Era um rapaz alto, magro, meio aloirado, muito tímido! Sempre que o via (ria-me por dentro...), de imediato, associava-o a um espinafre ou talvez a um e

spargo, tão linha recta que ele era da cabeça aos pés. Éramos amigos e gostava da sua conversa onde sempre aprendia alguma coisa. Tinha uma vasta cultura geral o que o tornava diferente de todos os outros rapazes dessa época, preocupados com o último LP ou single do seu cantor preferido, o filme em cartaz no cinema mais frequentado, as festas da semana, o namorico com A ou B…
Por isso estranhei quando ele me disse:
- Quero falar-te de uma rapariga. Estou apaixonado!
Pensaria eu que os menos dotados pela natureza não teriam um coração de carne como todos, sujeito a “estas coisas” do amor?
Passado o primeiro momento de espanto, perguntei-lhe:
- Quem é ela? Conheço-a?
Como supunha não era ninguém do nosso grupo de convívio.
De cigarro em cigarro, foi-me fazendo o seu retrato, onde morava, a que família pertencia, onde trabalhava… É claro que, numa cidade pequena como a nossa, eu conhecia pelo menos de vista a amada do meu amigo.
- Estás à espera que ela adivinhe? Já deste algum passo no sentido de tornar esse amor em concreto?
- Não, tenho-a seguido apenas de carro… - Ri-me!
- Em que século vives tu rapaz?! Esperas por ela à saída do emprego e aborda-la…
- Assim sem mais nem menos? - Perguntou indeciso.
- Claro, não a vais morder! Ou então encontras alguém que a conheça para vos fazer as apresentações…
- Não sei, sabes que no nosso grupo ninguém se dá com ela… eu estava a pensar de outra forma… - Já vinha com ela fisgada… - Queria pedir-te um favor, se tu me escrevias cartas para lhe enviar, será mais fácil para mim.
- Pois, mas mais difícil para o meu lado… eu sei lá como pensam os rapazes! Esqueceste que sou uma rapariga?
- Pronto, já vi que não me queres ajudar…
- Não, nada disso! Escrevo-te as cartas, passas com a tua letra e mandas entregá-las ao emprego dela…
- Não, não, envio-as pelo correio que é mais seguro…
Inseguro por natureza, procurava caminhos que não fugissem ao seu domínio.
Durante três meses (que me pareceram longos anos…) vesti a pele masculina, mantendo um monólogo e esperando que, do fundo do lago, viesse uma bolha à superfície, dando sinais de correspondência para o meu amigo.
Começava a fartar-me de “amar” tanto uma rapariga…
Surgiram então uns telefonemas, uns bilhetinhos, uns olhares mais demorados… e todos estes sinais me deixavam aliviada e, ao mesmo tempo, feliz pelo meu amigo…
Mas, contrariamente ao que eu podia imaginar, ele estava mais calado, ensimesmado, fumando cada vez mais… De repente diz-me meio brusco:

- Pára com as cartas, já não preciso mais delas!
- Ah, finalmente ela correspondeu-te!
- Não… - continuou ele no mesmo tom - Há outra mulher!
- Por favor, não me vais pôr a escrever cartas de amor para as raparigas todas da cidade!
- Não, quem eu amo está na minha frente!
O silêncio caiu entre nós… incomodativo, difícil de lidar com uma palavra sequer.
Olhei-o pela primeira vez como homem e, decididamente pensei, em segundos, que seria incapaz de amar um homem que precisasse da ajuda de outra mulher para declarar o seu amor…
Já não me lembra como foi a nossa despedida… mas sei que, deste desencontro, nasceu uma das melhores amizades da minha vida.