Detesto os dias contínuos de chuva… aborrecidos e desconfortáveis. Ainda por cima tenho que “tomar conta” daquele objecto irritante, ridículo, indispensável… que fica

sempre esquecido no café, no cabeleireiro ou numa loja qualquer… O guarda-chuva, que parece atrair o bom tempo, quando o levamos para a rua porque o tempo prometia água… O das cenas cómicas em dia de ventania, virado ao contrário, feito num molho de ferros e trapo…
O guarda-chuva é um venerável traste arqueológico, uma instituição que vem da lonjura dos tempos para nos infernizar a vida!
Nas velhas civilizações orientais – na China, na Assíria, no Egipto dos Faraós – já lá andava a grande umbela que tapava mais do sol do que da chuva e era um sinal de respeito sagrado, a proteger os reis em cortejos solenes… Do guarda-sol dos países quentes nasceu, por semelhança, o guarda-chuva do Ocidente… Diz-se que fomos nós, Portugueses, que trouxemos da Índia e da África o guarda-sol que depressa se transformou em guarda-chuva.
Por volta de 1600 a Inglaterra fez dele uma espécie de emblema nacional. Em meados do século XVII era um objecto quase de artilharia pesada… Tinha um cabo de um metro, dez varetas rígidas, de barba de baleia, medindo cada uma 80 centímetros… Pesava cerca de três quilos…Claro que havia os lacaios!!
Como era caríssimo, passava de pais para filhos, numa herança preciosa…
Nesse tempo tinha pelo menos uma vantagem: as pessoas não se esqueciam dele por toda a parte. O guarda-chuva transpôs também os séculos triunfalmente. Em França, no século XVIII, aparecia a elegante sombrinha, forma feminina e melindrosa do guarda-chuva pesadão, e com êxito estrondoso.
Com o andar d

o tempo e a evolução das sociedades o guarda-chuva conquistou um público cada vez maior. Esse traste burguês é definitivamente consagrado no século XIX, adaptando-se às circunstâncias, tornou-se mais cómodo e portátil. As barbas de baleia foram substituídas por hastes finas de aço flexível, criou-se a forma côncava, de goteira… A Inglaterra, senhora de um vastíssimo império colonial, importa do mesmo, a preços “da chuva”, material variado para criar uma indústria prometedora das umbelas: bambus, canas da Índia, marfins, sedas naturais, alpacas. É então uma grande potência produtora dos chapéus-de-chuva e cria na sua população o gosto arreigado pelo guarda-chuva. Não podemos conceber a figura típica do inglês da política, das finanças ou dos negócios - grave, discreto e fleumático – sem o guarda-chuva inseparável que é um sinal exterior da sua dignidade, do seu carácter.
No princípio do século XX é o delírio do mundo feminino, a paixão das sombrinhas, de todos os tamanhos e feitios, com rendas, laços, folhos, lantejoulas, plumas, etc. Tornou-se objecto de vaidade e conquistas amorosas.
Com o tempo, a sombrinha de luxo deixou de fazer sentido. O guarda-chuva passa a ser um objecto indispensável e adaptável às necessidades do tempo moderno: prático, envolto em nylon ou então, melhor ainda, articulado, com mola para abrir e fechar, pequeno que cabe na carteira de uma senhora, atravessa corajosamente o século XX e cá está ele nos novos tempos, traste venerável, humilde na sua forma actual, sem poesia mas, o companheiro indispensável das correrias que nos atrapalha a vida mas nos protege de uma valente constipação e que eu vou deixando espalhado por tudo quanto é sítio…
Alguém disse que o guarda-chuva é o barómetro da memória… pois a minha deve andar gasta a avaliar pela quantidade de umbelas (gosto desta palavra) que tenho ali em fila no bengaleiro prontas a desaparecerem, nestes dias contínuos de chuva, em qualquer café por aí…