Ana Maria considerava-se uma mulher feliz. Que diriam as pessoas que estão sempre a queixar-se de tudo e de todos, por ela se considerar completamente feliz? Mas era-o apesar da luta pela vida. O futuro dos jovens era agora cada vez mais incerto, contratos a termo certo, trabalho precário… apesar de uma licenciatura brilhante e de estar a concluir um doutoramento.
Algumas amigas da mãe, de outra escola da vida, diziam-lhe muitas vezes:
- Tão bonita e culta, bem podias arranjar um marido rico…
Ana Maria sorria e pensava que a sua felicidade não passava por aí. Acreditava na felicidade com letra grande e nas felicidades mais pequenas. Tinha o dom de sonhar, de amar, de admirar e tinha uma alma enorme do tamanho do mundo.
No seu rosto um pouco sardento e de traços quase perfeitos, brilhavam uns olhos negros, enormes, sedentos de vida. Quando se olhava ao espelho não se achava mal de todo, apesar de um narizito um pouco arrebitado que lhe conferia uma certa graça.
Sabia muito bem que nas horas de alegria, uma certa covinha a tornava sedutora.
Morava com a mãe, que fora tão bonita como ela. O pai há muito tempo abandonara a casa para seguir outra mulher. Contudo, nunca lhe faltara nada na vida, graças à coragem e ao trabalho da mãe. Do pai, lembrava-se pouco. Era demasiado pequena quando ele as deixara.
De repente, voltava a ser feliz na salinha acolhedora, junto à mãe, rodeada dos seus preciosos livros. Sentia a casa macia como um ninho.

- Sabes, mãe, a minha amiga Anabela, que está em Belas Artes, disse-me que está a decorar uma galeria… penso que de um senhor estrangeiro que pretende vender quadros de pintores famosos e que anda à procura de alguém com o meu curso para orientar a parte financeira.
Ela ofereceu-se para mo apresentar. Levo o meu currículo e todas as credenciais que possuo. Que achas?
- Sempre soubeste abrir caminhos na vida com sensatez e nunca recusaste uma boa luta.
- Pois… vou já telefonar à Anabela a combinar tudo.
No dia seguinte, vestiu-se elegantemente para impressionar os donos da galeria. Queria conseguir um emprego fixo, bem remunerado, para aliviar um pouco a carga pesada da mãe.
Estava farta do trabalho a prazo certo. Andava sempre com o coração nas mãos.
Anabela já a esperava à porta da galeria…
-Não estejas nervosa, vai tudo correr bem. São dois sócios e um deles tem um filho que também trabalha aqui na galeria. São simpáticos e educados.
Ana Maria retomou nas mãos a sua alma decidida a conquistar o seu futuro.
Anabela fez as apresentações. Ana Maria achou os donos simpáticos. O mais velho, já com alguns fios prateados no seu cabelo negro, tinha um charme indescritível e o outro, no seu português tão atabalhoado, não escondia a sua nacionalidade.
Depois de muitas horas de conversa, Ana Maria foi admitida para administrar financeiramente a empresa.
Quando chegou a casa abraçou-se à mãe, rindo feliz:
- Agora já posso aliviar um pouco todo o teu sacrifício.
- Sabes que nunca foi nenhum sacrifício, és uma filha que merece tudo.
O tempo passou e Ana Maria mostrava o seu valor como boa profissional que sempre fora.
Gostava da presença de Henry, bem cuidado e cheio de charme. Sempre tivera uma inclinação pelos homens mais velhos…
Um dia Henry convidou-a para jantar para falarem mais à vontade sobre a próxima exposição.
A conversa descaiu para o campo pessoal.

- É filha única? Vive com os seus pais?
- Sim, sou filha única e vivo com a minha mãe; o meu pai morreu era eu pequenita.
- Eu também tive uma perda há dois anos… A minha mulher que era inglesa morreu de uma doença incurável. Tenho um filho que já conhece, o Martim.
- Mas ele fala bem o Português…
- Sim, em casa sempre falamos as duas línguas…
Ana Maria sonhava com a sua felicidade, a sua felicidade de mulher que despertara de uma maneira tão estranha… Quando Henry entrava no seu gabinete, o coração batia mais depressa.
Um dia encontrou um ramo de rosas vermelhas em cima da sua mesa de trabalho com um cartãozinho onde se lia: “Para a rosa mais bela do mundo”.
A mãe de Ana Maria quis conhecer o homem que punha uma luz diferente nos olhos da sua filha.
- Convida-o para jantar cá em casa…
- Mãe, não há nada entre nós… pelo menos por enquanto. E ria-se feliz.
Ana Maria convidou Henry a jantar em sua casa. Tal como a mãe, há muito que tinha vontade de o fazer.
Henry chegou à hora combinada com dois grandes ramos de flores. Havia muito mais que cortesia no seu gesto elegante. Olhou Ana Maria com ternura.
Da cozinha, para além dos odores apetitosos de um bom jantar, chegava a voz clara da mãe.
- Já vou…
Ana Maria, entretanto, foi buscar duas jarras com água e quando chegou à sala ouviu duas exclamações ao mesmo tempo:
- Henrique!…
- Helena!…