinho o que pensa: “Antigamente quando andavas na primária gostavas muito de ir à Baixa comigo fazer compras, lembras-te? Lanchávamos as duas…Tu escolhias sempre os bolos de chocolate… era uma festa, para ti e para mim.”
E sinto uma súbita vontade de chorar. Os olhos da mãe brilham, com um brilho húmido.
Calamo-nos descascando a fruta… (Que foi que aconteceu? Eu cresci, mãe, já não sou a Guidinha, já não me contento com bolos de chocolate. Mas fui a tua Guidinha e conversámos muito… E tu ensinaste-me tudo! Com certeza ainda tens muito que me ensinar, mãe. Olha a fita para o cabelo foi uma óptima ideia… Quero começar a arrumar a minha vida).
Numa loja própria bem conceituada, Guida escolheu a primeira fita de um azul-escuro. A empregada indicou-lhe um espelho. Escovou os longos cabelos lisos e colocou a fita. Olhou-se no espelho e sentiu os olhos brilhantes de vida. A mãe por trás, sorria-lhe.
Guida virou-se lentamente e deu um beijo à mãe. Sentia-se renascer. Julgara-se muito senhora de si, conhecedora do seu caminho. Estranhos cuidados do destino que parece comprazer-se em servir-se de pequenos nadas para advertir as consciências. Bastou apenas uma fita no cabelo para aceitar que era apenas uma adolescente.
- Desculpa mãe! Ainda há lugar debaixo das tuas asas?
As duas já não escutam o burburinho, o ruído do trânsito nessa tarde de Verão, naquele abraço as suas almas encontraram-se e tiveram a noção que seriam no futuro, muito mais mãe e filha.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Os Meus Poetas (VII) - José de Almeida



Os meus poetas, consagrados ou não, são aqueles que me dizem muito, que me dizem tudo!
Acolhi-os no meu coração. Alguns, que já editei aqui, foram companheiros de uma vida. Ombro a ombro passamos pela mesma estrada. Colhemos flores, ouvimos histórias, rimos e choramos juntos. Na troca sincera da amizade – porventura o bem maior dos homens – chegou-me às mãos o primeiro livro de poemas que o “Zé” publicou: “Palavras de Outono”.
Também nós no Outono da vida – o tempo fugiu apressado – encontramos, felizmente, momentos para nos darmos enternecidamente num gesto calmo e profundo de Amizade.
“Para a Maria da Graça, velha amiga e guardiã de preciosas memórias”… E o teu livro tornou-se ainda mais precioso, trouxe-me lembranças de um tempo cheio de claridades, onde os nossos passos se misturavam com gargalhadas felizes e o nosso grupo (do qual fazia parte a Maria João, hoje tua mulher) era um autêntico bando de rouxinóis poisados nas árvores da nossa cidade.
E por entre essas árvores ainda a arrebentar em seiva ardente, havia uma árvore antiga que se mantinha de pé no meio de todas estas, lembrando-me um santo homem que conheci do outro lado do tempo e que, deste lado do mundo, apesar de gasto pelo rolar dos anos, foi sempre meu Amigo. Já partiu. Mas foi sempre alguém que se manteve de pé para indicar caminhos nas encruzilhadas humanas e alguém que honrou a palavra Amizade.
O filho não podia ser menos que o Pai.
Não sei se António Osório que escreveu o prefácio deste teu livro, estaria de acordo com estas linhas escritas pelo e com o coração. Julgo que sim, e, “roubando-lhe” algumas palavras do teu retrato, feito pela sua pena com arte e engenho, completaria o meu:
“Assim, o lirismo de José de Almeida, um lirismo sem crispações nem rupturas, projecta-se em múltiplas direcções…” “As palavras de amor são as que engrandecem as emoções do poeta. E são elas que tornam este livro inesquecível para quem o leu”.


África

Vim ver-te.
E trazia em mim uma saudade imensa
E a memória do cheiro inesquecível.
Vim ver-te.
Com os olhos cheios de ânsias de infinito
E as mãos tremendo na sede de abraçar-te.
Recebeste-me,
Na calma parada dos teus dias sem tempo,
Igual a ti mesma, decadente e livre.
Ris-te das minhas pressas de deveres inexistentes,
do meu ar perdido de sonhos do passado.
Sinto dentro de mim paredes que não eram
E os meus horizontes tem hoje grades decoradas.
Mas sou eu, Mãe.
Já com o olhar de distância e longe das planícies,
Que não te pertenço mas acabo sempre por voltar.

José de Almeida, in “Palavras de Outono”

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Deixa-me ir contigo!

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Despertaste!
Deixa-me ir contigo… Subamos os dois confiadamente. Vamos deixar voar o pensamento por entre os silvedos agrestes da estrada. Ergue os teus olhos do chão cinzento para receberem a luz do sol que sobre as coisas do mundo anda a tecer um fino lençol de renda que tu nem sempre vês… Deixa-me ir contigo… Quero que abras o coração à vida e que não a vejas num leito apertado como o rio sinuoso da montanha que chega ao despenhadeiro e cai, num turbilhão que chora em lufadas de dor… Não, a vida é alegria, a flor mais garrida que a Primavera traz consigo. Não tenhas pressa de chegar ao mar… A vida é um continuar-se!
Cada momento tem a sua própria história que não se repetirá jamais… Não percas pois este momento! Não cales no peito a tua verdade… por pequena que ela seja. Às vezes o silêncio não te revela a luz que precisas para enfunar a vela do teu barco… e há tantos barcos encalhados há muito tempo por esse mundo…
Deixa-me ir contigo… Juntos será mais fácil encontrar o caminho bordado por papoilas vermelhas que enchem de cor os nossos olhos.
Senta-te a meu lado. Quero ler o poema que trazes escrito nos olhos, onde há madrugadas cheias de infinito. Que maravilha, Amigo! Há sempre um motivo para ter esperança.
Seja qual for o teu caminho, deixa-me ir contigo… Vamos pelos atalhos, pelos caminhos solitários ou pelas avenidas grandiosas das cidades! De coração aberto e disponível para os que se cruzarem connosco… A alegria está até nas pedras que pisamos, nas árvores que dão sombra aos nossos cansaços, no cantar dos pássaros e, sobretudo, nesta força viva e interpeladora que nos lança para a vida.
Deixa-me ir contigo… porque eu creio em ti, na tua ternura, no modo como me dás a mão e espalhas carícias com o teu olhar… E é por estes pequenos nadas que eu creio em ti!
A tua voz serena dá-me a medida exacta da tua esperança. Quando falas, em teu redor há um calor humano diferente… como se a vida tivesse ganho nova cor e tivesse outro sentido!
Por isso, deixa-me ir contigo…


(A todos os Amigos que por aqui passam e deixam uma palavra….)