Gosto de Mia Couto, não por ele ser moçambicano como eu mas pelo modo como ele pega nas palavras e as constrói de novo. Na tela em branco, tal como um pintor, ele desliza, saborosamente, cada cor, enriquecendo maravilhosamente o nosso património linguístico. As palavras ganham nova roupagem, mostrando que a língua não é estática! Nele, encontro uma simbiose da alma portuguesa com a moçambicana, e fica lindo! É como misturar um vira ou um corridinho com uma sensual marrabenta…
Tenho quase toda a sua obra literária e fico pasmada com a sua criatividade e imaginação (tal como “Chuva Pasmada”, editado em 2004 e, para mim, um dos mais deliciosos). Saboreio devagar as palavras inventadas e parece-me que encontro sempre o princípio de uma história comum… Aquele rio, a que se pode dar tantos nomes (porque não “Bons Sinais”’), é o rio da vida de cada um de nós que nos transporta ora à sua foz, ora à sua nascente, procurando fantasmas que se perderam nas suas margens ou escutando murmúrios e sinais longínquos de uma memória que nos leva até à nossa infância.
Jesusalém foi de novo uma surpresa. Sinto o sabor de mangas maduras e do caju sumarento enquanto leio este livro. A poesia é uma constante em cada página e, curiosamente ou não, Mia Couto cita frequentemente, no começo de cada capítulo, a grande Sophia de Mello Breyner Andresen.
”Escuto mas não sei se o que oiço é o silêncio ou deus” - Sophia de Mello Breyner Andresen.
Fernando Pessoa escreveu, “a minha pátria é a minha língua”, uma pátria comum a quem fala e se enamora com uma mesma voz. A grandeza dos sinais que enchem de encantamento a nossa peregrinação neste mundo.
Deste mais recente livro de Mia Couto, não resisto a transcrever algumas passagens:
“O rio era uma estrada aberta, um sulco rasgado sem interdição. Estava ali a saída e nós não fôramos capazes de a ver. Mais e mais acrescido de vontade fui construindo planos em voz alta: quem sabe regressássemos à margem e começássemos a escavar uma canoa?
(…)
- Mas alguém já lá foi antes? É só o que ouvimos dizer…
-Fique quieto e calado.
Segui-o contra a corrente e fomos sulcando a ondulação até chegarmos à zona onde o rio se meandra, arrependido, e o leito se atapeta de calhaus rolados. Neste remanso, as águas ganhavam surpreendente limpidez. O Ntunzi largou a minha mão e instruiu-me: eu deveria imitá-lo. Então, mergulhou para depois, todo submerso, abrir os olhos e, assim, contemplar a luz reverberando na superfície.
(…)
- Gostou?
- Se gostei? É tão bonito Ntunzi, parecem estrelas líquidas, tão diurninhas!
- Vê, maninho? Esse é que é o outro lado.
(…)
- Não será que, do outro lado, alguém nos espreita?
- Espreitam-nos, sim. São aqueles que nos virão pescar.
- Disse “buscar”?
- Pescar.
(…)
- Mano, é mesmo verdade que nós estamos mortos?
- Só os vivos podem saber, mano. Só eles.
(…)
Meu pai nunca soube mas foi ali, mais do que em outro lugar qualquer, que apurei a arte de afinar silêncios.”
É este encanto que me seduz.
Um dos protagonistas deste romance diz: “A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado”.
Graça, como sempre na tua prosa, palavras com poesia, mesmo quando não são tuas, sabes onde encontrá-las, é um deslumbramento!
ResponderEliminarUm beijo.
Carlos Gonçalves
MANINGUE CHUNGUILA!
ResponderEliminarMunhamade:
ResponderEliminarSó mesmo teu! Beijo Migá
Mia Couto... uma referência...
ResponderEliminarParabéns
Chris
Depois do meu poema cansaço deixo este do meu livro"Salpicos de cá e de lá"...pag 50 e contra capa é para fazer uma pequena reflexão...
ResponderEliminarMININO"
Minino...Minino preto...
Minino de rua...
Minino roto...
Minino que brinca...
Na água do charco...
Minino que às vezes...
Tem fome...
Mas...
Minino que ri...
porque...
Tem beijo...
Tem amor...
Tem...
Pai e Mãe...Ali...
E fica a pensar...
Eu...
Minino preto...
Tem pouco...
Mas...
Tem muito...
Eu "sabe" rir...
Olho...
Ali...
O branco...
Que corre...
Que não pára...
Para ter muito...
Mas...
Que não ri...
Não sabe rir...
E tem...tudo...
Eu...
Minino preto
não tenho nada...
Mas tenho tudo...
Fecho os olhos...
E espero "ficà" grande...
Mas quero ...
Continuar a rir..
E ter...
O mundo...
Dentro da mão...
LILI LARANJO
Bom dia Graça
ResponderEliminarAgradeço a sua visita e venho por aqui conhecer novas estradas, novas gentes e novas formas de escrever e sonhar.
Mia Couto é lindo, gostoso, não tem preço.
Virei mais vezes visitá-la
Saber encontrar poesia é coisa de gente que tem olhos de sentir.
ResponderEliminarVocê os tem.
Lindissimo tudo que nos trouxe como mimo.
Muito agradecida
carinho
Denise
A literatura é uma das minhas (muitas) paixoes.. as palavras.. o q se pode fazer com elas.. Sobre Mia Couto n posso falar mto pois apenas li um livro dele e admito q n me tocou mto.. talvez pegue nele de novo com outros olhos depois de ler este teu post.. ;)
ResponderEliminarum beijinho azul e uma bela semana!
Oi Graça!!!
ResponderEliminarMia Couto, é um excelente escritor, uma das melhores referências da literatura.
Beijinhos
Ângela
Graça. Tem sido enorme o prazer que experimento ao estar em contato com você, com as coisas de Moçambique, um país onde nunca estive mas que estou aprendendo a amar e admirar. Mia Couto é outra pessoa que me aproxima de Moçambique. Conheço-o, pricipalmente,por sua poesia, tendo descoberto o escritor recentemente. Coincidentemente você trás ao "zambeziana" esta obra do Mia, que estou a ler no momento,e que no Brasil, não sei porque, recebe o título de "Antes de nascer o mundo" e não Jerusalém, como aí.
ResponderEliminarTrata-se daqueles achados. Certamente dos melhores livros que li em toda a minha vida. E olhe que minha vida já não é tão nova e que a paixão pela leitura fez com que lesse muito. Ler Jerusalém trás uma sensação que não sentia há muito. É daqueles livros que se lê várias vezes, durante toda a vida. Gostaria muito de ter 10 segundos de acesso ao Mia. Tempo suficiente para dizer-le "obrigado". Obrigado por resgatar a literatura. Obrigado por nos fazer nos orgulharmos de nosso idioma. Obrigado por me dar Moçambique.
Não posso, Graça, deixar de citar um diálogo do livro que me pôs a rir, como não ria há muito. É quando Ntunzi diz a Mwanito que o pai lhe disse "Se te ameaçam de pancada, responde com uma história".
- O pai falava assim? perguntei, surpreso.
- Falava.
- E resultou? - perguntei.
- Fartei-me de apanhar.
As poesias de Sophia e de Adélia Prado integram-se à obra que, sem dúvida, só poderia ter sido escrita por um extraordinário poeta.
Um grande beijo para você que, me dá a honra de ser teu amigo e que me permite usar teu espaço para falar do prazer que tem sido ler Jerusalem.
Outro beijo por ter estado tão presente no meu blog. Você não imagina o bem que me faz ao aparecer por lá.
Rangel
Viva minha amiga do carreiro!
ResponderEliminarTb gosto de Mia Couto. No entanto a forma sentida e honesta com que expõe,satisfaz-me plenamente.Não precisa de se valer de outros escritores,por muito bons que sejam.Acredite que é com toda a sinceridade que o digo.
Quero saber novas sobre o "tal"livro....
Um beijo
POTT
Também gosto de Mia Couto.Este último livro dele que referencias aqui ainda não tive o prazer de o ler. Porém,a forma deliciosa como falas dele,já me aguçou a vontade de lê-lo.
ResponderEliminarBeijo para ti
Paula
Ser feliz é encontrar
ResponderEliminarforça no perdão,
esperança nas batalhas,
segurança no palco do medo,
amor nos desencontros.
É agradecer a DEUS
a cada minuto pelo
milagre da vida.
Beijos
...olá querida!
ResponderEliminarque post gostoso de se ler
e encantar!
adoro este poeta moçambicano,
e adoro este poema que lhe deixo
de presente:
"Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto,
in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
Beijo, querida!
Olá!
ResponderEliminarGraça,
Como saberá, da literatura moçambicana eu disponho de muitas publicações – algumas delas até difíceis de encontrar e que oportunamente divulgarei, nomeadamente um pequeno livro de poesia, de capas pretas, do Fernando Couto - pai do Mia. Sobre o “Jesusalém”, confesso-lhe que decidi interromper a leitura para me deter num livro cuja autora me seduziu através de uma breve conversa que há poucos dias teve com o editor de “A Força das Coisas” (Antena 2): - “Instruções para Salvar o Mundo”, um romance de Rosa Montero. Um livro que (também) vale a pena ler!...
Sou super fã de Mia Couto também, não conheço todos os textos dele, mas todos que li gostei muito.
ResponderEliminarbeijos e boa quarta-feira
Tenho que ser sincero e dizer que não li ainda nenhum livro de Mia Couto,mas fiquei bastante curioso e prometo que quando for possível lerei um livro seu!
ResponderEliminarBjs Zé Al
Também eu gosto desse autor
ResponderEliminarque prestigia a nossa língua.
Saudações
Já agora (usando o título do famoso livro de Almeida Santos), não resisto a recomendar, muito vivamente, duas obras que li durante este ano sobre Moçambique: "A ÁRVORE DAS PALAVRAS" de Teolinda Gersão; "ERA UMA VEZ... MOÇAMBIQUE" de Curado da Gama. Dois testemunhos que muito dirão a todos que conheceram verdadeiramente aquela terra.
ResponderEliminarJá agora, apesar de ser anónimo, poderá dizer-me aonde posso adquirir essas obras? Estou deveras interessada pois como reparou sou moçambicana. Obrigada pela sua visita. Graça
ResponderEliminarOlá,
ResponderEliminarGraça,
Sem pretender substituir-me ao leitor “Anónimo”, digo-lhe:
i)Eu ainda não li “A Árvore das Palavras” – mas está aí, numa das estantes…
ii)Da Teolinga Gersão, há cerca de 10 anos (logo após a primeira edição) li “Os Anjos” - um pequeno livro (pequeno, porque de poucas páginas) que é sem dúvida um dos mais belos da literatura portuguesa. Eu não sei quantos exemplares ofereci, mas sei a quem…
iii)Consulte o “site” da autora:
http://www.teolinda-gersao.com/
e obterá também a informação que pretende
Olá Graça:
ResponderEliminarCom todo o gosto, aí vai a informação: "A Árvore das Palavras" publicado pela Sudoeste Editora, e o outro, pela Quimera Editores Lda. Adquiri-os na FNAC.
Tive o livro "Já Agora!" do A. Santos, comprado em L.M. no ano de72 aquando da sua publicação mas, como tantíssimas coisas, por lá ficou...
Anónimo e Duarte
ResponderEliminarObrigado pelas informações. Lá vou eu amanhã a correr para a Fnac. Qualquer dia monto lá tenda à porta...Graça
Olá Graça bom dia:
ResponderEliminarMia Couto, nascido na linda cidade da Beira em 1955 e que segundo agora ele exerce a profissão de Biologia.
Gosto muito de seus poemas, mas que até agora ainda não li qualquer livro dele que pelo que já li ele tem vários romances editados, ganhou vários prémios, etc..
Este seu post está muito bom e com uma bela imagem no fundo.
É bom saber-mos de tudo um pouco, embora que através de outras pessoas é sempre salutar.
Mais uma vez o nome desta tão linda cidade da Beira que adorei conhecê-la, onde depois de lá segui para Nampula outra linda cidade que foi construída em 10 anos e que por lá estive 2 anos onde passei momentos maravilhosos.
De quem veio de lá recentemente e que comigo falou sobre como esta cidade agora está, nada se compara ao tempo em que lá estive, pois por lá abunda muita miséria, doenças e uma cidade triste e desfigurada em relação ao que era antes, isto um relato de quem de lá veio à pouco.
Eu ainda não perdi a esperança de um dia poder voltar a Moçambique pelo menos para ver de novo aquele país que tanta saudade me deixou.
O tempo o dirá, a ambição não falta porque está cá dentro com grande orgulho.
Bjos, felicidades lhe desejo no novo dia.
Alô Migá:
ResponderEliminarNão compres o livro "A Árvore das Palavras". Eu tenho um exemplar oferecido e autografado pela autora(!)que terei muito gosto em emprestar. E gostei tanto, que me apressei a comprar um outro livro dela intitulado "A mulher que prendeu a chuva". Fica também à tua disposição.
Mumhamade:
ResponderEliminarQue maravilha! Assim poupo umas coroas que posso gastar noutros livros!! Isto é que é um vício...Não conheco esse livro "A mulher que prendeu a chuva". Agradeço o empréstimo dos dois... Kanimambo. Migá
Olá Graça.
ResponderEliminarantes de mais,obrigada pelo teu registo na minha Terra de Encanto. Obrigada pelas palavras amigas e pelo incentivo. Ainda não dediquei tempo suficiente ao blog; agora, de férias, tenciono enriquecê-lo.
De Mia Couto, ainda li pouco. Ele esteve em Coimbra, recentemente, numa sessão de autógrafos. O que me agrada é a forma como cria e recria de forma permanente as palavras. Deste-me vontade de saber mais.
Obrigada também por isso.
Beijo amigo
Susana
Gosto da ideia de afinar silêncios...
ResponderEliminarAbraços
Graça...
ResponderEliminarMia Couto, um dos meus preferidos! E não foi por ter estado em Moçambique!!!!!!
Beijos...
Juntos, fizemos mais uma página deste blog. Obrigada a todos. Um abraço Graça.
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