sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fazem Rugas


Que sabemos nós do mistério que cada um trás dentro de si?

Interrogava-me porque é que uma mulher bonita como aquela e sempre bem vestida, nunca sorria. Nunca entendi se era ela que se marginalizava do resto dos colegas ou se eram estes que a marginalizavam.
Eu tinha dezoito anos, terminado o Liceu e saído há três ou quatro meses de um colégio de freiras. Tinha do mundo uma ideia cor-de-rosa, onde todos eram amigos e se davam bem. Moralmente possuía uma estrutura forte e sabia o que queria da vida. Não sabia bem qual era o caminho e como seriam esses caminhos para chegar até onde me fosse permitido. Faltava-me experiência na mesma medida em que me sobrava alegria e muitos ideais. Mas foi precisamente esta alegria e simpatia que me abriram muitas portas. Sempre tive facilidade no relacionamento com os outros. Amava por demais a vida e as pessoas para ser de modo diferente. A pior economia do mercado da vida é a economia no amor, na amizade. Os afectos são necessários para crescermos. Todos nós precisamos de um colo para chorar, de braços que nos levantem quando caímos e mãos que nos aplaudam quando for a hora do êxito. Estranhava pois aquele afastamento tacitamente imposto por todos àquela colega e como garota que era perguntava abertamente como fazem os “miúdos”:
- Vocês não gostam da …… porquê?
As respostas vinham evasivas e meio enviesadas:
- É uma petulante, já reparaste que não cumprimenta ninguém e não dá um sorriso?
- Como podem saber se vocês também não falam com ela?
Nunca fui de desistir e pensava que muitos já tinham entrado num processo de derrocada em termos de análise dos outros. Era mais cómodo aceitar o “diz que disse” e ficar no seu lugar sem remar contra a maré. Dá muito trabalho…
Um dia encontrei-me com ela “casualmente” quando íamos tomar um café.
- Bom-dia. Sou uma nova colega e ainda só a conheço de vista. Trabalha na …… Secção, não é? Eu estou na Contabilidade.
Olhou para todos os lados a ver se havia mais alguém ou se era com ela mesmo que eu falava. Ciente de que era com ela fez-me um esgar e seguiu adiante. Atrás as outras colegas aperceberam-se do meu fracasso na abordagem da Miss Esfinge e riram-se:
- Esquece, não vais conseguir nada dela, é a rainha cá do sítio.
Enquanto trabalhava pensava numa certa insegurança que notara na Miss Esfinge e até alguma tristeza no olhar. Aquilo ficou a remoer dentro de mim.
No dia seguinte, abri a porta da secção dela, cuja secretária ficava em frente e perguntei-lhe:
- Quer vir tomar um café comigo?
Mais uma vez olhou para os lados a ver se haveria alguém a quem o convite pudesse ser dirigido. Acabei logo ali com qualquer dúvida:
- Venha ……
Olhou-me espantada mas com um brilho diferente no olhar. Voltou a fazer o esgar que já lhe vira no dia de trás e respondeu-me:
- Vou sim, com muito prazer!
Bem, ao menos não é muda, pensei eu! Conversou muito bem, disse-me que era casada e tinha uma menina com seis anos e abriu a carteira e mostrou-me a foto da filha.
- É muito bonita e parecida consigo.
- Acha? - E o rosto estava limpo de nuvens, brilhante como sol de primavera.
Quando regressamos ao trabalho ela disse-me:
- Amanhã espero por si no café mas não me trate tão cerimoniosamente. Chame-me apenas …... e eu a si vou chamar-lhe Gracinha, se não se importa pois é uma miúda ao pé de mim.
-Claro, claro. - Concordei de imediato.
À saída do serviço estava à minha espera junto de uma valente máquina.
- Reparei que não tem carro e que é o seu pai que a vem buscar, mas hoje não o vejo por aqui…
- É, ele nem sempre me pode vir buscar e a minha casa também não fica longe…
- Ah, mas está muito calor (saíamos às 13 horas) o meu marido não se importa de passar por sua casa.
Apresentou-mo. Era um homem ainda novo, simpático e atencioso.
Durante a tarde, de vez em quando pensava na …… Não vislumbrara nada de complicado na sua vida que fizesse ter aquele ar tão trombudo. Ou seria eu quem não conhecia as pessoas?
No dia seguinte disse-me:
- O meu marido achou-a muito bonita e simpática.
Aproveitei logo:
- Ah sim? A …… também é muito simpática, só lhe falta um sorriso. Porque não sorri?
- Vou contar-lhe um segredo! - Afinal sempre havia algo de complicado na sua vida, pensei eu.
- É que sabe, rir faz-me muitas rugas e eu tenho de me poupar…
Não pude esconder uma boa gargalhada.
- Então é por isso? Já reparou que o esgar que faz ao cumprimentar as pessoas estende os lábios e em breve vai ter rugazinhas à volta deles? Ria, sorria, é bonita, tem uma família maravilhosa que mais quer? Viva feliz!
Quando entramos no café, ela parecia uma rainha a distribuir sorrisos por todos os lados. Os colegas estavam estupefactos:
- O que é que fizeste à múmia?
- Olha, disse-lhe que as múmias normalmente têm rugas e ficam encarquilhadas.
- Estás a brincar?!? – Perguntaram atónitos.
- Claro, que te parece? – Respondi eu sorrindo.
A partir daí os sorrisos eram canções, trigo lançado com a mão larga da generosidade e da compreensão por todos e entre todos. Algum tempo depois ela foi transferida para a Beira mas mantivemos sempre correspondência até àquele momento em que nos perdemos uns dos outros.
Nunca mais soube nada dela mas penso muitas vezes nesta mulher que não ria porque não queria envelhecer. Eu, que cultivo constantemente a sementeira do sorriso, costumo dizer que a vida nos devolve aquilo que lhe damos: quanto maior for o nosso sorriso, do outro lado a retribuição será, quem sabe, o próprio sol!


Rugas

Se ficasses para sempre
nos olhos que em ti medi
naquele balouçar
de vestal e puta eternamente
serias o sonho prolongado que não há
Mas os anos amiga
os anos que passaram
fizeram de borracha a tua pele
e o desespero das rugas
enfeitou o teu rosto
num rasgo de ti mesma
E desdobras-te em cascatas de gestos
em busca do que foste sem saber
e há qualquer coisa de injusto em tudo isso
porque os meus olhos são da mesma idade
E o tempo esse carrasco lento
fez de nós uma referência
uma memória esconsa do que fomos
E hoje são talvez as tuas filhas
quem desdobrou de ti o alçamento
a graça de garça e o altar de espanto
Mas tu amiga
aqueles teus seios de mármore
que eu mordi de amante
esses roubaram-mos de inveja
o tempo e a lonjura
Por isso recuso ver-te hoje
sem ser nessa memória
Dizem que é assim isto de viver
mas há tudo de cru, injusto e triste
nessa amargura
porque a beleza extrema
nunca houvera de morrer
E tudo o que me estrago
a mim não magoa
que eu nunca contei muito
para o belo que me deste
Sempre vou ser isto
mais coisa menos coisa
cada vez mais velho e mais agreste
Mas tu tinhas direito à eternidade
o teu rosto o teu corpo as tuas mãos
moram para mim ainda e sempre
na ideia em que te guardo
e há qualquer coisa de injusto em tudo isto
porque os meus olhos são da mesma idade

[Pedro Barroso]


27 comentários:

  1. Olha, Graça, eu tenho muitas rugas, que me custaram muitos anos a ganhar e que agora eu trato com carinho.
    Já houve um tempo em que tentei passá-las a ferro, mas, desilusão, ou o ferro estava frio ou a vida não me ensinou a arte de engomar.

    Um beijo.

    Carlos Gonçalves

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  2. Olá Carlos
    Sempre ouvi dizer que quanto mais antiga é uma peça de arte, mais valor tem! Por exemplo, o marfim quanto mais amarelado se apresentar,mais caro é e as rugas, cada uma delas, se falasse, tinha uma história a contar... Fazem parte do muito que se deu à vida. Parabens pelas tuas! Um bj e bom fds Graça

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  3. Olá!

    Você não é Avé Maria...mas que é Cheia de Graça é............

    Um beijo
    POTT

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  4. Graça, que bela poesia. no texto se comprova que, basta darmos uma oportunidade que as pessoas explodem em amor. Todos nós precisamos do amor que, como dissestes, ninguém deve economizar. Um grande beijo para você, que também tem me ensianado a amar.

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  5. ...Graça querida,
    se rugas em nossa pele
    são inevitáveis, podemos
    proibí-las que se instalem
    no coração.
    Para isso basta que cultivemos
    a alegria interior.

    Um beijo, linda!

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  6. É sentir o carinho,
    É ouvir o chamado.
    É saber o momento
    de ficar calado.
    Amizade é somar
    alegrias, dividir tristeza.
    É respeitar o espaço,
    silenciar o segredo.
    È a certeza
    da mão estentida.
    A cumplicidade que
    não se explica,
    Apenas vive!

    ¨Olavio Roberto¨
    Desejo um lindo final de semana
    Abraços

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  7. Um bonito poema, sem dúvida nenhuma!

    Marcas que a vida deixa ao passar.

    Obrigada

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  8. Olá Graça boa tarde.

    Um post muito belo este, uma história que nos mantém alerta para que não sejamos aquilo que os outros são.

    Claro que as rugas são inevitáveis na vida de qualquer pessoa mais tarde ou mais cedo mas, o que é certo é que o sorrir faz bem à pele e ao nosso íntimo e até para todo o mundo.

    Lindo poema e uma foto bem escolhida para este belo post.

    Seu blog não há dúvida que é (pelo menos) para mim de 5*****, e quando fala em certos locais como os de Moçambique, nem calcula o que soa dentro de mim de grande saudade e alegria, aqui ao referir que (ela depois foi transferida para a Beira), este nome Beira me trouxe logo boas recordações do tempo que por lá passei.

    Enfim, a vida é assim e tudo passa com uma velocidade espantosa, onde a esperança de um dia lá poder voltar aqueles lugares não a perdi.

    O tempo o dirá, é uma questão de esperança e animosidade espiritual.

    Bjos, bom fim de semana lhe desejo com muitas felicidades.

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  9. Olá (Agora está Aqui...)
    Obrigada pelas 5***** (generosidade tua)!
    Quando comecei este blog, mal dominava o computador, quanto mais o resto... Mas, na verdade quando se quer muito uma coisa, ela torna-se acessível. Eu achava que devia isto à minha terra(Quelimane) e é como uma missão que eu coloco aqui tantas e tantas recordações, procurando vivê-las outra vez e dando oportunidade a todos os amigos que passaram, não só por Quelimane, como por todo o Moçambique.Curiosamente quem faz mais comentários, foi quem nunca lá esteve, "criando" assim outra espécie de leitores para quem , de vez em quando me "afasto" do caminho traçado o que tb me faz bem para não perder a realidade... o que é díficil porque estou "metida" em várias iniciativas aqui pelo " burgo" e não para as quais precisava que cada dia tivesse + de 24H. Se puderes, vai a Moçambique, o palco é o mesmo só os cenários é que mudaram. Um bj Graça.

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  10. Oi Graça,

    Cada idade tem seu encanto natural e pq perder o mais simples da vida q é distribuir sorrisos, não custa nada e faz tão bem, a ausência pode não envelhecer o rosto, mas certamente vai envelhecer a alma e vc conseguiu fazer com q ela enxergasse o outro lado da existência, parabéns amiga por ser persistente e a trazer à realidade.

    Não se preocupe com o selinho, mas se um dia quiser aprender ( não sei muito ), mas terei o maior prazer de te ensinar.

    Um grande beijo e um fds com muitas alegrias.

    ♥ ♥

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  11. muito apetitoso o teu espaço!
    seguite-ei por aí!

    beijo terno e obriagada pela compreenção excelente do minha publicação...

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  12. Bonito post tema interessante
    "Que seja eterna a vitória dos seus dias,
    mesmo quando eles lhe derem

    a impressão de fracasso.
    E nunca se esqueça que atrás das nuvens

    sempre existirá sol."

    bom domingo

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  13. Olá!
    Querida, você é a primeira pessoa a visitar e comentar em meu novo blog.
    Ele é tão novinho que ainda nem divulguei.
    Muito obrigada pelo carinho e pela visita.
    Beijos.

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  14. Oi Graça,
    Impressionante essa história, e voce a conta de uma forma muito agradavel.
    Conheci uma mulher que não sorria também mas creio que a razão devia ser outra pois ela já tinha rugas. Eu era ainda uma criança.
    Lembro-me da sua chegada no apartamento de uma amiga. Eu fui abrir a porta e sorri ao cumprimentá-la, mas ela não sorriu em retorno.
    Na hora de sair ela me disse uma frase que nunca mais esqueci: "Se voce soubesse como seu sorriso me fez bem, jamais deixaria de sorrir"
    Interessante não?

    beijos e bom final de semana!

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  15. Se a causa de algumas rugas é o sorriso, que venham as rugas, porque um brilhante e sincero sorriso ofusca qualquer imperfeição!
    beijos, obrigado pelo carinho de sempre
    tenha um lindo domingo

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  16. Bonito!

    Bom fim-de-semana

    ASS: Diferente

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  17. Munhamade:
    Curto,sincero e amigo!! Que mais pedir?
    Um beijo Migá

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  18. Faz tão bem sorrir a nós mesmos e aso outros, por vezes um sorriso pode alegrar o nosso dia
    beijinhos

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  19. Graça...

    Rugas, são sulcos de caricias e sabedoria...


    Um beijo meu!

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  20. Tua prosa está a altura de tua poesia como a prosa de Saramago frente a lírica de Camões. Abraços e parabéns!

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  21. Graça
    Feliz pela visita.
    Feliz por vir aqui.
    Adorei a sus história

    vou voltar temos muito em comum...


    Cubata


    Cubata...
    Vermelha...
    De adobos...
    Coberta de capim...
    Capim seco...

    Cubata...
    Uma, duas...
    E mil...
    E aí...
    A sanzala...

    Sanzala...
    Cheia de cubatas...
    Com gente...
    Com gemidos...
    Com muitos ais...

    E com muitas crianças...
    Descalças e sujas...
    Mas com olhos...
    Grandes e doces...

    Olhar sem maldade...
    Olhar com esperança...
    Esperança no novo dia...


    E ao som do batuque...
    Com a mandioca...
    A fuba e o pirão...
    A criança foi crescendo...

    E hoje é homem...
    E olha para trás...
    E sente e sabe...
    Que foi bom...
    Ter tido...esperança!...











    7/1/05
    Lili Laranjo
    __________________
    Cubata


    Cubata...
    Vermelha...
    De adobos...
    Coberta de capim...
    Capim seco...

    Cubata...
    Uma, duas...
    E mil...
    E aí...
    A sanzala...

    Sanzala...
    Cheia de cubatas...
    Com gente...
    Com gemidos...
    Com muitos ais...

    E com muitas crianças...
    Descalças e sujas...
    Mas com olhos...
    Grandes e doces...

    Olhar sem maldade...
    Olhar com esperança...
    Esperança no novo dia...


    E ao som do batuque...
    Com a mandioca...
    A fuba e o pirão...
    A criança foi crescendo...

    E hoje é homem...
    E olha para trás...
    E sente e sabe...
    Que foi bom...
    Ter tido...esperança!...











    Lili Laranjo
    __________________

    ResponderEliminar
  22. Graça

    Estamos juntas...
    vou deixando um cheiro à tera vermelha...

    um beijo

    Por engano dupliquei o poema...

    beijos

    ResponderEliminar
  23. OI flor obrigada por sua visita... adorei suas palavras.... volte sempre que puder... bjs o seu blog é belissimo tb...

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  24. desejo agradecer a sua visita ao seu blog,e deixe-me dizer-lhe que adorei o seu e o visitarei sempre que me for possível!Na próxima com mais tempo irei ler com mais atenção o blog e o comentarei!Bjs amigos Zé Al

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  25. Deixo para ti...



    Kanimambo
    Só contigo
    Eu consigo
    Entender o amor

    Kanimambo (x3)

    Kanimambo
    Preso aos laços
    Dos teus braços
    A vida é melhor
    É por isso
    Quando tu sorris
    Que o feitiço me faz tão feliz
    E me obriga
    A que eu diga
    Kanimambo
    Como o negro diz

    Obrigado
    Muchas gracias
    Merci bien
    Tudo é Kanimambo
    Dank Chunck
    Grazie terna
    Tu do é Kanimambo

    Obrigado
    Muchas gracias
    Merci bien
    Tudo é Kanimambo
    Dank Chunck
    Grazie terna
    Tu do é Kanimambo

    Kanimambo (x4)

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  26. GRAÇA com muito carinho...



    BATUQUE

    Batuque …
    Na sanzala…
    Ao redor da fogueira…
    Todos sentiam…
    O som do batuque…
    Que lá longe…
    Gemia…
    E chamava…
    E todos corriam…
    E lá …
    Na sanzala…
    Ao som do batuque…
    Novos e velhos…
    Pretos e brancos…
    Dançavam...
    E batucavam…
    E sentiam…
    O gemer dos tambores…
    O grito de dor…
    E sabiam…
    Que amanhã…
    Voltariam de novo…
    Porque o batuque…
    Estava dentro...
    Das suas almas….


    Lili Laranjo

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