sábado, 24 de julho de 2010

A Lenda do Leque

Estamos no pino do Verão e as temperaturas elevadas vão-nos derretendo… embora Portugal continue a ser um jardim à beira mar plantado… pelo menos no que concerne a clima ameno… se atendermos aos 40/43º que se fizeram sentir na Rússia e um pouco menos … pela Itália!
Pessoalmente estou feliz pois estes dias fazem-me lembrar o longínquo tempo do meu Chuabo! Já não tenho o redondo da minha varanda, nem os Bons Sinais à minha disposição para me refrescar… mas tenho o meu jardim e o quintal onde há um pessegueiro enorme carregado de frutos que, á noite, perfuma a brisa que passa por ali… e na minha mesa de cabeceira, há um velho leque feito de folhas de palmeira que os mufanitas vendiam pelas ruas de Quelimane… a troco de uma quinhenta!! Este, tem quase a minha idade e acreditem que, quando me abano com ele, sinto o murmurar das velhas palmeiras e as doces recordações de um tempo que não volta… a não ser na minha memória!


Pois o meu leque, fez-me lembrar uma velha lenda.
Há muitos séculos na China, existia uma donzela de formosura rara: Kan-SI, filha querida de um poderoso mandarim. Era a época de calor e era noite de festa no palácio do mandarim.
A linda Kan-Si assistia à festa dos Crisântemos – ou das tochas, no dizer de alguns contistas.
A lei proibia que a filha de um mandarim mostrasse em público o rosto, de forma que as lindas feições de Kan-Si estavam ocultas por uma máscara.
O calor e a máscara sufocavam a pobre chinesinha que, não podendo mais, resolveu tirar o incómodo objecto… Mas como fazê-lo sem infringir a lei? Sem que o âmbar da sua pele cetinosa e o sorriso dos seus lábios de coral, ficasse exposto aos olhares indiscretos?
Uma ideia súbita fez sorrir a sua boca vermelha e … desprendendo a máscara mas segurando-a junto ao rosto pôs-se a agitá-la rapidamente…
As faces coradas iam refrescando e o movimento rápido envolvia-lhe o rosto encantador numa espécie de véu que o encobria de olhares profanos.
As outras senhoras das famílias dos mandarins, acharam a ideia excelente e, dentro de pouco tempo, dez mil mãos agitavam as suas máscaras…


E assim, segundo a lenda, nessa noite de festa, quente e perfumada, entre luzes e crisântemos, as mãos delicadas de uma linda rapariga criaram o leque, a mais poderosa arma que tem servido à garridice feminina… ainda hoje… mesmo que o leque seja apenas o programa de um concerto!

Graça

domingo, 18 de julho de 2010

Regresso



A areia escaldava queimando -me os pés… o pó acolhia-se nos meus olhos e a secura chegara ao meu coração!
Quanto tempo teria de caminhar? Curiosamente não havia pegadas e ninguém daria pelas minhas marcas…Só pó, areia fina que escorria pelos dedos sem deixar emoções… Afinal, eu escolhera o deserto para me encontrar e vestir-me de silêncio para me ouvir…Caminharia mesmo sozinha? Não via viva alma e o sol escondia-se por detrás das grandes dunas. Em breve cairia a noite e a temperatura baixava vertiginosamente…o vento frio trespassava-me a pele… Num movimento instintivo apressei-me a enrolar a alma para que não ficasse crestada pelo sopro do gelo. Aproveitando o calor do dia, enterrava-me na areia quente… olhei o céu e o segredo das distâncias daqueles milhares de pontinhos a que chamamos estrelas.
Lembrei-me de Saint –Exupéry no seu livro “ O Principezinho”… “É bem mais difícil julgarmo-nos a nós próprios do que aos outros”. Deixar-me-ia guiar pelas estrelas? Olhei-as devagar…
“Se calhar, as estrelas só estão iluminadas para que, um dia, cada um de nós possa encontrar a sua”. Iria encontrar a minha? E a minha fé? Aquela que me fazia subir dunas e mais dunas de areia? A fé não move montanhas mas ajuda a subi-las!


A grandeza de uma noite no deserto é…indescritível! Momento grandioso e belo. Em que, perdida de mim, esquecida da escuridão, só tive olhos para o espaço infinito… Eu, que passo agora tantos dias com os olhos presos ao chão, fiquei grata à minha debilidade que me obrigou a olhar o céu!
Compreendo agora porque o Senhor um dia escolheu o deserto para orar… era preciso percorrer um árduo caminho, sofrer os cardos da incompreensão a rasgar o espírito para depois seguir em frente. Infelizes daqueles que não sabem parar…Encontrarão alguma vez o seu caminho verdadeiro?
Há opções na vida e eu há muito tinha escolhido a minha… mas veio a cizânia cobrir tudo com dúvidas e tristeza… Recordei a voz de um amigo Jesuíta:” Não te demitas… és exemplo para muitos”. E eu? Não penso em mim? “Alguém já pensou em ti, há muito tempo”.
Sei que, sobre os meus passos, hão-de caminhar outros homens. Almas inquietas à procura de tantas respostas… Quero que nos meus sulcos, fiquem pegadas de amor para que outros possam caminhar com firmeza sem caírem no lodaçal do desespero e da solidão.
“ Tens andado alegre e feliz? Deus criou-te para a felicidade”. Meu Deus, como tenho esquecido os grandes profetas da minha vida?
No amanhecer de um novo dia, em tons de lilás por cima das dunas…vislumbrei muito ao longe dois pontinhos… Que seria aquilo? A falsa óptica tão falada dos desertos? O céu luminoso dava-me coragem para caminhar mais um pouco. À medida que avançava, descobria mais pontinhos…Estuguei o passo e descobri que não estava sozinha. Mais gente caminhava no mesmo sentido. Que procurariam? O mesmo que eu?
Quase perto, gritaram-me:
-Deixa-nos ser teus companheiros na estrada que trilhas mesmo sem sabermos ao certo qual o destino onde ela nos conduz.
Não, não queria fazer sentidos proibidos… Estendi as mãos!
-Vim como vós, para reflectir.
“O que embeleza o deserto, diz o principezinho, é que ele esconde um poço em qualquer lugar…” (Saint-Exupéry)
-Vamos juntos encontrar esse poço? Há quem pense que os desertos humanos são feitos de terrenos improdutivos… Como se enganam! Levaremos água fresca àqueles que têm sede e que não sabem como procurá-la…àqueles que não sabem perder para aprenderem a ganhar…aos que nunca se enganam…aos que nunca têm dúvidas…aos que pensam que podem ser felizes sozinhos… Quando nos perguntarem: Quem sois vós? Diremos:
-Somos aqueles que passaram pelo deserto!

Graça


terça-feira, 6 de julho de 2010

Desencanto


Por vezes, assalta -me o desencanto!
A esperança que me animava esfarrapa-se entre os espinhos do caminho… Quereria continuar a acreditar que o dia hoje poderia ter sido melhor que o de ontem… Mas encontro alguma secura no meu coração! Onde foi que perdi a poesia e a ternura pelas manhãs cheias de azul?
Sei que desde sempre sou peregrina mas era muito mais fácil quando o caminho se fazia com companheiros. Sinto a tentação de esquecer esta condição e abandonar as sandálias e o burel.
Precisava de chorar… mas não há oásis no deserto onde entrei. Uma chuva de lágrimas lavar-me-ia o olhar e talvez vislumbrasse o sol do futuro que olho com desconfiança.
Terá chegado até mim a famigerada crise de que tanto se fala? Ou será apenas uma nuvem demasiado carregada e escura que me rouba a serenidade?
Vejo os valores morais em que acreditava a ruírem um a um com demasiado estrondo. E não me chega pela televisão e pelos jornais toda esta derrocada. Está demasiado perto!
Sinto a falta de generosidade, de compreensão, da companhia não só da palavra mas também da presença! Analiso a minha vida (ultimamente muito…) e sinto que dei muito! Amei a vida, amei os outros e só depois, pensei em mim! Não me arrependo! Mas talvez a andorinha que eu fui tenha quebrado uma asa em qualquer lugar da minha longa travessia…


Há um cansaço que eu não posso esconder… não sou tão valente como supunha!
Porquê ter medo das nossas fraquezas e dizermos aos outros que às vezes também duvidamos do sentido da nossa caminhada? Sou mais afoita ou fui num outro tempo que se afasta cada vez mais de mim?
Portas fechadas, estradas em curva, inversões de marcha, recuos… talvez me tenham azedado!
Mas como? Se eu tinha sempre na manga novos sonhos para erguer quando os outros ruíssem de vez? Terei esgotado toda a minha magia?
É urgente que eu encontre gente feita do mesmo barro que eu, sulcada pelo mesmo arado que nos gastou e gerou, que venha de duras invernias e de sóis que não puderam aquecer o seu desencanto…
Pedra caída… mas ainda assim caminheira! Esperarei que nestas rotas infindáveis, haja homens que na brisa que passa… deixem ficar o fresco lenitivo duma serena palavra de ânimo.
Chegar ao fim… é já um renovar de fé!



Preciso de uma PAUSA… para reencontrar o sabor dos dias!
Esboçar futuros em rascunhos… que agora andam na inquietação das perguntas!
Parar… para pensar sem pressas… Talvez o cansaço, o stress, a vontade de desistir… sejam apenas sinais de recomeçar com mais força… Há mistérios nas coisas que não entendemos e enchemo-nos de “porquês” e “como” desnecessariamente… Vou crescer com a impaciência… paciente das flores… Ao ritmo das pulsações! Há uma honestidade e lealdade para com os outros… e, neste momento, não me apetece nada! Mesmo nada!
Falta-me o oxigénio para as palavras e estar aqui, sem elas, não faz sentido!
Vou à procura das raízes dos meus sonhos… na solenidade de cada instante vivido à distância… que nunca se esgota!
Cabem muitos caminhos dentro da nossa vida sempre breve mas, em todos há mensagens!
Sei que não me esquecerão… como eu não esqueço cada uma das vossas visitas… aliás, a porta da palhota, está apenas no trinco! Há mangas madurinhas e frescas que chegaram de Coalane, há pouco, num imenso “tarrago”… Castanha de caju tão apetitosa para acompanhar uma água de coco… para matar a sede… Talvez nos confundamos aqui com imensas palavras e com a saudade que forra as paredes da palhota e talvez voltemos todos ao princípio de nós e atrever-nos-emos a ser verdadeiramente nós… acreditando que a amizade pode ser assim… quase perfeita…
Vemo-nos… um dia destes! Beijos!

Graça



quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Casa



Fica do outro lado do mundo e do tempo também. Rodeada de buganvílias vermelhas que já não existem e debruçada sobre velhas acácias que mal floriam nos diziam que estava próximo o Natal. Chamavam-lhe o “navio” por causa da configuração redonda da sua varanda. Nela vivi quase uma vida. Continua a ser para mim “a Casa”! Posso ter esquecido algumas lembranças mas, da Casa, jamais. Elas persistem como correntes de afecto que me recordam cada cantinho com a sua história, ora entrançada em gargalhadas, ora mergulhada em lágrimas de tantas despedidas. Há cheiros fortes a lembrar doçura e rumores suaves da brisa vinda do rio que dançavam no canto da nossa varanda nas noites mais quentes do ano. Do jardim chega-nos o aroma quase sensual da “rainha da noite”, principalmente quando beijada pelo luar. A minha varanda é como o cais de muitas chegadas e partidas. Ali venho saudar quem passa e quem chega. Ali venho dizer adeus com sorrisos molhados a amigos que nunca mais voltei a ver. A Casa guarda segredos e tesouros de conversas sem fim. Oiço o ruído alegre da festa dos meus quinze anos, o meu desabrochar para o mundo dos adultos. A experiência do primeiro batom e os centímetros a mais dos primeiros sapatos de salto alto. Há um tropel de sonhos novos, desconhecidos, dentro do meu peito. Mas há também uma tristeza de ter crescido num sentimento de quem ainda está fora do compasso. Talvez as cortinas do meu quarto em shantung lavrado, com imagens de fadas e duendes, já não fiquem bem…
Lembro também a angústia daquelas noites apertando-me o coração, olhando com desconfiança as manhãs que tardavam em chegar. E o médico a dizer-me: “prepare-se e ajude a sua mãe. O seu pai tem pouco tempo de vida”. Era o meu primeiro contacto com a morte. Pensara sempre que seriam necessárias muitas delongas para ela chegar. Puro engano! É muito mas mesmo muito mais simples. Ao lado festejava-se o Reveillon no Sporting e eu espantava-me como é que alguém teria vontade de rir e dançar. Entenderia mais tarde que o mundo gira a várias velocidades e nem sempre com a mesma justiça. É assim que nós crescemos e avançamos na vida. O coração da Casa continua a bater dentro do meu peito. E sou outra vez criança e faço o meu presépio e não esqueço a cartinha ao Menino Jesus. E sou outra vez adolescente e tenho os meus cadernos cheios de pequenos corações. E já sou mulher e espero uma aliança de ouro na minha mão ao som da marcha nupcial.
A Casa será sempre “a minha Casa” e ponto final!