Quando te entreguei a chávena de café… que haveria no meu gesto? Que diria o meu olhar?
Alguém que chegara de longe para negociações turísticas, correra todas as praia

Noivo? Que ironia! No meu dedo, um anel de noivado, por sinal bonito e antigo, jóia de família. No meu coração, incerteza, ou já a certeza de que a vida nos separava a passos gigantescos e que, só por respeito humano ou hábito social, mantínhamos relações que se modificavam em tortura.
Vê como são enganadoras as aparências; tu, que julgavas vir acompanhado pelo meu noivo, eras afinal quem mo trazia depois de muitas semanas de ausência. Quando entraram eu acabara precisamente de perguntar a mim própria se algum milagre faria renascer esse amor duradoiro que nos unira, já nem sabia em que tempo. Preparada, por conceitos burgueses, para o casamento como fim único da mulher, balançava-me entre o comodismo da aceitação, que todos classificavam de crise passageira, e uma decisão que me amarraria ao estado de solteira. Depois das ausências Guilherme voltava contrito. Protestos de amor: “se não fosses tu, perdia-me…”. Seguiam-se os projectos de trabalho sério, emprego e uma necessidade urgente de estar comigo. - “Vamos marcar a data do casamento!” - dizia. Nessas alturas, sem o compreender, estava a perdoar-lhe por inércia, a que se ligava, porém, um ténue fio de esperança.
Mas o que haveria no meu gesto ou te diria o meu olhar, ao entregar-te a chávena de café?
Solidão, abandono. Foram corteses as minhas palavras? Imperativo de educação, atitude diplomática, hospitalidade, como queiras... Nesse instante, descobriste que me amarias. Estranhas condições, as do amor!
Pouco tempo depois Guilherme resolvia esclarecer definitivamente a nossa situação. Ainda por influência tua? Ah, não o sabia! Retiro do dedo o anel de noivado, como uma libertação. Revi o meu passado e o meu presente, planeei um futuro em que, confesso te não incluía.
Aliás tendo já ultrapassado a idade dita romântica, não veria em cada homem um possível marido. E a tua imagem diluía-se entre as confusas narrativas dum país sul-americano interessado em turismo, o que nada me importava a mim. Queria trabalhar, encontrar um rumo positivo mas que ninguém compreendia e apoiava: “só trabalham aquelas que precisam e nunca os ricos devem ti

Foi portanto indiferentemente que recebi a tua primeira carta, até desagradadamente. Amigo do Guilherme – meu inimigo. Quando outras cartas chegaram e me forçaram a uma resposta obedeci ainda àquele clima de pacifismo, e mais nada.
Principiaste a contar-me histórias de encantar. Planta que renasce, alegria que não termina, música que se desdobra, caminhos pujantes de frutos. Mas eu tinha medo. Perdera anos com alguém que não me merecera. Mas tu falavas-me em novos conceitos e que me transformarias na mulher realizada que sonhara ser. Mas ainda duvidei. Conhecia-te mal. Convidaste-me a vir conhecer-te de perto, conhecer a tua cidade, o teu trabalho, os teus pais. E eu vim!
Vim e descobri que o teu amor era um sentimento muito diferente daquele que me envenenara. Que me oferecias uma existência moldada em dimensões largas e generosas onde me integraria, liberta. Que todos os meus sonhos (utópicos alguns) se tornariam realidade. E tudo porquê? Porque me amavas sem absorvência doentia, respeitando a minha personalidade.
Vim e fiquei. Somos agora esta coisa maravilhosa: um casal que se ama e a que, no entanto, não basta o amor.
Acabamos de entrar em casa, após um dia de trabalho e preocupações.
Estamos cansados mas felizes. Vivemos!
Perguntei:
- “Que te apetece tomar?”
Respondeste:
- “Uma chávena de café, igual à daquele dia…”
