Na varanda do quarto do hotel, Gabriel ouvia os ruídos da noite. Fechou os olhos e os sons materializaram-se na sua memória, transportando-o à infância.
Eram iguais. Incrivelmente iguais. O dialecto falado pelos negros que passavam sem pressa, o vento das folhas das palmeiras, mas tão diferentes dos ruídos de Lisboa ou doutra capital europeia.
Cada cidade, pensou, cada lugar, tem um ruído de fundo específico, como uma música que lhe pertença e seja tocada, interminavelmente, ficando ligada às coisas, às pessoas, às árvores.
Aquele era o som de fundo que ouvira durante toda a sua infância e juventude... Depois, partira para Lisboa, onde passara o resto da sua vida E aí, o ruído era outro.
Eram iguais. Incrivelmente iguais. O dialecto falado pelos negros que passavam sem pressa, o vento das folhas das palmeiras, mas tão diferentes dos ruídos de Lisboa ou doutra capital europeia.
Cada cidade, pensou, cada lugar, tem um ruído de fundo específico, como uma música que lhe pertença e seja tocada, interminavelmente, ficando ligada às coisas, às pessoas, às árvores.
Aquele era o som de fundo que ouvira durante toda a sua infância e juventude... Depois, partira para Lisboa, onde passara o resto da sua vida E aí, o ruído era outro.
Ainda estava para saber o que lhe passara pela cabeça para se meter naquele avião, em Maputo, e ir ao Norte de Moçambique, em visita ao lugar onde crescera. Não era do tipo saudosista e sabia que essa visita iria, inexoravelmente, prejudicar a suas memórias ciosamente guardadas. Tal como uma fotografia tirada acidentalmente sobre outra, por não se haver rolado o rolo fotográfico. Com a desvantagem da última, mais nítida, anular a primeira, aquela que já fazia parte integrante do passado.
Não devia ter vindo pois aquele lugar já não lhe pertencia As coisas escapavam-se-lhe quando tentava encontrá-las, adquiriam novas formas, novas maneiras de ser e de estar, que nada tinham a ver com o que queria que fossem.
Excepto os sons. Esses eram os mesmos. Excepto a noite quente, excepto os cheiros familiares.
Será que o ouvido e o olfacto são tão importantes como a vista na recolha das memórias? Na varanda do Hotel, sentiu uma imensa angústia invadi-lo. Como a que se sente perante um amor perdido e que não se queria perder. Como a que se experimenta no reencontro de um amigo íntimo de infância, que entretanto envelheceu e nos olha com olhos curiosos e distantes.
Não devia ter vindo pois aquele lugar já não lhe pertencia As coisas escapavam-se-lhe quando tentava encontrá-las, adquiriam novas formas, novas maneiras de ser e de estar, que nada tinham a ver com o que queria que fossem.
Excepto os sons. Esses eram os mesmos. Excepto a noite quente, excepto os cheiros familiares.
Será que o ouvido e o olfacto são tão importantes como a vista na recolha das memórias? Na varanda do Hotel, sentiu uma imensa angústia invadi-lo. Como a que se sente perante um amor perdido e que não se queria perder. Como a que se experimenta no reencontro de um amigo íntimo de infância, que entretanto envelheceu e nos olha com olhos curiosos e distantes.
Sentiu o suor da noite quente, desceu e foi para a rua. Dirigiu-se, uma vez
mais, para a casa onde crescera, tentando que ela lhe falasse e o
acolhesse. Ali estava ela, decrépita, abandonado o jardim e as árvores,
sem passado, nem futuro, simplesmente morta. Como casa que foi casa mas
que já o não é. Aliás, reflectiu, como casa sem lugar aqui, tão
desajustada como eu, vagamente europeia e totalmente rejeitada.
Em frente, no terreno vazio, tinha aparecido um bar e restaurante que não existia no passado. Esse sim, perfeitamente adaptado aos novos tempos, coberto com folhas de palmeira e com algumas mesas espalhadas por baixo da grande mangueira. Pelo menos serviam caranguejos e camarão, sempre bons como dantes.
Entrou e procurou alguém. Levou tempo a ver o velho sentado no canto, com a garrafa de cerveja na mão, que o olhava com olhos curiosos. Pediu os caranguejos e a cerveja e voltou a olhar para o velho.
Em frente, no terreno vazio, tinha aparecido um bar e restaurante que não existia no passado. Esse sim, perfeitamente adaptado aos novos tempos, coberto com folhas de palmeira e com algumas mesas espalhadas por baixo da grande mangueira. Pelo menos serviam caranguejos e camarão, sempre bons como dantes.
Entrou e procurou alguém. Levou tempo a ver o velho sentado no canto, com a garrafa de cerveja na mão, que o olhava com olhos curiosos. Pediu os caranguejos e a cerveja e voltou a olhar para o velho.
Os olhos curiosos não o largavam e pareceu-lhe vislumbrar uma espécie de sorriso
- Sabes quem eu sou?
- Sei, disse o velho lentamente, és o filho do senhor inspector e vieste ver a tua casa.
- Mas já não é a minha casa- disse Gabriel. Foi aí que o sorriso se abriu
- Para ti é sempre a tua casa, senão, não tinhas vindo.
Esquecida a cidade, Gabriel reencontrava o seu lugar, a sua infância, as suas memórias. Começavam naquela casa, prolongavam-se no terreno vazio e terminavam no sorriso daquele velho.
- Vamos comer caranguejos, disse. Já passou tempo demais.
- Sabes quem eu sou?
- Sei, disse o velho lentamente, és o filho do senhor inspector e vieste ver a tua casa.
- Mas já não é a minha casa- disse Gabriel. Foi aí que o sorriso se abriu
- Para ti é sempre a tua casa, senão, não tinhas vindo.
Esquecida a cidade, Gabriel reencontrava o seu lugar, a sua infância, as suas memórias. Começavam naquela casa, prolongavam-se no terreno vazio e terminavam no sorriso daquele velho.
- Vamos comer caranguejos, disse. Já passou tempo demais.
- José Alves Pereira in "Poemas & Retratos"
"Nunca se deve regressar aos sítios onde fomos muito felizes"
- Graça Machado in "Feitiços"
Concordo com o que diz a Graça Machado.
ResponderEliminarMomentos mágicos são únicos.
Um beijo.
Texto interessante! Gostei de ler
ResponderEliminarBeijos
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Olá Graça bom dia:
ResponderEliminar2015 e a vida continua numa rotina de quase mais do mesmo que só é diferente quando o nosso ego se move para outros locais, outras pessoas, outros costumes etc., pois a pasmaceira em que muito do tempo nos encontramos envolvidos nos leva a andar quase como moribundos dentro do nosso íntimo.
Este post quando indica:
em Maputo, e ir ao Norte de Moçambique, em visita ao lugar onde crescera.
fez-me recordar lugares por onde passei e vivi lá bons tempos que, apesar de serem difíceis jamáis poderão ser esquecidos de minha memória porque a saudade é isso mesmo, uma vida de um tempo onde tudo era diferente com gentes de outras culturas e outros corações bem diferentes daqueles que por cá existem.
O cheiro da terra onde o sol nos contempla de uma forma radiante, as chuvas por vezes torrenciais, os ventos que sopram no rosto comtemplando-o com sua brisa maravilhosa e as noites belas estreladas numa beleza rara, é tudo aquilo que a memória muita vez me trás como se ainda lá esteja numa radiante felicidade.
África é assim e, quem a sentiu como eu a senti, nunca poderá esquecer tudo aquilo que por lá existiu e existe porque, faz parte de um paraíso na terra.
Um post que é como regressar ao passado de uma paixão sem fim.
No final e por baixo deste belo manjar que por lá era muito usual, estas frases (Nunca se deve regressar aos sítios onde fomos muito felizes), acho que voltar se isso for possível, será uma felicidade redobrada porque aquilo que esteve diante de nós de novo estará para que se complete a felicidade total.
Comento deste meu novo blog de fotos porque pretendo expandi-lo o mais que possa com fotos de locais que muito gosto e dar a conhecer a quem o visita imagens por mim captadas porque além de adorar a fotografia também adoro belos locais.
Tudo de bom te desejo amiga.
Bjos.
.
Lindo texto, detalhes de um regresso ao lugar da infância deixada pra trás..E tuas palavras bem fecharam o post! Lindo!! beijos , obrigadão pelo carinho lindo lá! chica
ResponderEliminarOlá Amiga, como tem passado?
ResponderEliminarAinda bem que voltou ao blog, faz tempo que não a "lia".
Eu acho que se deve voltar aos sítios onde fomos felizes, mas sou eu a achar :)
bjinhos doces
Magnífico texto que fechaste com chave de ouro.
ResponderEliminarConcordo contigo. O tempo tudo muda e as boas recordações devem ficar intactas.
Beijinhos.
Regressar ao passado onde as memórias e os sabores se perdem e se cruzam.
ResponderEliminarDifícil ler sem imaginar,sem viajar, sem redescobrir pessoas e coisas que fazem ainda parte de nós embora num tempo passado.
Ainda que as memórias abram grandes feridas,nós tentamos sempre voltar procurando entender esses momentos de felicidade.
Oi Graça!
ResponderEliminarQue beleza de postagem.
As vezes voltar e recordar pode sim nos ferir, mas também, recordar é viver novamente aqueles momentos felizes junto dos nossos queridos. Beijos! Mariangela
Bom dia de sábado
ResponderEliminarObrigado pela história... do regresso ao passado, Graça!
"Nunca se deve regressar aos sítios onde fomos muito felizes"
aqui está a explicação porque não quero voltar a Moçambique
...
Estamos a 7 de Fevereiro, dia que me deixa muito nostálgica
...
procuro ocupar o tempo visitando os amigos da blogosfera
...
NÃO
não quero esquecer que foi neste dia
há 94 anos ...nasceu a minha querida Mãe
e, só a tive comigo 20 anos
prestes a fazer 60 anos, sofro por estes 40 anos sem a presença da Mãe
...
o coração hoje está gelado
precisava tanto de um abraço forte e real
...
enfim...
desculpa o desabafo
Amiga, caso visite o meu
MOMENTOS PERFEITOS
convido a visitar também
o outro meu blog,
que fez 1 ano esta semana
e tenho lá um post do 1º aniversário:
http://tempolivremundo.blogspot.pt/
Beijinho
Minha Querida
EliminarCompreendo a tua saudade misturada com a tristeza de teres tido a tua mãe contigo, pouco tempo. Mas tu, estás no coração dela num qualquer lugar do espaço e acompanha-te no desenrolar do teu caminho.
Irei visitar o teu novo blogue.
Aceita um abraço muito apertado e amigo
Graça
Voltar por vezes é uma terapia. Fiz isso e resolvi muitas coisas com essa coisa chamada saudade. E senti-me em casa.
ResponderEliminarAcredito...mas, é um risco e não sei se tenho coragem de perder todas as minhas memórias.
ResponderEliminarBj
Graça
.
ResponderEliminar.
. no contexto subentendido no Seu texto . estou de acordo . assim como estou de acordo noutros contextos . quando por exemplo guardamos na memória a imagem de alguém no seu tempo saudável . que entretanto se debilitou . pelo que . presentemente . são quantas as vezes que teimamos em manter a imagem do passado desse alguém . e então para isso é vital que não nos confrontemos que o seu estado presente . ou com o estado em que se encontrava quando partiu deste mundo .
.
. noutras situações . como viajar . por exemplo . para um lugar onde somos felizes . é então muito bom voltar a esse lugar . e desfrutar . no meu caso . desde que descobri o médio oriente e o oriente . em dois mil e sete . não mais desisti . e volto sempre . ainda este mês regressarei ao sudeste asiático . e qualquer dia não me chegarão os dedos das mãos para que possa contar as vezes que já lá voltei . e porquê ? . porque por lá . sou muito feliz . :) .
.
. um bom.domingo . graça . e,,, um grande beijinho meu .
.
.
Meu amigo, quando já não estão nenhuma das pessoas que fizeram caminhada comigo e me ajudaram a ser muito feliz...é difícil voltar...Agora ir a outros sítios, estou de acordo. Gostava muito de ir a Goa e vou tentar realizar esse sonho...Quanto a ti, Paulo, vai, vai sempre porque o Oriente é fantástico!
Eliminarbeijo amigo Graça
Um prazer ler este texto e ver as imagens que o ilustram...
ResponderEliminarBeijo.
Um texto muito belo. Obrigada pela partilha.
ResponderEliminarUm abraço
Graça,
ResponderEliminarFeliz por a encontrar!
Ainda estou no Brasil!
Verifico que continua a escrever sobre o local que mais amou e não esqueceu
"África minha" ...
E gostei da continuação sobre tudo quanto conheceu e amou
e ainda mais da sua presença
e sua sensibilidade
ao que escrevo.
Agradeço,
Maria luísa
Olá, Graça Amiga!
ResponderEliminarGostei de ler esta história de vida da realidade africana.
De África retenho na memória aquele calor húmido que não nos abandonava, mesmo à noite. Creio que tentar agora redescobrir África seria para mim uma desilusão. Prefiro conservar as memórias felizes que ainda resistem e que continuam a viver em mim e a inspirar-me.
Um beijo,
Jorge
Graça.
ResponderEliminarAgradeço a Deus por ter te conhecido a alguns anos atrás,
pois essa amizade perdurará até quando eu existir...
Graça me emociona ler o quanto você ama e sente saudade
da Africa.
A Africa realmente tem uma doce magia
que me emociona muito.
Deus abençoe seu final de Domingo.
Uma semana abençoada e feliz.
beijos no coração carinhos na Alma.
Evanir.
O texto é, como sempre, intenso. A reflexão última deixa muito a pensar...
ResponderEliminarUm beijinho
Como concordo contigo, Amiga! Ia ser muito dficil para ti voltar à tua Zambézia e ver tudo tão diferente. Boa sorte com o novo livro e ate breve Beijinhos
ResponderEliminarEmilia
Que lindo...adorei
ResponderEliminarMandisse Junior
Atualmente em Luabo-Zambezia
Histórias e memórias d'África que só tu sabes nos ofertar, Graça. Um poder descritivo extraordinário e cheio de emoções do passado. Maravilhoso texto! Amei demais!
ResponderEliminarAmiga, muito grata pela tua sempre bem vinda visita ao nosso cantinho, e te desejando uma doce semana. Ah, essas ilustrações que escolheste são jóias preciosas.
Deus abençoe sempre a tua inspiração! Mil beijos e carinhos!!!
vamos comer caranguejos, o tempo é uma ilusão e eu gosto tanto de caranguejo
ResponderEliminarbeijinhos, Graça
As coisas, os lugares sempre se modificam. Nós também já não somos os mesmos. Esse tempo feliz perde-se para sempre na vida real. Permanece apenas em nossa memória.
ResponderEliminarSempre lindas as suas histórias.
bjs
Será!
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