quinta-feira, 31 de maio de 2012

1 de Junho - Dia Mundial da Criança








Dois Meninos


Meu menino canta, canta 
Uma canção que é ele só que entende 
E que o faz sorrir. 

Meu menino tem nos olhos os mistérios 
Dum mundo que ele vê e que eu não vejo 
Mas de que tenho saudades infinitas. 

As cinco pedrinhas são mundos na mão. 
Formigas que passam, 
Se brinca no chão, 
São seres irreais... 





Meu menino d'olhos verdes como as águas 
Não sabe falar, 
Mas sabe fazer arabescos de sons 
Que têm poesia. 

Meu menino ama os cães, 
Os gatos, as aves e os galos, 
(São Francisco de Assis 
Em menino pequeno) 
E fica horas sem fim, 
Enlevado, a olhá-los. 

E ao vê-lo brincar, no chão sentadinho, 
Eu tenho saudades, saudades, saudades 
Dum outro menino... 




- Francisco Bugalho, in "Canções de Entre Céu e Terra"


domingo, 20 de maio de 2012

A Menina Que Queria Escrever Um Livro




Deslumbrada, a menina descobriu que aqueles sinais pequeninos se chamavam letras e que, juntando-as, construía um batalhão de palavras sem fim! Seria assim que as pessoas grandes escreviam histórias para os meninos lerem?




Um dia, o pai trouxe-lhe um livro com fadas e florestas encantadas, muito colorido, em forma de castelo! Abriu a porta com cuidado e… lá estavam elas as pequeninas letras ainda misteriosas mas prontas a serem decifradas por quem deveras quisesse! E a menina queria!
Olhou as imagens devagarinho como quem chupa um rebuçado e reparou que havia palavras que se repetiam em todas as páginas, iguaizinhas, prontas a serem acordadas para construírem a história. Repetiu aquele desfolhar do livro, dias a fio!
Um dia, pela noitinha, disse aos pais: já sei ler!
- Como? – Perguntaram os pais admirados.
A menina foi buscar o livro mágico, poisou-o no seu colo e abrindo-o, leu devagar:
- Era uma vez… - E a sua vozita enchia de magia a pequena sala. Os pais encantados admiravam o jeito que a filha tinha, pronunciando cada palavra como se a acariciasse.
A menina fechou o livro devagar, muito devagar.
- Acabou? – Perguntaram de novo os pais.
- Não, continua aqui… - E com a mãozita apontava a cabeça.
- Aí? E porquê?
- Porque eu quero escrever um livro!
- Um livro? E de quê?
- De tudo… para os meninos e para as pessoas crescidas!
Os pais entenderam que seria mais do que um livro, era aquela vontade que a pequenita tinha de conhecer o mundo que levava a sua fantasia até horizontes inacessíveis, embalada em ilusões talvez enganadoras.
Mas não eram sonhos passageiros. 
A menina começou a contar histórias aos seus amigos que, fazendo uma roda à sua volta, ficavam boquiabertos ao ouvi-la. Na pequena praceta de areia solta que haviam adoptado como sua, as crianças brincavam sem medo. A menina era líder.





Descalços, jogando ao berlinde, sacolas atiradas para o chão, mãos sujas de tanto empurrar as bolinhas de muitas cores e as orelhas moucas ao chamamento das mães. “Meninos, venham lanchar”. E o chamamento esmorecia de cansaço.
Já os candeeiros da rua se acendiam e eles ainda escutavam a voz da menina contando histórias sem parar.
-Conta mais, conta mais!
E só voltavam a casa quando da varandinha da frente, surgia a padeira, uma mulher alta, corpulenta com um enorme vozeirão e que com as mãos na cintura, gritava:
- Anda Maria, vem jantar imediatamente. Os teus colegas não têm casa?
Todos tinham medo da padeira mas ela conseguia aquilo que as mães vinham tentando há horas: tirar os filhos da rua.
A menina voltava para casa a pensar em novas histórias para o dia seguinte e quando as não podia contar passou a escrevê-las e não havia papel que lhe chegasse.
A menina cresceu e os pequenos sinais, tão familiares, deixaram de ser misteriosos e descobriu então, como com todos eles podia dizer tudo o que quisesse. Encheu páginas de diários onde escrevia os seus sonhos infantis e, mais tarde, os de adolescente!





Daí passou para os jornais e para as revistas mais conhecidas… Fez reportagens, entrevistas, escreveu crónicas e até teve direito a uma Coluna Editorial no periódico mais conhecido.
Mas havia sinais que ela queria outro caminho… Amadurecera e começara a separar de forma mais nítida e concisa as metas e os projectos. Foi recolhendo e observando tudo o que a cercava. Ouvia dizer muitas vezes: Gosto do que escreves! Mas não lhe bastavam os elogios.
Sabia que queria ir mais longe, muito mais longe…
Queria escrever um livro onde contasse todos os tesouros que trazia dentro de si. Podia passar muito tempo até o conseguir fazer mas pensava que, afinal, as verdades nunca mudam de pele. 
Mas o tempo encarrega-se, não raras vezes, de mudar o cenário e, um dia, num rumor baixinho que foi subindo de volume, ouviu dizer que aquela já não era a sua terra. Como não era a sua terra? Não nascera e vivera sempre ali? Foi difícil aceitar a ideia e teve de a amassar permanentemente como se faz ao pão. Enrolou os sonhos e a alma e partiu para o outro lado do mundo com os pássaros que nunca aprenderam a voar. Fechou portas e janelas e guardou na profundeza de um lago adormecido, tudo o que trouxera consigo. 
O tempo passou com a promessa de outros novos tempos. 
Mas a vida contrariou tudo aquilo que a menina sonhara e no ancoradouro da mesma, recebeu nos seus braços a perda dos seus grandes amores. Dizem que em todas as lágrimas há sempre uma esperança e a menina acreditou que seria assim. Mas a contabilidade dos dias é difícil de se fazer e a imaginação atraiçoa qualquer sonho que se possa ter.





Um dia olhou-se atentamente naquele espelho por onde passava todos os dias sem se ver e descobriu que havia rugas que, em tempos, não tinham estado ali. Quanto tempo tinha passado embrulhando as horas e os meses, perdendo a noção da dimensão do seu caminho?
Que fizera dos seus sonhos?
Alguém sugeriu à menina que criasse um blogue em substituição do livro que ainda queria escrever. Seria a maneira mais segura de agarrar o passado. A massa era a mesma: havia leitores, comentários e não se pagava à Editora... Mas descobriu que não era a mesma coisa, tinha perdido terreno e a frustração era agora uma presença constante e amarga.
Começou então um diálogo entre a persistência e a validade da frase que um dia, em pequenita, dissera aos pais: quero escrever um livro! Resignação? Ficar pelas imitações? Até estas têm um preço. Precisava de coragem, aquela que faz mover o mundo e oferece asas aos sonhos. Olhou o caminho andado… tanto! Olhou o caminho que lhe restava… pouco!
Ainda iria a tempo? Não queria mais a sua alma naufragada nos rochedos da dúvida.
A menina pensou, agarrou nos pingos que lhe sobravam de entusiasmo e, numa noite quente a lembrar a sua terra, olhou o céu e viu duas estrelas muito juntinhas com uma luz muito brilhante e sem querer, como algo que subia do mais fundo do seu coração, disse:
- Eu vou escrever um livro!

- Graça Pereira


Queridos Amigos,
Vou estar ausente ou, pelo menos, não tão presente neste espaço. Vou escrever um livro ou antes… acabá-lo e preciso de tempo. Uma coisa vos confesso desde já: não sei se o editarei mas tenho a certeza que o vou escrever. Como diz uma amiga minha: o resto… logo se verá!

Um beijo a cada um.



sexta-feira, 11 de maio de 2012

O Regresso do Soldado



Patrick olhava a avenida, que tanto lhe dizia de diversas formas, através da janela do táxi. Entretanto, mentalmente, percorria os cinco anos desde que chegara ao Vietname em 1970, incorporado num grupo de tropas, talvez o mais numeroso que viera dos Estados Unidos. Era, então, um jovem de vinte anos, repleto de ilusões e de sonhos que a guerra desmoronara na sua vida e na dos pais. Era filho único e lembrava-se como fora duro deixá-los. As lágrimas embaciaram-lhe os olhos e retesara os músculos para se fazer de forte. Moravam numa rua tranquila parecida com a avenida que agora percorria. Deitara um último olhar ao pequeno jardim que a mãe cuidava com tanto cuidado e amor e à varanda, onde passara noites a dedilhar a sua guitarra, enquanto o pai, professor de uma escola primária, fumava o seu cachimbo deliciado. Tantas recordações lhe dilaceravam o coração mas eram, afinal, a sua riqueza, onde ia buscar forças para continuar a viver. 



Quando em 1959 rebentara o conflito armado no Sudoeste asiático era uma criança e nunca pensara que, um dia, faria parte daquele teatro de guerra. O pai, como bom professor que era, ia-lhe explicando o que se passava no Vietname. Patrick não lhe ligava muito, era lá com os asiáticos! Mas, quando em 1965 os Estados Unidos começaram a enviar tropas para sustentar o governo do Vietname do Sul incapaz de debelar o movimento nacionalista e comunista que insurgia com a participação da FNL, Patrick começou a pensar que, de facto, os americanos desempenhariam um papel importante em toda esta acção. E o velho orgulho de ser americano, capaz de enfrentar qualquer conflito, veio ao de cima. Não podia excluir-se dele.
Fora criado num amor à pátria e ao dever de um modo inquestionável. Quando partiu para a guerra sentia-se muito mais forte e sabia que voltaria ainda mais americano.
- Chegamos! Quer que o ajude? – Perguntou-lhe o motorista.
- Não, não é preciso! Já estou habituado, obrigado. – O motorista pensou se alguma vez se habituaria a tal situação e teve pena do jovem.
- Espere aqui por mim, por favor. – Disse, enquanto se dirigia para a pequena estação dos correios. Era preciso avisar os pais do seu regresso. Depois de uma longa ausência não lhes podia bater à porta sem um prévio anúncio. Lembrava-se de um longo período em que estivera sem poder dar notícias e a mãe tivera que ser hospitalizada.
A pequena sala estava cheia, na sua maioria eram soldados que deveriam querer fazer o mesmo que ele. Deram-lhe um lugar enquanto esperava pela sua vez. Entretanto, ia imaginando o seu regresso. O seu quarto ainda teria as mesmas cortinas floridas de que tanto gostava? E a sua secretária, onde escondera alguns segredos de amor, estaria no mesmo sítio voltada para a janela onde recebia toda a luz do dia? O pai teria de ir a S. Francisco buscá-lo. Não era longe, talvez uma hora de caminho.
Chegou a sua vez. Quando pegou no telefone as mãos tremiam-lhe.
- Mãe? – E as lágrimas rolavam já pelas faces do soldado valente.
- Meu filho, que saudades. Quando regressas?
- É por causa da minha Ida que eu estou a telefonar-vos… - E já ouvia a voz do pai. - É o Patrick? Meu filho, quando te vou buscar? – Perguntava ele.

- Mãe, pai, em breve regressarei a casa, estou ansioso por vos abraçar e sinto a vossa alegria que é igual à minha. Mas queria também pedir-vos um grande favor.
- O que quiseres, meu filho! Estás à vontade.
- Sabem, eu tenho um amigo que gostaria muito de levar comigo… amizades de guerra.
- Trá-lo filho, se é teu amigo, teremos muito gosto em recebê-lo na nossa casa.
- Mas há uma coisa que vos quero dizer: o meu amigo ficou terrivelmente ferido numa emboscada. Pisou uma mina e perdeu um braço e uma perna e o trágico é que ele não tem pais e nem para onde ir. Por isso e porque gosto muito dele, queria pedir-vos que ele ficasse a morar connosco…
- Filho, sentimos muito o que estás a dizer mas sabes que só temos um quarto e não temos condições para acolher um deficiente. Estamos velhos e cansados e com a vida organizada com uma certa rotina… Podemos ajudá-lo encontrando uma instituição onde ele possa ser bem tratado.
- Não pai, o que eu quero mesmo é que ele fique a viver connosco.
Meu filho, não sabes o que nos estás a pedir… Ele irá encontrar a sua própria maneira de viver. Vem tu e esquece esse rapaz.
Naquele momento Patrick desligou o telefone e encaminhou-se para o táxi. Teve então liberdade de chorar plenamente. O motorista perguntou-lhe:
- Sente-se mal? – Negou com a cabeça.
Passaram-se alguns dias e os pais de Patrick receberam uma estranha chamada da polícia de S. Francisco na Califórnia, informando-os que seu filho regressado do Vietname tinha morrido.
- Mas como se ainda há dias falamos com ele?
- Peço-vos que venham identificar o corpo porque ele caiu de um prédio e tudo indica que foi suicídio!
Angustiados, com o coração apertado partiram para S. Francisco, na esperança que houvesse algum engano. As autoridades levaram-nos para a morgue para fazerem a identificação do corpo e nem queriam acreditar no que viam… Era realmente o seu filho mas… só tinha um braço e uma perna.




- Adaptação de Graça Pereira de uma história verídica.



domingo, 6 de maio de 2012

Dia da Mãe






O portento de uma memória sem fim 
no retorno da saudade luminosa, 
perdida entre o conto e a magia, 
entre o hoje, o amanhã e o para sempre.
Simplesmente, a realidade de uma, 
uma simples palavra, desejo, vontade, amor, 
entre anjos, glória e dor. 
Olhos perdidos no firmamento, 
buscando estrelas do passado, 
cometas do presente, 
razões para encolher o sofrimento que 
sempre e a cada momento, 
fugaz, distante, 
parece crescer no pensamento, teu.
Mas são as estrelas cadentes que buscas a cada dia, 
escondida na miséria enobrecida 
de um sonho em que os olhos se fecham 
e a mente se abre para a verdadeira razão de ser.
Cantiga de amor trauteias; 
vives e fascinas; 
e, acordando, suavemente, 
traz teu corpo e alma para a luz, 
para a verdade.
Entretanha-te a noção rara e real de que o mundo te foge... 
deixa-o fugir!
Aqueles que te magoam não te interessam; 
os que interessam, 
mantém-nos perdidamente enamorados por tudo aquilo que és 
e não pela ilusão de uma miragem que, 
constantemente, 
se distancia e causa dor, fere a sorte, fere a paz.
Deita-te, dorme, 
e levada pelas asas do sono percorre a magia 
que se esconde daqueles que, acordados, nada sabem, 
perdidos na ignorância em que cabem…
E vê nesse sonho verdadeiro que és mulher sendo somente, 
és amiga eternamente, 
és paz de forma diferente, 
és inimiga ausente, 
és pátria, és família e religião também, 
és magia negra luminosa… és mãe!

- Nuno Machado