Porque a mão da esperança os não levanta
E pelo chão caídos e pisados,
Apesar disso, canta!
Canta a tua cantiga singular
Nos tons mais joviais e mais erguidos,
Até que um dia Deus faça cantar
Os teus sonhos pisados e caídos.
Se o trigo que lançaste à terra dura
À custa do suor que te quebranta
Na terra achou apenas sepultura,
Apesar disso, canta!
Canta num esforço de alma ou muscular,
Muito embora te chore o coração,
Até que um dia Deus faça cantar
Tuas espigas túmidas de pão.
Se tiveres no peito negro e frio
Um mal que de hora a hora se agiganta.
Deixa correr as lágrimas a fio
Canta sempre mais forte e sem cansar,
Que neste mundo não há voz que baste,
Até que um dia Deus faça cantar
As lágrimas que em fio tu choraste.
Se em tuas mãos serenas, sem pecado,
Mãos esmoleres de rainha Santa,
Só existir a cinza do passado,
Apesar disso, canta!
Canta com voz igual à voz do mar
Num ritmo sem compasso, mal seguro,
Até que um dia Deus faça cantar
As tuas mãos pejadas de futuro.
Canta canções de guerra ou de acalanto
Sem recear enfado nem castigo.
Canta com fé, com risos ou com pranto,
Que, ouvindo a insistência do teu canto
Um dia o próprio Deus canta contigo!
In “Para além da Vida”
