terça-feira, 29 de setembro de 2009

Carta a Uma Praia - Zalala


Para lerem o texto cliquem na imagem e poderão vê-la com letra legível.


Selo do Carlos Albuquerque Com Um Jogo

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Achei interessante a distribuição do selo elaborado pelo Carlos Albuquerque (e que lindo é!!!). Para este jogo, adoptou o número 3 e deu uma explicação plausível para essa escolha com a qual estou de acordo. E, neste contexto, escolheu três primeiros blogs a quem ofereceu a possibilidade de jogar e ganhar um selo precioso.
Obrigada Carlos pela deferência.

Às perguntas do jogo, que vêm em conjunto com o selo, dou já a resposta:

1-Se o azul não existisse de que cor pintaria o céu? AMARELO

2-Há um mar vago. Onde o poria? NA MINHA RUA

3-Se encontras um sonho perdido, o que é que lhe fazes? VIVO-O

4-Se por aqui ou por ali. Qual a escolha? EM FRENTE

Receita dos Sonhos de Abóbora


(Complemento do post “sonhos”- O prometido é devido)


Ingredientes: 3 ou 4 fatias de abóbora (se for grande) 2 Chávenas de farinha de trigo peneirada, 1 colher de fermento em pó (rasa), 3 ovos inteiros, ½ colher de chá de sal fino.
Execução: Cozem-se as fatias de abóbora em água com um pouco de sal. Logo que esteja cozida tira-se com muito cuidado para fora e escorre-se a água muito bem, dentro de um passador.
Em seguida, esmaga-se tudo muito bem com as mãos dentro de uma tigela grande até formar um puré. Acrescenta-se-lhe a farinha e o fermento, um ovo de cada vez e o sal. Volta a amassar-se muito bem. Deixa-se levedar durante 5 a 10 minutos, com a tigela tapada.
Coloca-se na frigideira bastante azeite e, quando este estiver quente, colocam-se colheradas de massa (colheres de sobremesa) fritando os sonhos.
Depois de bem escorridos, coloca-se numa “cama” de açúcar a gosto de cada um!

Bom apetite!!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sonhos


A minha rua era uma rua com muito movimento! Chamava-se José Bonifácio da Silva e eu morava no número 40, primeiro andar! Se atendermos a que, nessa rua, ficavam dois grandes clubes, o Sporting e o Benfica, dois cinemas, a Câmara Municipal (sala da visitas da cidade), o Palácio das Repartições, a Escola Primária Vasco da Gama e várias lojas comerciais de renome, teremos a ideia do corrupio de trânsito de automóveis e de pessoas que zumbia todo o dia, para cima e para baixo, até altas horas da noite, a entrar pela madrugada, com a saída dos cinemas e das esplanadas onde se ia buscar o fresco necessário para o calor da cama.

O Palácio das Repartições.

Gostava da minha rua onde a amizade era céu azul e os sorrisos pequenos pardalitos a oferecerem-se generosamente. Os perfumes cruzavam-se como canções: era a mangueira do lado carregadinha de frutos maduros, as buganvílias de todas as cores e as acácias floridas de sangue juncando os passeios, numa sinfonia misteriosa em que cada nota era uma promessa.

O Cinema Águia.

Os vizinhos do lado e do rés-do-chão eram amigos com quem se partilhava o pão e a palavra.

Os do lado eram praticamente como família, com quem se dividia, nos dois sentidos, a lágrima e a alegria. A senhora tinha sido minha professora de piano durante anos e deliciava-me ver as suas mãos pequeninas como borboletas poisadas nas teclas fazendo vibrar uma Marcha Turca ou o “Voo do Moscardo”.

Todos os resultados de receitas de culinária, experimentadas ou repetidas, cruzavam-se invariavelmente entre as duas casas.

- Vizinha, ó Vizinha! - E a voz um pouco estridente feria os tímpanos de quem passava.

O meu pai, sempre com a sua calma e alguma picardia, dizia para a minha mãe:

- Vai lá depressa à varanda antes que as mangas, abaladas, acabem por cair todas…

A minha mãe, do redondo da nossa varanda, respondia-lhe:

- Estou aqui vizinha, estou aqui!

- Olhe, o Ossane (empregado) foi agora aí levar uma taça de sonhos de abóbora que a Gracinha gosta muito.

- Oh, não é só a Gracinha... gostamos todos e a vizinha fá-los com mão de mestre. Quando puder, há-de me dar a receita.

- Que não seja por isso. Se tiver aí um papel e uma caneta à mão, digo-lhe mesmo daqui.

Já o meu pai ia chegando com um pequeno bloco e uma caneta…

- Ah, estavas a ouvir…

- Mas quem é que não vos ouve? Se não fosse eu alguém da rua viria cá trazer o que precisas, de certeza! - Brincava o meu pai.

- Ora então aponte lá: põe-se a cozer a abóbora na véspera e no dia seguinte tem que a…

- Ó vizinha, não ouvi, passaram agora muitos carros… repita por favor.

Do redondo da varanda a minha mãe falava para a vizinha...

E aquilo que podia ser escrito em cinco minutos na casa de uma ou da outra demorava mais de uma hora, com paragens constantes de acordo com o movimento da rua. Mas não havia volta a dar-lhes. Era um ritual que elas cumpriam com fios de paciência a compreensão. Cada palavra dita de varanda para varanda tinha um sabor que se bebia devagar.

Passados dias, o nosso empregado veio dizer à minha mãe que estava uma senhora na sala para falar com ela. Como tinha um atellier de costura, a minha mãe pensou tratar-se de uma cliente. Quando chegou à sala viu uma cara desconhecida que, de pé com um bloco na mão a aguardava. Deve ser alguém recomendado por uma amiga - Pensou a minha mãe.

- Sente-se por favor e diga-me em que a posso ajudar.

A outra, meio abespinhada respondeu:

- Sabe, é que fiquei com os sonhos estragados porque não consegui apanhar a receita toda. Havia muito movimento na rua e eu não percebia completamente o que a sua vizinha dizia… e antes que fique novamente com a abóbora em pedaços…

Sem comentários!!!


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Poesia de Fim de Verão


Setembro continua belo, conserva-se doce e temperado. Por quantos dias mais? Que importa?

“Dos meus dias fugazes, que me importa o número? Eu toco o infinito, vejo a eternidade” (Victor Hugo).

A corrente dos
dias felizes afasta-se bem depressa. Sabe-se se alguma vez voltarão outras tão cantantes como outrora? Tudo se pode esperar. Há um ritmo misterioso que nunca entenderemos. Gosto deste mês de tão doces e felizes recordações. Do Setembro de um noivado, do Setembro de férias vividas um pouco por esse país fora, do Setembro que me lembra missão cumprida, tranquilidade e paz. Do Setembro que fecha com chave de oiro a festa da natureza começada em Março passado. Do Setembro que me convida a uma reflexão mais intensa para o período que está já aí: o Outono!

Mas este também tem as suas virtudes e Setembro deposita-nos nesse claustro onde podemos fazer desabrochar melhor a nossa alma um pouco aturdida pelo movimento deste últimos sete meses. Tal como a terra, precisamos de descansar depois das últimas colheitas. Terei semeado?

Saí c
edo de casa, a pé! Gosto de caminhar sentindo as folhas secas a estalarem sob os meus pés. Os castanhos misturam-se com amarelos fortes e vermelhos como sangue. A natureza despede-se em festa e, embora sinta alguma nostalgia, vislumbro transparências que não quero perder. Nada acontece por acaso e como dizia alguém o “ porquê é sempre infinito”. Mergulho neste oásis de folhas de todas as cores e de ramos a desnudarem-se… Hoje colherei tâmaras, dormirei debaixo das palmeiras e, talvez, olhando o céu, encontre a estrela que me guie quando de novo estiver no deserto. A brisa sopra suavemente, ainda quente e faz-me viver a plenitude deste momento. Que mais será preciso?

Um novo caminho se abre à minha frente… esqueço as cruzes que ficaram para trás, esqueço os lugares onde deixei ficar pedaços de mim própria… Acredito no mistério que me faz partir cada dia como se fosse começar tudo de novo…


Maravilhosa capacidade que Deus me deu de voltar a ser árvore, depois de ser folha rodopiando com o vento, apodrecida no meio da terra e…. voltar a ser Primavera!



Poesia escolhida para este fim de Verão.

Chuvinha de Setembro
(Eugénio de Castro)

Chuvinha miúda… Chove, chove
Molhando a eira, molhando a uva…
Mãos de anjo tecem rendas de água,
Prendem-me aqui grades de chuva….
Chuvinha miúda… - Chove, chove
Nos pinheirais, dentro de mim….
Lembra-me agora aquela tarde
Em que também chovia assim…
Quanto chorámos nessa hora
Que já de nós tão longe vai!
Chuvinha miúda… chove, chove….
Sonhos de amor chorai, chorai….


Em Uma Tarde de Outono
(Olavo Bilac)

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...



Confiança
(Miguel Torga)

O que é bonito neste mundo,
E anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra ventura...
E que a doçura
Que não se prova,
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...

Uma Carta Para Mim


Olá Gracita,

Foi difícil andar pelo tempo até encontrar os teus quinze anos! Mas algo me deu a certeza que eras tu… Gargalhadas cristalinas e muitos amigos à tua volta. Não, não podia estar enganada: encontrara a minha alma gémea!

“ Gémea? Mas de que é que esta mulher está a falar? Eu nem a conheço!”

- Conheces, sim!

Mas agora as cartas falam?”

- Sempre o fizeram mas há muita gente que não sabe ler nas entrelinhas…

“E o que é que dizem essas entrelinhas? Vou ser feliz?”

- Vais. Viverás um grande amor na tua vida. Aparecerão cruzes também, como é evidente… Mas saberás vencê-las porque tu és forte e tens uma arma avassaladora…

“Qual?”

- O teu sorriso, a tua fé, o teu amor aos outros e à vida.

“ E que mais? E que mais? Estou a gostar de te ouvir…”

- O resto, tu vais descobrir nesta aventura maravilhosa que é a vida… como tu dizes!

“ Voltarei a encontrar-te? “

- Claro, sou a tua alma gémea, lembras-te? E ajustar-me-ei a ti como se fossemos uma só pessoa.

“Que bom! Então, nunca estarei só!”

- Não nunca estarás só: nas tuas lágrimas, na tua alegria, nos teus sonhos, nos teus desertos, nas tuas vitórias… eu estarei a teu lado. É só tocares-me…

- Deixo-te um abraço, encontrar-nos-emos em qualquer curva do caminho.

Graça

“Graça?! Alguém me sabe explicar o que aconteceu? É que estou confusa…”

- Blogagem colectiva do aniversário do blog “UM POUCO DE MIM” da minha amiga Elaine Gaspareto.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Almas


- Viram o José? - Perguntava a freira furiosa.
- Não, não. – Respondiam todos meio comprometidos.
- Não me digam que vai faltar a mais um exercício? Já tem não sei quantas faltas… Não sabem mesmo dele? - Insistia a freira.
- Deve estar a filosofar em frente ao rio ou então no cemitério… atreveu-se um a denunciar.
- No cemitério? A fazer o quê? - Questionava a freira espantada.
- Ele diz que é ali que encontra respostas para os seus problemas.
O toque de entrada fez-se ouvir e a conversa ou interrogatório ficou por ali.
O José era finalista do colégio e pouco mais velho que eu. Um toco de gente mas com os olhos enormes onde parecia adormecer o mundo. Sorriam sempre, multiplicando sorrisos na sua boca. Falava pouco mas também não eram precisas palavras. Todo ele era um poema que trazia escrito nos olhos. Isolava-se um pouco e muitos julgavam-no esquisito, fora do normal.
Era inteligente e até bom aluno…quando ia às aulas, claro!
Encontrei-o vezes sem conta no cemitério, quando ia pôr flores ao meu Pai. Passava por mim e não me via. Deambulava por entre as campas, murmurando algo baixinho e, enrolando a alma, aninhava-se junto a uma delas. Admito que não era muito normal. Mas despertava-me a curiosidade. Segui-o algumas vezes, procurando nomes familiares ao seu, nas sepulturas que ele visitava, na tentativa de encontrar alguma ligação.
Um dia, esbarrei-me com ele. Recompus-me de imediato.
-Tens cá algum familiar? - Perguntei para disfarçar o meu embaraço.
- Felizmente não! - Respondeu-me prontamente.
-Então… - Comecei eu.
- Então venho aqui porque todas as resoluções da vida deviam ser pensadas neste local. Saio mais feliz porque concluo que os meus problemas não são nada comparados à finitude da vida… Tudo acaba aqui!
E com esta tirada filosófica virava-me as costas e embrenhava-se mais nas sombras de árvores seculares.

Foggy Winter Graveyard Scene Halloween Images



O José era filho de pais separados, de um divórcio magoado, doloroso. Adorava os pais e era-lhe difícil vê-los numa cidade pequena, como a nossa, um de cada lado da rua e da vida. Esta, a vida, tem outros rumos diferentes dos nossos sonhos e José não entendia como é que um amor pode acabar tão depressa. Precisaria de uma vida inteira para o entender.
O cemitério fechava o seu grande portão de ferro forjado pintado de verde pelas cinco horas da tarde. Em África, como é sabido, escurece cedo. O Capitão, era o nome do guarda do cemitério, tocava várias vezes numa sineta que ficava na parede da pequena capelinha situada quase no meio do mesmo e repetia este gesto várias vezes. Quando ainda se via alguma coisa, ia ele mesmo até ao fundo do muro procurando alguém esquecido. Nesse dia, o José, tinha-se aventurado até às últimas campas, na verdade curiosas com ferro forjado a toda a volta e com um portãozinho, como se tratasse da entrada de um jardim de uma casa. Eram sepulturas holandesas datadas de 1880 a 1890. Deveria a estar a vasculhar tudo como era seu costume e não deu pelo toque da sineta. Já noite dirigiu-se para o velho portão que encontrou fechado. Junto deste, o muro alto era substituído por umas colunas trabalhadas e juntas permitindo apenas a visibilidade de quem passava à frente e pouco mais.
Apenas dois postes de iluminação, um em cada esquina da fachada do cemitério, davam luz, aliás, demasiado fraca para uma extensão ainda grande. O cemitério da SAUDADE (assim se chamava) ficava nos subúrbios da cidade no meio de um majestoso palmar, onde os seus muros muito brancos pareciam raios de luar no meio de tanto verde.
O José não se atrapalhou com a situação. Meteu a cabeça entre as colunas pronto a pedir socorro. Mas, quando quis sair, já não conseguiu. Passava por ali uma mulher indígena com um grande cesto à cabeça, cheio da castanha de caju.
- Eh, metiana (mulher) tira-me daqui!
A mulher largou tudo e começou a correr esbaforida, gritando: “As almas saíram das covas e estão a pedir para as tirarmos de lá!” E, arrancando a capulana (pano) que trazia vestida, desnudava-se com a aflição e continuava berrando como uma louca: “As almas saíram das covas e estão a pedir para as tirarmos de lá!”


Fotos do Álbum do Carlos

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Trata-se de uma passeio a pé (a que não fui) ao antigo campo de aviação.
Em destaque está o Zeca irmão do Joca (que soube pelo teu blog que já faleceu) a Morais mais velha, duas das Salgados Freire e em segundo plano um dos filhos ou sobrinho do Lindolfo Pinto Monteiro.
(Legenda do Carlos Ilharco)

Praia do Zalala: Cristina Gomes Pedro, Lindita Monteiro, ?, Regina Val Costa e (parece-me) Lucinda Canas.

domingo, 13 de setembro de 2009

Espera


Preparas-me um café, por favor? Eu sei que andas ocupado, sei que tens reuniões todas as semanas e as contas para pagar. Sei que não tens tempo para fazeres aquilo que mais gosta e sei que não tens gosto para fazer o que te ocupa mais tempo.

(se calhar estou enganada e é disto mesmo que tu gostas…)

Consola-me saber que ficarás feliz quando me vires cá em casa, já não de roupão e chinelas sem sola, sem os rolos no cabelo e a máscara verde para combater as rugas. Gosto que me vejas arranjada. Antes de chegares, danço em roda de espelhos e roupas, da casa de banho para a cozinha. Ponho cremes viscosos, enganosos, e as cenouras a cozer. Visto uma saia preta, debruada a branco e corro até à cozinha para temperar a carne. Cubro-me com uma camisa branca, cheirosa e engomada e acelero para descascar as batatas. Ponho aquele colar, que me deste no aniversário, que brilha sem contraste e derrapo no corredor para ir pôr a travessa no forno a assar. Preparo a salada, corto o tomate e a cebola e descanso, no quarto, em molho e água-de-colónia, para que, quando chegares, não me vejas de avental, nem saibas que as minhas mãos já cheiraram a alho e cebola picada.

Fazes-me uma festa, tesouro? Sei que não te sobra tempo, sei que tens de assinar papéis e confiscar processos. Sei que devias gostar de estar mais tempo comigo e perguntar como correu o meu dia, enterrada aqui em casa.

(se calhar, estou mesmo enganada e é do trabalho que tu mais precisas…)

Quando chegas, a carne está mais rija que o meu sorriso, a cenoura está mais espapaçada que o meu coração e a salada mais aguada que os meus olhos. As velas que tinha acendido para nós, derreteram e, sinceramente, comer um assado a tiritar de frio é um insulto à cozinheira. Eu entendo, não te culpo, sirvo o jantar, a engolir as lágrimas e as palavras que me acodem, teimosas, à boca, tentando disfarçar a faca que já nem tem forças para cortar a carne e o ter que servir as cenouras com uma colher, para não rolarem para a toalha. Faço-te café, conto-te o telejornal, os resultados do clube a que dizes pertencer e faço-te companhia, no sofá, mostrando-me interessada pela papelada que inunda a sala.

Fazes-me uma massagem, ternura? É que, embora não saibas, tenho os pés doridos, doem-me as costas, os olhos e o coração. É que, embora não saibas, também preciso de atenção. É que, embora desconheças totalmente, faz-me falta ser mãe, só porque trabalhas de mais.

Fazes-me um favor, amor? Para a próxima, elogia o meu cabelo, diz que eu pareço mais nova, admira o decote da minha nova blusa e o debruado da minha saia. Diz o quanto saborosa estava a carne, que tenras estavam as cenouras e saboreia o tempero da salada. Faz-me sentir mais pessoa, amor. Faz-me sentir mais amada. Faz-me sentir que sabes quem eu sou. Faz-me sentir capaz de esquecer todo este teu desinteresse.

Porque senão, querido, arriscas-te a que um dia eu não aguente mais e, ao chegares a casa, não encontres o cheiro do meu perfume, o aroma dos meus assados e o fumo das velas românticas a arder,

(se calhar, estou enganada e, no fundo, não desejo nada disto…)

Por favor, prepara-me um café…

Isabel Pinto Pereira