terça-feira, 31 de maio de 2011

Dia 1 de Junho - Dia Mundial da Criança


SALVEM AS NOSSAS CRIANÇAS!
E PORQUE HÁ CRIANÇAS ASSIM……

“Leucemia!”
Disseram
Meneando a cabeça,
As quatro batas brancas
Nos quatro cantos da cama.
“Leucemia!”
Disseram,
Meneando a cabeça algures,
De olhar perdido na distância.
Ocultavam o embaraço
Das longas mãos esguias
A amarfanhar o fundo
Dos bolsos brancos
E verticais.
Leucemia!
Pobre criança,
Um menino cabo-verdiano
Que só tem como defesa
Os seus olhinhos
Que causam dó,
Negros retintos
E ardentes!


O que é a “leucemia”
-perguntas a cantar
E a rir,
Pobre criança de Cabo Verde,
Meu limão branco,
Meu menino,
Sempre pronto a brincar
As primaveras
E os estios,
Sempre pronto a acreditar
Em todas as histórias.
Leucemia!
A ladra!
Meu pequeno,
É grave, delicado…
Reina o silêncio,
O espanto agita-te as pestanas…
Bates palmas…
“Vou morrer”?
Talvez, talvez…
Para uma criança
Rir
E morrer
São sempre familiares.


E a criança lá ia brincar
Entre as patas da cama.
O corredor era o seu fim do mundo.
E ela contava, a rir,
A uns
E a outros:
“Tenho uma leucemia”!
Palavras mágicas
Qual comboio eléctrico.
“Tenho uma leucemia”
E dizia:
“Vou morrer”!
“Vou morrer”!
Como se dissesse:
“Vou à Escola”!
Certa noite disse:
“Por favor,
Quando é que eu vou morrer”?
Ele próprio fazia as perguntas
E dava as respostas. “Vou morrer amanhã…
Amanhã…
Quando é amanhã?
Falta muito para amanhã?
Se fizeres o favor, amanhã,
Pega-me na mão”…
Respondi-lhe que sim.
Todos disseram o mesmo.


Morreu nessa noite,
Às duas horas e dez da madrugada.
Não estava lá ninguém
Para lhe pegar na mão…

- Jean DEBRUYNNE

A TODOS OS PEQUENOS HERÓIS SILENCIOSOS, AS MINHAS LÁGRIMAS E EMOÇÔES!



domingo, 22 de maio de 2011

Um Cardo...

Acabara de se colocar a uns quinze metros adiante de mim, quando dei por ela. Postara-se em sentido, de costas para a rua, voltada para a praceta mas sem a olhar. Foi a sua atitude rígida e, de certo modo, despropositada, que me chamou a atenção. Continuei a dirigir-me para a praceta, gozando o dia cheio de sol e a paisagem, ao mesmo tempo que a observava de soslaio.
Teria uns 8 anitos espigados ou 12 magrinhos a avaliar pelo perfil em tábua fininha. Das pernas, em palito, destacavam-se uns joelhos feiosos deixados completamente a descoberto pelo vestido, a competir com a mais curta mini-saia. Os braços, muito compridos, arqueavam ligeiramente para diante, em jeito de quem está habituada a carregar fardos – talvez irmãos mais novos – ou a pedir… Já estava quase a chegar ao pé dela. Via-lhe agora as feições escuritas, sem graça, à volta das quais se desalinhava uma coroa de cabelos encarapinhados por uma permanente barata. Mais um passo estaria a passar-lhe à frente…
“ Dê-me uma moedinha” - pediu sem convicção.
Eu não respondi mas abanei a cabeça com o ar convencido de quem está a dar o seu contributo para a mentalização das massas. Para ensinar às gentes que não é com esmolas que se resolvem os problemas sociais. A promoção é que é necessária!
Pareceu entender a mensagem e apreciá-la! Não insistiu e seguiu caminho, cabriolando à minha frente, quase colada a mim. Dir-se-ia que naquela agitação se desforrava do tempo todo que estivera perfilada à minha espera. No entanto, havia em tudo isto algo de insólito que não me convencia. Não fazia sentido que depois daquela longa espera, abandonasse tão alegre e prontamente o campo de batalha, mesmo que em consequência do meu elegante abanar de cabeça. Comecei a admitir que a explicação estaria no meu ar de lutadora.
Mas então, porque é que em vez de se afastar, se pespegara ali aos saltos, em cima de mim?
Perdi a paciência:
-Menina! Olhe que está mesmo em cima de mim… mal posso andar! - Saiu-me num tom meio doce, meio irritado. Estacou, hesitante…
-É por causa dos cães – e apontava um par de lobos de Alsácia de aspecto inofensivo que brincavam em conjunto, espoliando-se na relva. – Tenho medo deles, eles mordem!
Senti-me morrer de vergonha. Vergonha de, enfeitada com todas as minhas teorias de promoção social, continuar a pertencer ao número dos que só entendem do pobre a linguagem de pedir moedas. A quem o pobre só sabe dirigir-se de mão estendida mesmo que mais não queira que dois minutos de companhia.
-Não mordem, não! – E a minha voz dizia mais do que aquelas três palavras, Dizia: “ Não tenhas medo, eu estou aqui. Sabes? Apetecia-me dar-te a mão e fazer-te uma festa… Mas sou talvez, mais tímida do que tu. Desculpa ter sido bruta mas não entendi…”
Desta vez tenho a certeza que me entendeu e descontraiu.
Seguia agora uns quatro passos adiante de mim. Foi nesta formatura que passámos o primeiro dos pilares de um prédio em construção e pude assim observar detalhadamente o meu “pajem”. As meias de lã amarelas estavam puxadas, ou encolhidas, acima do joelho e deixavam por cobrir uma mão-travessa da coxa que o vestido não alcançava. Este era de algodão, aos quadrados amarelos também mas de outro tom e quadrados brancos. Destoava francamente do conjunto um casaquito de malha de cor indefinível - seria talvez rosa noutros tempos – com mangas que os anos e muitas lavagens tinham reduzido a três quartos. Os sapatos só os vi de trás. Reparei que eram pretos e sem calcanhar. Não pareciam estar apertados mas, chinelavam….”Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”… Via-se bem que não estava habituada a aulas de ginástica ou de qualquer outro desporto. Metia as pontas dos pés e os joelhos para dentro, enquanto os braços saídos de uns ombros encurvados, se badalavam adiante do corpo, para um e outro lado, sem qualquer elasticidade.
Tudo fazia dó nela!
Os cães já haviam ficado para trás e o medo dissipara-se. Já perto do segundo pilar começou a afastar-se de mim: tencionava, parecia, atravessar a praceta e mudar de rua.
Vi-a apressar o passo e eu segui caminho a direito um pouco amarfanhada e já com saudades daquela companhia. Olhei ainda uma vez para trás a dizer-lhe adeus com os olhos e foi a última vez que a vi. Tinha trepado um muro e em cima dele, armara-se em estátua abraçada a si mesma.
Sombriamente continuei o meu caminho e descobri que, por entre a flor da madressilva, há hoje um perfume diferente, agreste e raro no meio da paisagem onde, um cardo, modificou para sempre o meu sentido de Amor!




domingo, 15 de maio de 2011

Um Passeio ao Gerês…….. Com Eça!

(Janeiro de 2011)

Era uma manhã deliciosa. Havia um ar transparente e fino; o céu arredondava-se a uma grande altura com o azulado de certas porcelanas velhas e, aqui e alem, uma nuvenzinha algodoada, molemente enrolada, cor de leite; a folhagem tinha um verde lavado, a água do tanque uma cristalinidade fria; pássaros chilreavam de leve com voos rápidos.



E ia desejando habitar ali numa quinta, longe da estrada; teria uma casinha fresca com trepadeiras em roda das janelas, parreiras sobre pilares de pedra, pés de roseiras, ruazinhas amáveis sob árvores entrelaçadas, um tanque debaixo de uma tília, onde de manhã as criadas ensaboariam, bateriam a roupa, palrando. E, ao escurecer, ela e ele, um pouco quebrados das felicidades da sesta, iriam pelos campos, ouvindo calados, sob o céu que se estrela, o coaxar triste das rãs.



Nos cerros remotos, por cima da negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma e na alma espalhava alegria e força. Um esparso tilintar de chocalhos de guizos morria pelas quebradas…Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho. Por trás das sebes, carregadas de amoras, as macieiras estendidas ofereciam as suas maçãs verdes, porque as não tinham maduras. Todos os vidros de uma casa velha, com a sua cruz no topo, refulgiam hospitaleiramente quando nós passámos. Muito tempo um melro nos seguiu, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores.



Junto do muro cresciam rosas de todo o ano; do outro lado, por entre os pilares de pedra que sustentavam a latada e os pés torcidos das cepas, via-se, batido de luz, com tons amarelados, um grande campo de erva: os tectos baixos do curral coberto de colmo destacavam ao longe em escuro e, desse lado, um fumozinho leve e branco perdia-se no ar muito azul.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Por Dentro

“Por dentro das coisas… é que as coisas são”! Esta foi uma frase que nunca esqueci, dita por um homem culto, honesto, íntegro, um verdadeiro humanista e a propósito de uma história verídica que ele julgou e actuou com a sabedoria de Salomão.
Infelizmente todos nós temos a tendência de julgar os outros de ânimo leve, fazendo-os passar por um tribunal onde todos são culpados… menos nós! De um modo geral, são condenados sem apelo nem agravo, pelas aparências, pelo diz que disse ou porque nos apetece sermos os primeiros a lançar as “causas”!
Ela é uma mulher rica, viúva, fresca, vistosa, ainda bonita nos seus cinquenta e tal anos, mostrando a graciosidade de uns trinta e poucos. Nos tempos do marido parecia feia e muito mais velha. Nunca se deram muito bem, havia sempre desentendimentos alguns a que eu assisti. Não é que ele fosse um homem mau, pelo contrário! Mas eram diferentes e essa diferença, em vez de os completar, afastava-os cada vez mais. Ele era um homem de trabalho e justificava os bens que deixara, com a ajuda da mulher que nunca virou a cara ao esforço e à iniciativa. Arregaçara as mangas sempre que fora preciso e ele lhe pedira.
Faltaram-lhe muitas coisas: uma juventude feliz e bem vivida, uma alegria, a que nem sempre pudera dar asas porque parecia mal… E uns sonhos, muitos sonhos, que foram dobrados e arrumados em qualquer arca esquecida no tempo.
Tudo acontecera de repente e, de um dia para outro, ficou com o estatuto de viúva!
Como seria diferente se tivéssemos coragem de rir, de sermos felizes, de sermos reis nem que fosse por um dia ou por alguns anos apenas. A vida nunca nos surpreenderia, nem nós aos outros.
Lamentou a perda do seu companheiro de trabalho e pai dos seus filhos mas havia no seu olhar uma nova aurora a despontar. Não pôs luto mas não é por aí que se podem medir sentimentos. Eu também não o usei e acho ridículo porque a maioria das mulheres se vestem de negro apenas para “dar contas” à sociedade!
Aos poucos, aquela primavera da vida tão sufocada aparecia num doce Outono com pinceladas de alegria e prazer. Fez obras na sua mansão, remodelou as mobílias e modernizou todos os compartimentos. As notícias e primeiras críticas vinham dos empregados que afirmavam que se o marido voltasse à terra e presenciasse tudo aquilo, sucumbiria de novo!
Convidou-me para ver o novo visual da casa e gostei do que vi. Havia mais luz, igual à que eu via nos seus olhos. Afinal, ela fora a colaboradora do tiranete na acumulação da riqueza da qual agora era dona e senhora. Fora uma moura de trabalho em casa e nos negócios. Ajudara a ampliar os haveres do casal, era perspicaz e inteligente e nisso ele dava-lhe ouvidos.
Vendeu ou passou parte dos negócios para ficar mais livre e gozar a vida! Um dia desapareceu dos meus olhares mas, ao passar pela mansão a criada informava-me: está a percorrer a América do Sul!
Certo dia encontrei-a na rua, mais magra e muito morena e com um sorriso de orelha a orelha.
Modernamente vestida, pintada ligeiramente e com um penteado mais sensual.
Combinámos um café! Quando entrou houve um ligeiro sururu. Quem a viu e quem a via.
Trazia uma pulseira no pé onde airosamente brilhava uma pequena tatuagem. Tinha um ar feliz, um ar de quem tinha descoberto o mundo, um ar de quem principiou a viver, um ar de quem ainda pensa que a vida começa amanhã…
Começaram os julgamentos, à revelia claro, e as condenações choviam! Mas nada fez apagar a luz nos seus olhos de criança deslumbrada. Pode parecer patético mas a mim enternece-me aquele Outono florido e inspira-me simpatia.
Quando ela passa murmuram da viúva que tirou o luto dos olhos! Censuram-na pelas suas viagens, censuram-na pelo aparato das suas roupas que dão sempre nas vistas, censuram-na por se rir, censuram-na por aquele maravilhoso desabrochar da sua crisálida de esposa infeliz.
Vai a todos os programas culturais, ao cinema, a chás e jantares. Arrasam-lhe a reputação e ninguém lhe perdoa que seja feliz. Ela sabe que falam dela e para calar “as bocas do mundo” aparece com braçados de rosas vermelhas e diz com um ar que eu julgo ser sincero: “São para a campa do meu marido” E todas as semanas lá vai ela ao cemitério comprar a paz que lhe falta. Tem agora sessenta anos (que não parece), dinheiro, saúde mas limitam-lhe a liberdade.
Às vezes, confidencia-me: “Tenho cá dentro um anseio de viver, de espairecer, de ser feliz mas sei que toda a gente me censura e me fazem pagar tão caro…”
Ao que lhe respondo: “Não ligue, por dentro das coisas é que as coisas são. Deixe de pautar os seus passos pelos que o mundo quer e permite que dê. Seja apenas feliz!”