terça-feira, 30 de junho de 2009

Viajante das Estrelas


De repente a angústia caiu sobre mim. Não, não podia ser tinha que a sacudir. Retomei nas minhas mãos a minha alma decidida a gozar a cálida noite de Verão. O perfume das flores continuava a subir do jardim multicolor e a claridade branca das estrelas brilhava sobre o veludo do céu. Parecia e era uma imensa abóbada pontilhada de lantejoulas prateadas. Na cidade era impensável deslumbrar-me com este espectáculo. Estava feliz apesar da angústia que há pouco pairara sobre a minha primeira noite de férias.

Sentei-me no meu banco amarelo muito perto dos grilos que interpretavam a sinfonia nocturna que me faz lembrar a minha terra distante.
Os maracujás por de trás de mim começavam a pintar-se de lilás anunciando que dentro em pouco estariam maduros. Como a sua flor é linda como um poema de amor! Encostei a cabeça naquela almofada verde e olhei de novo o céu deslumbrada. Têm asas os meus sonhos...
Inesperadamente uma luz envolveu-me toda ofuscando o meu olhar. Mas o que seria aquilo? Existiriam realmente OVNIS? Senti umas pancadinhas discretas como se alguém abrisse ou fechasse uma janela, enquanto ouvia uma voz perguntar-me suavemente:
- Queres vir comigo?...
Não, devo estar a sonhar – pensei meio entorpecida.
- Quem és tu? – perguntei pensando que tudo não passava de uma ilusão.
- Sou um estrela deste céu que tanto gostas e convido-te a vires comigo espreitar lá do alto esta Terra que já foi mais verde.
- Mas como é que eu posso ir contigo? - perguntei incrédula.
- É fácil. Basta quereres de todo o coração fazer esta viagem comigo e pensares com a tua alma.
- Pensar com a alma? Que coisa mais disparatada...
- Vá fecha os olhos e pensa que iniciaste a tua viagem...
Que era feito do meu banco amarelo? E os grilos? Via apenas o reflexo rosa dos rododendros na água fresca de um ribeirito e a toutinegra cantando perdidamente. Os belos poemas que eu mais amava passavam como asas de cisne por sobre a superfície das águas que cada vez ficavam mais distantes.
Mais alto, mais alto... e voz da estrelinha ecoava pelo céu.
- Mas onde me levas? – tornei a perguntar embriagada por aquela deliciosa sensação.
- Onde quiser o teu coração. Recordas-te? Basta querer...
- Sim e pensar com a alma... repetia baixinho como um desejo.
...Como eram bonitas aquelas ruas e familiares... já teria estado por ali?
- O que é aquela casa tão grande, branca e com torres?
- É uma igreja. Uma jóia do Século XVIII, de linhas puras sóbria e espiritual também...
- Mas há muita gente a entrar nela... É um casamento não é?
- Sim é um casamento.
Eis que descortino entre a multidão uma silhueta que me é querida vestida de facto azul escuro, um cabelo feito de oiro pálido. Vem acompanhado de muita gente. Tem uma covinha no queixo e olhar ansioso. Esperaria alguém? Oiço gritar – Chegou a noiva, chegou a noiva...
Nenhum pintor conseguiria pintar aquela revelação envolta com que numa nuvem branca e jamais algum poeta poderia exprimir a emoção interior daquela jovem mulher.
- Vão ser felizes? Perguntei curiosa.
- Sim, amam-se muito mas irão sofrer. Na vida é preciso escolher e eles decidiram um caminho a dois.
- Deixa-me ficar mais tempo para ouvir o que dizem um ao outro – pedi devagarinho.
- Não podemos e tu já sabes como tudo terminará.
- Sei mesmo?
A estrelinha não respondeu – vamos, vamos depressa o Sol está a nascer e eu terei de regressar a casa.
- As estrelas têm casa?
- Têm, moram na lonjura do firmamento.
Não entendi muito bem mas segui-a no seu rasto luminoso.
Havia rosas, muitas rosas brancas que me eram oferecidas por umas mãos fortes e masculinas. O que me disse? Já esqueci tudo. Nos seus olhos castanhos dourados como tardes de Verão li tanto amor que as minhas mãos tremiam nas suas, que ele beijava murmurando palavras doces de amor. A hora da felicidade.
Ao longe há um campo de lilases em flor e a aurora que chega clareando tudo. Mas os lilases têm nos olhos gotas de orvalho. Os lilases choram?
Oh, o meu vestido branco com reflexos de pérola... sou uma noiva não é? E as fitas azuis? É um festival de luz para os nossos corações felizes. Dia radioso! As mimosas e rosas rescendem...
Por falar em rosas, onde está o meu ramo? Não o vejo. Não tenho nada nas mãos... rodo os dedos e encontro duas alianças. Duas alianças? Porquê duas? Sinto lágrimas nos olhos...
De novo o perfume das flores, o odor da terra. Oiço os grilos...
- Estavas a dormir, mãe?
- Não te rias, desci agora de uma estrela e andei por aí.
Ficamos calados. Há silêncios que nos completam e nos alimentam. Os crucificados salvam o mundo...
- Há paz nos teus olhos, minha querida senhora – e dando-me um beijo sorriu fazendo na face uma doce covinha que eu aprendi a adorar.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Manta de Farrapos


Quando no teu peito

Arder a revolta

E um desprezo infinito
Pelos que traíram,

Quando com língua perversa
Fizerem da tua vida

Assunto de conversa,

Quando tiverem pena de ti

Por não seres menos do que és

E por calcares aos pés

A falsidade de que se alimentam,

Quando aqueles a quem chamas irmãos
E de quem gostas,
Vierem mais tarde a apunhalar-te
Pelas costas,

Quando vires sucumbir à tua beira
Um a um, os teus
Sem lhes poderes acudir,

Quando a tua alma inteira
For só cicatrizes

Que novo golpe fizeram rebentar,
Quando já não tiveres lágrimas

Para chorar…

Então!...

Pega nos pedaços

Da tua alma em carne viva

E do teu peito nu

Faz com eles uma coberta de trapos

E agasalha na tua manta de farrapos

Um, mais pobre do que tu!


- Autor Desconhecido

terça-feira, 23 de junho de 2009

Mini Quermesse do São João

Inaugurado o Arraial promovido pelo Centro Juvenil de Quelimane


Perante numeroso público, que aguardava impaciente o corte simbólico da fita, teve lugar ontem a inauguração do “arraial” promovido pelo Centro Juvenil de Quelimane.
Às 19 horas chegou ao local o Bispo da Diocese, D. Francisco Nunes Teixeira, e um minuto depois compareceram o Governador do Distrito e esposa, D. Maria de Lourdes Casqueiro de Oliveira Beça Múrias, aguardados por Maria da Graça – a “Maria de Moçambique-1966” – e Maria de Lurdes, da Comissão Directiva do Centro Juvenil, que cumprimentaram os ilustres visitantes.
Convidado o Major Beça Múrias a cortar a fita, o Governador do Distrito delegou na sua esposa o acto simbólico que foi sublinhado por uma prolongada salva de palmas.
À inauguração, além do Presidente da Câmara Municipal, estiveram presentes o Administrador do Concelho, Comandante da Polícia, Padre Bernardino, orientador do Centro Juvenil, entidades oficiais e muito povo.
Foi feita a visita às diversas barracas de diversões, tendo a Senhora de Beça Múrias oferecido um donativo à Comissão dos Festejos.
Mais de uma dezena de raparigas e rapazes. Do Centro Juvenil, ocuparam os seus postos nos vários divertimentos, atendendo com verdadeiro espírito de juventude o numeroso público que se acercou das barracas para tentar a sua sorte.
O jovem Amadeu Gonçalves leu uma mensagem de saudação, explicando como nasceu o Centro Juvenil e quais as actividades em marcha e os projectos futuros, todos baseados no bem-fazer e sentido oportuno de ajuda ao próximo, onde o sector de ensino, para os de menos posses, tem largo quinhão de assistência, bem como o amparo ao desempregado, através de ficheiros a quem o Centro, junto do patronato, procura colocações.
O Governador do Distrito disse da sua enorme satisfação em estar presente em tão benemérita iniciativa, tão própria dos corações dos quelimanenses, já com bastas provas dadas através da sua generosidade, terminando o seu breve improviso prometendo o apoio do Governo a tão benemérita obra.
Até altas horas da noite o recinto teve larga concorrência de público, sintoma seguro do largo êxito a compensar o exausto trabalho despendido pelos jovens do Centro Juvenil.

In, Diário de Moçambique, 17-6-67


O corte da fita do recinto da Quermesse pela esposa do Senhor Governador Beça Múrias, ladeada pelos elementos responsáveis do C.J.Q., Graça Pereira e Lurdes Ferreira.


Discurso em nome do C.J.Q. pelo Amadeu Gonçalves, explicando todo o projecto do Centro.


O Governador Beça Múrias agradecendo o convite e elogiando a obra social do C.J.Q. Presentes, D. Francisco Nunes Teixeira, Bispo de Quelimane e o Presidente da Câmara, Danilo Costa e muito público.


A boîte “A Palhota” com duas noites de sucesso abrilhantadas pelo conjunto musical “The Blue Twisters”. Cá fora, o público distribuía-se pelas barraquinhas de “Comes e Bebes” (com direito a uma pequena esplanada), a das “Rifas”, das “Argolas”, do “Tiro ao alvo”, da “Pesca” dos “Bolos” e da “Solidariedade”.

A Quermesse teve lugar num terreno cedido para o efeito num gaveto frente ao cinema Águia, em 16 e 17 de Junho de 1967. Com mais este evento e de grande envergadura o C.J.Q. era já um nome conhecido, aceite e acarinhado por toda a cidade.



segunda-feira, 22 de junho de 2009

Férias


O mar tinha duas tonalidades – tal como a vida! Uma, de um azul cinzento carregado e outra num verde luminoso como a esperança. As ondas bordadas de branco alteavam-se numa força vitalizadora para depois se espraiarem na areia doirada, preguiçosa e sonhadoramente.

Sempre gostei de contemplar este mar que me diz muito. Fala-me de coisas que eu até já havia esquecido e a sua cadência lembra-me que, a toda a hora é preciso recomeçar...
Mas estou de férias! Será que até em férias é preciso recomeçar? Claro, como o mar. As horas encadeiam-se e desfazem-se, para logo se formar a seguinte – como as ondas do mar. O ciclo da vida não pára só porque estamos de férias e na vida, nada se perde, como as ondas do mar... Formam-se as ondas, desfazem-se as ondas mas a água permanece sempre a mesma, anos vêem, anos vão, mas a vida que se viveu não se perde, nem se some – fica em nós.

As férias passarão mas virão outras... cadenciadas como o mar. E tantas recordações que ficaram. Horas felizes, experiências, lições, beijos trocados e sonhos, tantos sonhos arquitectados. Seja como for, é vida vivida que faz parte de mim própria.
É por isso que gosto do mar. Compromete-me a estar comigo própria e em cada salpico de água, mesmo na crista da onda, lá vêem as recordações todas, as horas feitas e desfeitas, as descobertas, os fracassos e as ilusões.

É tempo de pensar, tomar decisões... para recomeçar! De novo, como as ondas do mar, num ciclo azul cinzento das horas difíceis e noutro, verde esperança das horas alegres e partilhadas.
Férias que se sucedem – vida que permanece... como as ondas do mar.

Micaela


Era um domingo quente e abafado como só em África pode acontecer. O sol brilhava abrasador por detrás das longas palmeiras daquela pequena aldeia indígena.

Ainda a manhã era uma criança e junto a uma pequenina palhota, pobre e quase sem luz, fervilhava já um movimento desusado. Havia jovens por todo o lado que, alegremente descarregavam de uma camioneta cedida para o efeito por uma boa alma, tudo o que era preciso para a construção de uma pequena casa – tábuas, pregos, cimento, tinta e fresco colmo já adquirido em fiadas de um metro de comprimento. A par de tudo isto haviam caixas completas de ferramenta que, alguns de nós, viam pela primeira vez.
Micaela era a preta com o sorriso mais doce que até hoje vi. No seu rosto redondo, já muito velhinho, reluziam dois olhos escuros que decerto, faziam concorrência ao luar de prata que todas as noites lhe batia na cubata. Jamais esquecerei o sorriso feliz da Micaela, sorriso de quem não tem nada a perder na vida. Estes sim, são os simples de espírito. Bateu as palmas de contente quando nos viu: finalmente ia ter uma casinha em condições, onde não chovesse dentro e tivesse uma janela rasgada de onde poderia contemplar o verde intenso do seu palmar.

Tu senhor, também foste connosco. Pois quem se não tu, nos pôs no peito aquela vontade e aquela alegria no coração? O trabalho não nos pesava porque tu estavas na retaguarda. Bem te vi. E como sorrias quando partilhávamos o almoço e a Micaela trouxe para sobremesa um tarrago cheio de mangas doces e sumarentas. Era tudo o que tinha. Lembrei-me da oferta da viúva pobre. Deitou mais que todos os outros. Nós demos o tempo que nos sobrava, mas ela, da sua pobreza deu tudo quanto tinha. Como tu às vezes nos pregas partidas... Nós a pensar que éramos os mais disponíveis, os mais simples, os totalmente desapegados e bastou um pequeno tarrago de mangas para “destruir” a nossa vaidade. Ainda bem que assim foi. De tarde, o nosso trabalho foi mais em espírito de pobreza, com mais amor. Ao cair da noite, quando o sol parecia uma bola de fogo bem por cima da nova casa da Micaela, as nossas mãos estavam semeadas de calos e feridas mas, na alma havia uma felicidade tão grande como o sorriso da Micaela.
Nunca mais esquecerei aquele domingo nem a preta com o sorriso mais doce que até hoje vi...

As Memórias do Amor


As memórias que o amor guarda mais são aquelas que foram envolvidas no papel fino da ternura!

Uma flor do campo que se apanhou de propósito para nos ser oferecida... Um abraço mais apertado, sem legenda... Os doces de fim de semana comprados numa das melhores pastelarias da cidade, talvez com um sorriso a lembrar a gulodice de quem os espera...


Uma chávena de chá levada à cama quando se tem uma forte enxaqueca... um telefonema surpresa feito na hora difícil de decidir algo profissionalmente...


Uma fogueira na lareira bem quentinha e doirada à espera de quem vem do frio... Aquela carta, já amarelecida pelo tempo, guardada e dobrada com todo o cuidado para não deixar escapar as palavras... aquele sorriso de cumplicidade com direito a covinhas, a recordar a emoção de um momento... dois braços sempre abertos para acolher tanto desabafo, incertezas e angústias...


A primeira fruta que se apanhou da árvore plantada com amor e oferecida com primazias risonhas... A certeza de um porto de abrigo em dia de tempestade e de ventos agrestes... Um convite inesperado para um passeio no momento exacto em que a tristeza bateu à porta...


As palavras de encorajamento quando o mundo parecia ruir... e a ternura de um amor quase perfeito!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Muralhas


Construí à minha volta uma muralha de silêncio para que ninguém visse as minhas lágrimas e fechei os meus ouvidos ao sussurro das árvores e ao cantar dos pássaros.
Sentei-me no meu canto e respirei aliviada: estava finalmente protegida. Mas enganei-me. As muralhas não nos protegem, antes isolaram-me de tudo aquilo que eu gostava.
Deixei de ver à noite o céu abrir uma transparente cortina e mostrar-me, como pérolas de um colar, uma imensidão de estrelas.
Deixei de ver os pequenos diamantes contra a luz que observo no chorão do meu jardim pouco depois de ter chovido… Deixei de sentir a magia das madrugadas que nascem com a sinfonia da aurora. Perdi o encanto das conversas sussurradas num café como quem fala de um mistério. O pôr-do-sol nunca mais pintou com tons de laranja a janela do meu quarto porque a muralha que construí era demasiado escarpada e nem a brisa cantarolava como de costume à minha volta.
Recusei-me a continuar de olhos fechados e acreditei que conseguiria voar como as gaivotas. Abri uma fenda na minha muralha e descobri que o mundo continuava o mesmo: insensível à minha dor. Um campo de papoilas anunciava-me que a primavera estava a chegar e o vento que passava pela fresta era cálido, morno como um beijo.
Tinha feito demasiadas despedidas de tudo e de todos e nem por isso me senti mais protegida da dor e da saudade. Era preciso preparar com urgência o reencontro das coisas e das pessoas. Faria com as minhas próprias mãos uma ponte. A ponte une as margens, a muralha isolou-me.
Nada acontece por acaso e tudo tem o seu tempo e é com a mordaça de hoje que amanhã cantaremos vitória acenando-a como bandeira de paz. Compreendi de imediato que seria eu a construir a minha vida e saberia levar o barco a bom porto, desde que soubesse o rumo e tivesse forças para em cada manhã cortar as amarras e partir de novo.
Voar com as gaivotas, saltar de flor em flor com as borboletas e beber em todos os regatos que bordam o verde do meu bosque de Damasco.
Não, não é demasiado tarde para aprender. Basta descobrir que as muralhas nos esmagam e as pontes levam e trazem alegria. Eu acredito que sou capaz de voar bem mais alto que a muralha que construí. O importante é que compreenda que só na partilha encontrarei um rumo novo na minha vida.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Histórias Da Nossa Zambézia


Semana a semana, em casa de uns ora em casa de outros, jogava-se muito aos dados, ao “bacard”, ao montinho, ao “bluff”, e não raro à roleta também. Quelimane de então (pelos anos 30) não oferecia outros entretenimentos. Tiveram fama as partidas realizadas em casa de José Baltasar Farinha, de Bernardo de Albuquerque, de José Militão, Ferreira de Carvalho e outros. Não tinham, essas partidas, carácter lucrativo. Noite adiante, de madrugada, abria-se a sala de jantar e o serão continuava. Um dia, dois parceiros jogando aos dados, não desejavam dar-se por vencidos. Muitos dos assistentes entravam no despique, satisfeitos por comungarem em muitas bebidas jogadas e perdidas. Noite alta diz o vencedor:
-Bem é melhor ficarmos por aqui, visto que você não tem mais nada para jogar.
-Não tenho? Isso é que tenho! Jogo a minha sogra. (E perdeu-a, explica Francisco Gavicho de Lacerda no seu livro “Figuras e episódios da Zambézia”).
No dia seguinte, a sogra do funcionário – pois de um funcionário público se tratava – pediu audiência ao Governador que fingiu ignorar o que se passava.
- Uma vergonha, senhor Governador, uma perfeita vergonha.
-Sossegue minha senhora. Tem toda a razão. Não são coisas que se façam. - Dissera-lhe o governador aflito e de lenço na boca para não se rir – Fique descansada que irei proceder.
E procedeu mesmo: transferindo o funcionário para outra localidade do Distrito. Coisa sem jeito era se a moda pegasse…

A Mitó minha amiga de Quelimane e antiga colega do CNA, enviou-me este postal e explica-me a sua confecção: é feito com casca de bananeira (não a folha) depois, apenas envernizado por cima. Pessoalmente acho-o uma ternurazinha! É a arte daquele povo a reflorescer outra vez… Que bom!

Fotos do Álbum da Regina

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No velhinho aeroporto despedindo-nos do João Galvão que vinha para Portugal estudar. (Da direita para a esquerda) A Regina, eu (devia estar muito vento, não me imaginava com um lenço na cabeça… ai recordações!) e claro, o João.


Na boîte do Sporting na festa de despedida das Correia Marques. Era Agosto o mês por excelência das festas, embora estas acontecessem durante todo o ano. Tive há alguns anos atrás um Chefe de Serviços que dizia: “esta moça festeja o ano desde 1 de Janeiro a 31 de Dezembro”. Terei perdido esta alegria que esbanjava por todo o lado? Não sei!

Gina, obrigada pela tua colaboração, pelos teus comentários e, sobretudo, pela tua amizade.

Podes continuar a desfolhar os teus álbuns… Tenho a certeza que algumas páginas coincidem com as minhas.


sábado, 13 de junho de 2009

Dia De Santo António

Namorados falai baixo
Que as paredes têm ouvidos…

Os segredos encobertos
São os que são mais sabidos!


Ai, não me diga que não
Confessa-me o teu desgosto…
As mágoas do coração

Também se vêm no rosto!


Raparigas do meu tempo

Como eu, envelheceram

Quantas ilusões desfeitas
Tantos sonhos que morreram…


É noite da Santo António

E em cada rua modesta

Cada pedaço de chão

É um pedaço de festa.


Meu amor, não faças caso

Troquei-te só por um dia.

Se não mudasse de vaso

O manjerico morria…


quinta-feira, 11 de junho de 2009

Fotos do Meu Álbum


Assim como quem deita sementes num canteiro… sem grandes explicações. O que de mais importante nos aconteceu não se explica. São desafios que vivemos, pessoas que amamos, mistérios que em nós ficaram. Momento este de partilha como faz o jardineiro, abrindo as mãos generosamente e esperando… que as flores nasçam!


Almoço de confraternização… Final de ano liceal? Encontro de estudantes universitários em férias? Aniversário de alguém presente na foto? Ou apenas vontade de conviver? Já não sei! Mas sei o nome deles todos: Orlando, Arnalda, Mário Augusto, Felicita, Jójó, Saroj, Henrique, Pilar, José Alves Pereira e Jorge Coelho.


Na boîte do Sporting em 6.8.1963. Descubram-se… A vida terá sido tão bela para todos como neste momento? Espero bem que sim!


Num outro baile e não consigo descortinar o local. Aqui eu dançava com o Jorge Coelho e, falando connosco, a Felisbela e o Vasco Ogando.


Esta é muito mais do passado, isto é, de um passado mais longínquo… Novamente o pavilhão do lado direito da Escola Vasco da Gama e que parecia destinado a festas de casamentos. Este era o da Olívia Sequeira Ribeiro. A “fazer de noiva” o Sr. Amaral “Pele e Osso” sempre rodeado de juventude. Tantas caras conhecidas: Lélé Amaral, Manuela Costa Isabel Viegas, Ermelinda Pimentel, Aurora e Nininha Gentil, Jójó, Zé Amaral, Milena Oliveira, Nôno, Elisa Viegas, Fernanda Perdiz, Victor e Fernando Xavier Martins, Sequeira Ribeiro e as filhas Céu e Manuela.


Era um domingo quente de Dezembro e fui almoçar com a família Fierens. A mãe Mafalda fez um caril como só ela sabia fazer. Depois as “flores” Graça e Juliette, posaram no jardim.


Alguns alunos do CNA (parte de trás do Colégio) com as suas Mestras e o Dr. Tiago que já não está entre nós - também outros infelizmente partiram, brilham no céu das nossas memórias.


Despedida do José Augusto no Riviera, Agosto de 1963. Da esquerda para a direita: ?, Vasco Malheiro, Mário Augusto, Jú Belo, José Augusto, Nuno, ?, Luis Pedro, e ?.

Recordem, recordem porque… recordar, é viver!


terça-feira, 9 de junho de 2009

Vem Aí o Verão


Por mim poderia ser todo o ano. Aceitaria pôr um leve agasalho pela manhã bem cedinho e depois, à noite quando chegasse o cacimbo, durante três meses e nada mais. Mas agora já fico feliz com os três meses de verão! Como tudo muda.
Os dias sucederam-se a correr na mesma vertigem que já vem de longe e já estamos a meio do ano. Gostaria de ter conciliado os meus passos com tudo o que gostaria de ter feito e que fica aquém do desejado. Os meus amigos aconselham: põe tudo na tua agenda de carteira e programa as coisas. Acho-lhes graça! Será que eles conseguem? E os imprevistos, mais que muitos, como os contornam? Claro que tenho uma agenda mas apenas para não perder o fio à meada. O que aparece cada dia é muito mais do que aquilo que estava supostamente ordenado. E entro então numa roleta louca. À noite tenho a sensação de ter vivido mais. Mas é apenas uma sensação. Quando faço o balanço descubro que o cansaço está na razão inversa do produzido. Valerá a pena andar a correr?
Que saudades do tempo cheio de tempo da minha terra! Até era usual ouvir-se: “estou a matar o tempo”. Havia tempo para enchermos as manhãs de poemas, para cantar a liturgia do trabalho, para abrir a porta do nosso coração aos amigos, para nos espreguiçarmos deliciosamente ao sol, para fazer um bolo e partilhá-lo com alegria, para ler um livro e tomar apontamentos das passagens que mais nos marcaram, para adubarmos a esperança, para namorarmos (não através de mensagens e da internet…) e para trocarmos ternuras e carinhos, fazendo-nos sentir homens e mulheres e não robots pendurados apenas por um click de um botão.
Gostaria de ficar assim a vagar com as nuvens… A observar os botõezinhos a romper, determinados, o solo molhado por estes dois dias de chuva. Assistir ao acasalamento das borboletas. Escutar a harmonia da natureza aqui tão perto. Dançar a vida à volta de um canteiro. Brincar com o meu gato e os meus cães… Mas, mas o relógio bateu doze badaladas e o almoço? E a roupa por apanhar? E a consulta de logo à tarde? E o programa desta semana que vai exigir muito de mim? Meu Deus, como estou atrasada para tudo!
Já não posso “voltar aos dias sublimes e longínquos da minha infância”. Esqueço o rumorejar dos “Bons Sinais”, a visita à velha Igreja, o lanche no Riviera e o passeio até à praia…
A minha agenda transborda pelo peso dos dias. O Verão já não é o que era e a minha vida também não. E fico-me por aqui? Não sou eu que costumo dizer aos meus amigos que a minha casa é uma Tenda? Então é porque tenho noção de que sou apenas um peregrino. E o que faz o peregrino? Cada dia, ao alvorecer, constrói o seu dia com a alegria habitual do começo das coisas. Enche o coração com tudo o que traz da lonjura dos tempos e dos caminhos e espera o lento amadurecer dos frutos. Ao fim do dia sacode o pó das sandálias e olha as estrelas que falam da sua terra e entende que a sua riqueza está no muito que viveu e no muito que foi seu caminho.

(Fotos de Nuno Machado)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Prendas - Dia Mundial do Ambiente

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“Olha!”, disseste-me. E vi as nuvens ameaçadoras aglomerarem-se e rolarem e escurecerem e o céu a tornar-se azul e os relâmpagos prateados a rasgarem a escuridão de alto abaixo.

“Olha!”. E vi os gansos a cruzarem os céus, batendo as asas contra o ar da noite e chamando uns pelos outros conforme passavam.


“Olha!”. E vi a quietude de um lago explodir num tremeluzir de peixes caçando as migalhas que lançáramos.



“Olha!”. E vi um céu salpicado de estrelas. E o brilho da geada nas lâminas das ervas.



“Olha!”. E vi as pequenas coisas que me poderiam passar despercebidas. As vagens de pimpinela escarlate,


as perninhas frágeis como arame de um pisco sociável com o seu olhar atento,



os redemoinhos na orelha de um gatinho,


as teias de aranha ornamentadas de orvalho espalhado pela sebe, os mergulhos e rápidos voos das libelinhas, a fuga apressada dos escaravelhos, o frémito dos bigodes de um rato,


o verde nariz arrebitado de um jacinto furando através do solo.


Deste-me alimento, conforto e amor. E deste-me as estrelas.





(do livro “Mãe” de Rosanne Brown; fotos de Nuno Machado)


quinta-feira, 4 de junho de 2009

F.A.E.


“Do Chuabo Com Amor…


A FAE teve o condão de alterar radicalmente os hábitos das gentes locais… Desde que se iniciaram os trabalhos, que se foram acelerando à medida que a data da inauguração se aproximava, até depois do momento culminante da cerimónia oficial da abertura, o movimento de pessoas e automóveis atingiu limites nunca dantes vistos. Quelimane viveu e continua a viver momentos próprios das grandes urbes. Os acontecimentos sucedem-se vertiginosamente deixando atordoados os de passo mole: a inauguração, o critério automóvel, o circo Mariano que chegou na manhã da inauguração e à noite dava o seu primeiro espectáculo, o “Teatro do nosso Tempo” de Jacinto Ramos. O encontro de futebol entre a Selecção da Zambézia e a Selecção Provincial, o banquete gigante no dia da inauguração com a presença do Governador-geral, a exposição de pintura, a segunda tiragem do “NB”, posta a circular poucas horas depois da inauguração, com o suplemento diário da “Feira” que foi um sucesso, enfim, o pacato cidadão desabituado de tais velocidades é arrancado do marasmo em que vivia.
Tudo isto representa muito trabalho, um trabalho tão gigantesco como gigantesca é esta Zambézia que quis mostrar aquilo que as suas gentes serão capazes de fazer se lhes oferecerem essa oportunidade. Com raiva o Zambeziano despiu o casaco, lançou-o furioso ao chão e gritou: “Olhai senhores, do que seremos capazes se nos deixarem se não nos tolherem os movimentos com essa inútil burocracia, com esses milhentos tipos embirrentos das secretarias a impedirem-nos de andar para a frente. Senhores, soltem as amarras que nos tolhem os movimentos e vereis esta Zambézia impressionante de riqueza a dar trabalho e pão a milhares de necessitados. Mas, por favor, livrai-nos dos calaceiros, dos inúteis. Dos que nada fazem, excepto, nada deixar fazer aos outros.” (Revista da FAE, 24 de Agosto de 1969)

NOTA: Este grito é, infelizmente, ainda actual na portentosa Zambézia. A riqueza do seu solo, o manancial que deve ser explorado por todos os zambezianos, ficou lá! Os “retornados” (falo por mim e talvez por milhares) apenas trouxeram a saudade. No passado, mostrou-se a vontade de um povo de um modo grandioso.
Amigos da actual Zambézia, façam hoje quantas “FAE’s” sejam precisas mas façam-nas para que ao menos não tenham sido em vão tantos sonhos desfeitos, tantas despedidas dolorosas e tantas lágrimas dos teus filhos, zambezianos, de todas as cores.


Pavilhão da Associação Hindu da Zambézia. Muito bonito. Foi o único que não ficou pronto antes da inauguração, talvez pela riqueza e fausto pretendido para o seu interior. Sabe-se que da Índia vieram de avião centenas de “saris” para serem ali leiloados. Contudo o Governador-geral visitou-o e foi recebido pela Direcção da Associação Hindu.


Pavilhão dos Caminhos de Ferro. Simples mas muito original. Foi dos mais visitados na FAE. Ao lado, o Pavilhão do Entreposto que não deixou os seus créditos por mãos alheias.


A réplica do velhinho quiosque do Refeba, na Marginal que, entretanto, era deitado abaixo para dar lugar a uma obra nova de linhas modernas. Mas ali estava, na FAE, o pavilhão do Refeba, relíquia de tão gratas recordações e tradições para a gente da Zambézia e particularmente de Quelimane. Cumpriu a sua obrigação e algumas “borracheiras” ficaram aqui célebres. Agora, perpetua-se neste espaço a miniatura que fará recordar aos mais saudosistas, o quiosque da Marginal.


O Pavilhão do Grémio do Chá. Era realmente muito bonito. Dentro, com todo o requinte, era sempre servido a cada visitante uma saborosa e quentinha chávena de chá.


Pavilhão das Missões, onde foram expostas muitas e variadas obras de artesanato da Zambézia. Aqui, visita do Governador-geral Dr. Baltazar Rebelo de Sousa e esposa.


Pavilhão Ferreira e Faria – Vencedor do Grande Prémio do certame “pavilhão de melhor concepção e arrojo arquitectónico”.
Para o prémio de maior originalidade de concepção, classificaram-se os seguintes pavilhões: 1ºlugar- Sena Sugar; 2º- Madal e 3º- BNU. Melhor decoração: 1º lugar- BNU; 2º- Madal; 3º- Ferreira e Faria. Melhor pavilhão de Comércio: 1º lugar- Madal; 2º- Companhia da Zambézia e 3º- Companhia do Boror. Melhor pavilhão comercial: 1º lugar - Ferreira e Faria; 2º- Marropino e 3º- Sacras. O júri foi constituído pelo Engº João Chaby, Sérgio Guerra e António Sheppard da Cruz.


No pavilhão do BNU, expunha-se a maqueta do novo edifício, então, em construção.


Pavilhão da Lusalite, simples mas uma montra condigna de todos os seus produtos.


Pavilhão do NB onde se publicava diariamente o jornalzinho “A FEIRA” com duas tiragens gratuitas por dia e o povo que se pendurava em massa para levar notícias frescas para casa. Aqui também visitado pelo Governador-geral, Governador Distrital, pelo senhor Bispo, D. Francisco, e por muitas individualidades de todo o país.


Ficaram por mostrar os seguintes pavilhões: Companhia Têxtil do Pungué; Agências Mundiais; Zuid; Monteiro e Giro; União Comercial de Moçambique: Pendray Sousa; Gráfica Transmontana; Dorna Baião; Ana do Chinde; Steia; Cafum; 2M; e muitos outros de difícil enumeração. O número de visitantes ultrapassou os vinte mil nesta primeira edição da FAE.