Os meus poetas não são apenas aqueles que ganharam fama e se “libertaram da lei da morte”… São também os outros (e são tantos…) que seguiram outros caminhos e, quase no anonimato, foram luzes na paisagem humana da vida. São caminheiros das palavras, às vezes cansados e tristes mas que encontraram sempre na poesia um lugar para abrirem a sua alma e deixarem correr como um rio, sentimentos, dores e alegrias! Não sei se o Henrique chegou a publicar algum livro. Desconheço. Mas sei que, em vários periódicos moçambicanos, deixou poemas seus como marcos de um caminho diferente, muito dele. Também na “Folha de Côco” alguns dos seus poemas tiveram a visibilidade que mereciam, como é o caso deste “Batuque”, poema premiado com o 1º Prémio do Concurso do Rádio Clube de Moçambique (de Lourenço Marques) “Poetas de Moçambique” e declamado aos microfones daquela emissora, pelo escritor Agostinho Caramelo. Este teu Batuque, Henrique, tem cinquenta anos! Acredito que a negra Malua continua na serra de Tumbine, agora feliz para sempre com Tandir. Fisicamente já não estás entre nós mas a tua alma, essa, nas noites de luar, dança ao som de um batuque que os ventos perfumados das plantações de chá lançam num céu limpo e estrelado, território sem fronteiras, onde todos aqueles que partiram se encontram e dão-se a conhecer na sua autenticidade. Talvez, hoje, sejas tu a declamar este poema para todos eles, e as estrelas brilharão mais e os homens sentirão que a noite se tornou numa luz diferente.
“…No cume da serra Tumbine, região do Milange, há uma figura estranha, talhada na pedra negra da serrania, a que, a auréola branca do nevoeiro empresta um toque místico de Divindade. Dizem os velhos que é Malua, a virgem negra, que um dia a serra subiu e não voltou…”
Batuque
Na Imensidão da noite,
Longe, muito ao longe,
O som lúgubre do tambor ecoa…
Projecta-se no ar…
E corre
Salta
Voa
E num lamento profundo pelas negras terras se espalha…
Que novas trará?!
Será festa o seu significado?!
Quiçá uma dança de noivado,
O “muene” que está quase a morrer?!
Ou será guerra?!
Ou ainda a chuva, que na serra
Despontou
P’rá “machamba” não morrer!
E os negros dançam… e dançam…
À luz rubra das fogueiras
Seus corpos brilham p’lo suor,
Contorcem-se
E saltam… e saltam… e gritam,
No prazer da dança
No prazer do amor!…
Só Tandir não dança…
Nunca mais dançará!…
Distante e pensativo,
Olhos fitos na palhota de estuque
Pensa na negra Malua.
Que p’ra calar a cólera de Tumbine,
Deus da Serra
Ao som demoníaco do batuque
P’ra ele irá subir!
Esbelta e nua
A noiva de Tandir
A escultural Malua
E o ritmo soa agora mais forte,
Foge em disparada,
E ao negro distante vai anunciar
Que a hora da sacrifício chegou!…,
Tumbine espreita
Tumbine não dorme
E indiferente a Tandir,
Um riso macabro no seu rosto enorme,
Lá do alto chama Malua,
Que esbelta e nua
A serra subirá
P’ra ele a possuir!…
………………………………
Rompe a madrugada…
O tambor há muito se calou
Malua a serra já subiu
Seu corpo d’ébano Tumbine possuiu
E arrebatou sem piedade
P’ra toda a eternidade!…
Mas Malua não foi só!…
Tandir
Não resistiu à suprema dor da despedida!
Sua alma voa pelo espaço,
Unida à de Malua num abraço
Estranho e Forte…
Como a própria Morte!…
Quelimane, Outubro de 1959
- Lenda do Alto Zambeze
Batuque
Na Imensidão da noite,
Longe, muito ao longe,
O som lúgubre do tambor ecoa…
Projecta-se no ar…
E corre
Salta
Voa
E num lamento profundo pelas negras terras se espalha…
Que novas trará?!
Será festa o seu significado?!
Quiçá uma dança de noivado,
O “muene” que está quase a morrer?!
Ou será guerra?!
Ou ainda a chuva, que na serra
Despontou
P’rá “machamba” não morrer!
E os negros dançam… e dançam…
À luz rubra das fogueiras
Seus corpos brilham p’lo suor,
Contorcem-se
E saltam… e saltam… e gritam,
No prazer da dança
No prazer do amor!…
Só Tandir não dança…
Nunca mais dançará!…
Distante e pensativo,
Olhos fitos na palhota de estuque
Pensa na negra Malua.
Que p’ra calar a cólera de Tumbine,
Deus da Serra
Ao som demoníaco do batuque
P’ra ele irá subir!
Esbelta e nua
A noiva de Tandir
A escultural Malua
E o ritmo soa agora mais forte,
Foge em disparada,
E ao negro distante vai anunciar
Que a hora da sacrifício chegou!…,
Tumbine espreita
Tumbine não dorme
E indiferente a Tandir,
Um riso macabro no seu rosto enorme,
Lá do alto chama Malua,
Que esbelta e nua
A serra subirá
P’ra ele a possuir!…
………………………………
Rompe a madrugada…
O tambor há muito se calou
Malua a serra já subiu
Seu corpo d’ébano Tumbine possuiu
E arrebatou sem piedade
P’ra toda a eternidade!…
Mas Malua não foi só!…
Tandir
Não resistiu à suprema dor da despedida!
Sua alma voa pelo espaço,
Unida à de Malua num abraço
Estranho e Forte…
Como a própria Morte!…
Quelimane, Outubro de 1959
Em Outubro de 1959 eu vivia em Gouveia, no sopé da Serra da Estrela, numa casa com um jardim de memórias infantis que foram recentemente (há dois ou três anos) derrubados. Menos de vinte anos depois, eu vivia em Quelimane, onde partilhámos as (des)venturas do Rio dos Bons Sinais.
ResponderEliminarPela primeira vez, eu oiço falar (em rigor, leio um poema) do poeta que cita – Henrique Guerra. Mesmo nas longas conversas que tinhamos sobre as vozes moçambicanas, e falámos de muitas, nunca o Diniz me falou do autor de “Batuque”. E também não sei nada sobre a “Folha de Coco”.
O mesmo não acontece em relação ao “escritor” Agostinho Caramelo – que, se a minha memória ainda funciona, terá no início da década de 70 publicado um ou dois romances que não comprei (e por conseguinte) não li. Por opção.
Proponho-lhe: diga-me (diga-nos) mais sobre o Henrique Guerra, sobre a “Folha de Coco” e conte-nos – insisto: peço-lhe- A(s) Lenda(s) do Alto Zambeze.
………………
PS: Gosto da fotografia do campo de chá de Milange, na fronteira com o Malawi. Uma cidade onde festejei – solitariamente, no restaurante da Estalagem (de Sto. António?) – o meu 24º aniversário. Cidade onde também vi (e vivi) um dos momentos mais tristes da minha vida pesoal, enquanto (então) cristão: na Igreja, nova, duas alas: numa, a população branca, na outra a população preta. A minha memória é frágil mas não esquece os factos importantes…
Graça, não conhecia África, agora conheço-a por ti!
ResponderEliminarQue beleza, a forma como descreves, como retratas, como sentes, a terra que amas.
Quanta nostálgia, quanto encanto, nas tuas palavras, nos poemas que trazes...
Igualmente tenho paixão pela minha terra, pela minha aldeia! Quem nasceu numa cidade, não sabe a poesia que existe naqueles montes e vales,nos tapetes de mato agreste, nas fragas - altares de xisto -, nas águas puras e virginais, naqueles santuários do meu deslumbramento.
Ambos amamos o belo!
Um beijo
Carlos Gonçalves
Um beijo
Graça. Estás, a cada dia, fazendo com que me encante mais e mais com este país maravilhoso que é Moçambique, com sua gente, com sua arte, com sua luta. Tuas mãos, tão gentis, tem me levado a conhecer esta terra que amas com tamanha intensidade. Contiunues a me conduzir. Me leve a esta terra, me conte seus segredos, a luta da tua gente, as letras das tuas artes. Saiba que conquistas, cada dia mais, um brasileiro que tem sede de te aprender...
ResponderEliminarBeijo
Durante os anos da minha meninice, foram os ecos dos batuques vindos da "Temba" e o rumorejar das palmeiras que via da janela do meu quarto, a minha canção de embalar. Depois, mais velho, presenciei-os um pouco por todo o lado, atingindo o clímax indescritível num batuque ritual para uma cerimónia de circuncisão em Cabo Delgado, durante a "guerra colonial". Hoje, quando ouço os sons ritmados, frenéticos e telúricos da "Sagração da Primavera" de Stravinsky, é àqueles batimentos rústicos e primordiais que me transporto. Aliás, há alguma afinidade entre os dois temas - do 'teu' batuque e o daquela obra!
ResponderEliminarAnónimo:
ResponderEliminarA minha memória avivou-se mais com o teu comentário. Realmente o batuque foi sempre música de fundo das nossas vidas... Quantas vezes, com o pai procurávamos entender a sua mensagem porque, para um leigo, a toada é sempre igual mas, para os ouvidos experimentados do pai (anos e anos no interior do mato) ele decifrava os sinais: de contentamento, alegria ou de tristeza e luto..
A comparação que fazes do batuque a "Sagração da Primavera " de Stravinsky, está óptima!
Embora não conhecendo o autor do poema,verifico que para aqueles que viveram em África lhes deve tocar bastante o coração este belíssimo poema!Nos dois anos apenas que passei em
ResponderEliminarÁfrica nunca poderei esquecer a magia do batimento dos batuques pela noite dentro e as danças ao seu son!
Não conheço Moçambique, embora estivesse muito perto da fronteira, quando visitei a África do Sul...
ResponderEliminarEstive em Angola e, por isso, sei do que estás a falar...
Beijo.
António
Graça
ResponderEliminarÉ isso o mar para nós é especial deixo um beijinho e boa semana também para ti...
10 de Agosto de 2009 21:41
BATUQUE
Batuque …
Na sanzala…
Ao redor da fogueira…
Todos sentiam…
O som do batuque…
Que lá longe…
Gemia…
E chamava…
E todos corriam…
E lá …
Na sanzala…
Ao som do batuque…
Novos e velhos…
Pretos e brancos…
Dançavam...
E batucavam…
E sentiam…
O gemer dos tambores…
O grito de dor…
E sabiam…
Que amanhã…
Voltariam de novo…
Porque o batuque…
Estava dentro...
Das suas almas….
Lili Laranjo
Lili
ResponderEliminarGostei também e muito do "teu" batuque. Talvez os sons da batuque da entrega de Malua, tenham chegado até aí e já se tenham propagado entre aqueles que entendem este ritmo... Um beijo Graça
Não conheço África mas tenho muitos amigos que vieram de lá e todos falam no sortilégio daquela terra. Gostei do poema e da foto sobre a plantação de chá, lindíssima|
ResponderEliminarMais do que sentir a historia aqui dos personagens....me fez voltar as minhas raizes...a minha terra..com meus avos...com meus tios e primos...com a minha terra vermelha e quente...ladeados de arvores majestosas cheias de mangas...que chupava com sal...ler este poema me levou para minhas historias...para meu seio que hoje esta a distancia mais que carrego sempre em meu peito aonde eu for...
ResponderEliminarAdemerson Novais de Andrade
Muito bom o seu blog. É um espaço brilhante e rico em cultura. Já sou um seguidor, quero viver aqui.
ResponderEliminarVou te add aos meus favoritos.
abraços
Hugo
Olá Graça;
ResponderEliminarQue maravilha você me fez descobrir por aqui, os belos contos e poemas da África, Continente berço da humanidade.
Acredite Graça, que me correu pelas veias um calor terno do sentimento sincero que nutro por Moçambique.
bjs e por cá, certament voltarei,
Osvaldo
De tudo ficaram três coisas...
ResponderEliminarA certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar...
Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!
Fernando Sabino
Hoje passei pra deixar um poema para refletir e desejar uma semana linda com muito amor e carinho.
Abraços.
Minha querida
ResponderEliminarTem o dom da generosidade.
Atraves de ti conheço pessoas,poemas,historias e um pais tão lindo e cheio de cores e sabores e gentes.
muito grata
com carinho
Denise
Parabéns Zambeziana, pelos 36 seguidores!! Ainda não é uma 'igreja', mas é já uma 'seita'!
ResponderEliminarUma beijoca
Munhamade
ResponderEliminarPara formar a Igreja, só foram precisos doze!!
Achei graça à tua citação. Beijos Migá
Para formar Igraj só foram precisos doze! Achei graça à tua citação. Beijo Migá
ResponderEliminarEste poema consegue ser intenso e belo, amei ler!
ResponderEliminarbeijos, boa quinta-feira
Faz muito bem lembrar aqueles que deram,
ResponderEliminarou têm dado, o seu valioso contributo
à poesia de expressão portuguesa.
Cumprimentos meus
FICO MUITO FELIZ COM A SUA VISITA EM MEU BLOG.
ResponderEliminarHOJE PASSEI BEM RAPIDINHO PARA AGRADECER A SUA LINDA VISITAE COMENTÁRIOS...
NÃO POSO FICAR MUITO TEMPO, E TENHO MUITOS AGRADECIMENTOS AINDAS, PARA FAZER.
QUANDO MEU PC, ESTIVER DE NOVO FUNCIONANDO BEM, TUDO FICARÁ MAIS FÁCIL..
UM GRANDE ABRAÇO E BEIJO.
SANDRA
Graça,a mesma chuva que te inspirou,me levou a garimpar ocê,a Deus agradeço sorte essa,de poeta de fibra,historiadora de rincões seus e mulher escriba infinita conhecer,me honrará seguidores nos tornarmos!
ResponderEliminarbzu mãos suas,
Da Vida Escriba!
Viva Vida!
Venho apenas agradecer as visitas e os lindos comentários e fazer uma pergunta.Já reparei que tem práticamente os mesmos gostos,tanto em livros como em filmes,a pergunta:O Fiat 500 que aparece na foto é seu? É maravilhoso!!!!!!!!!
ResponderEliminarZé Al
ResponderEliminarSe tenos o mesmo gosto nos livros e nos filmes, é sinal que temos "bom gosto"!! Quanto ao Boguinhas (Fiat 500) é meu..ou antes, era meu! Encheu-me de orgulho quando o comprei com o meu primeiro vencimento. Esteve nas minhas mãos 10 anos!! Na altura da independência (Moçambique) " vendei-o".. é isso mesmo! Tive pena de não ter "feito um esforço" e tê-lo trazido comigo mas, na latura, era muita confusão... Já estou como o Malato..." Fui muito feliz no meu "Boguinhas"!! Abraços Graça
Os meus poetas são aqueles que, conhecidos ou não,em verso ou em prosa, me conseguem emocionar.
ResponderEliminarÈ o seu caso minha amiga.
Verdade e sem favores....
Um beijo
POTT
Nas noites da minha infância...lembro-me que
ResponderEliminarespecialmente de sábado para domingo, as batucadas eram eram como canção de embalar para mim...e como era gostoso para mim caso acordasse,continuar a ouvir o batuque...sentia-me acompanhada!
Parab´ns Graça por tudo, agora também pela música que ´´e supinpa! Bjs Paula
Nao conhesia poema seu sao muitos tocantes mexen co os sentidos vou passar seu blog para meus amigos.
ResponderEliminarSucesso
Um abraço!!!