Quando se tem quinze anos somos uma mistura de mulher com bastantes resíduos ainda de criança, cuja pele não se conseguiu largar completamente, como fazem as sardaniscas.
Há ainda gargalhadas muito sonoras, como pequenas campainhas, perante coisas tão simples como o nascimento de seis bolinhas de oiro, atropelando-se à volta da mãe-galinha. Fascinada pela vida que surgira, atirava feliz uma mão bem cheia de milho.
Mas é também a idade de variações de humor, rápidas e sem explicação: à explosão de alegria, seguem-se silêncios emotivos, sonhadores e melancólicos. Uns e outros por vezes até angustiantes. É o processo de crescimento!
No colégio e nas aulas, enquanto a freira ia explicando a matéria, eu deslocava-me rapidamente para as nuvens, enquanto a minha mão enchia o caderno de pequeninos corações alados, como asas de um anjo, talvez mesmo do Cupido. Num deles, punha o meu nome e no outro… ficava o Amor, ainda sem nome! Foi aqui que me apaixonei pelos sonetos de Florbela Espanca.” Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui…além…”
Absorta, ouvia a voz da minha colega perguntar-me insistentemente:
- Quando é que esse coração tem um nome?
- Ainda não sei, mas prometo que serás tu a primeira a saber!
Péguy (escritor francês) dizia: ”Quando uma palavra de criança cai, como uma fonte, como um sonho, como uma lágrima num lago - homens e mulheres é a vossa antiga alma de criança que passa”. Sim, sentia como uma brisa suave, quase um murmúrio, que a minha alma de criança começava a ter outros contornos. Tantas coisas que aprendi da vida, esquecendo tantas outras…
Certo dia chegou a Quelimane um forasteiro! Não um forasteiro qualquer… Alto, bonito, um “pedaço de mau caminho”… um Adónis!
Numa cidade pequena onde quase todos se conheciam, pelo menos de vista, aquele “milagre” enchia os olhos e os corações das jovens como eu. O colégio inteiro (a parte feminina, é claro) andava agitado, interrogativo: quem seria? Qual o seu nome? Viria para ficar? O que fazia?
Tenho a certeza que as notas, nesse período, desceram todas! A minha colega, que tinha um irmão que já trabalhava, prometeu-me que ele iria descobrir tudo sobre o “Adónis”. Os intervalos passaram a ser momentos propícios à nossa “investigação”. Isolávamo-nos das outras. O tempo fortificava cada vez mais a nossa amizade (que dura até hoje…). A ...... passou a suspirar comigo! O meu coração batia desordenado, inquieto, por não saber o nome do meu príncipe… O ritmo dos corações desenhados era agora mais intenso. Dos cadernos passaram para os livros…
Um dia, a ...... esperava-me na esquina do colégio, agitando um papel.
- Que aconteceu? Sabes alguma coisa? - Perguntei ansiosa.
- Nem vais acreditar! - Respondia a ...... arfando de emoção.
- Desembucha, antes que me dê um ataque!
- Então cá vai: ele vai entrar numa revista que vai ser exibida no Águia no próximo mês. Andam a distribuir estes panfletos por toda a cidade - E mostrava-me triunfante um papel alaranjado. Li com avidez o elenco, um enorme rol de artistas.
- Como é que vou descobrir qual é o nome dele no meio destes todos?
- Acalma-te um pouco! Vamos por exclusões de partes. Afinal, há aqui muitos que nós conhecemos.
Achei a ideia excelente. Santa inocência… Mas havia beleza em tanta ingenuidade. Os nossos gestos tinham o seu próprio valor.
Da lista, sobravam-nos três nomes desconhecidos: Manuel ......, José ...... e Eduardo Luís.
Não pude evitar um suspiro: desde manhãzinha que eu sentia que se aproximava qualquer coisa importante.
- Com aquela figura não pode ter um nome vulgar. É isso: ele é o Eduardo Luís!
- Achas? - Perguntava a ...... timidamente!
- Não tenho qualquer dúvida. Fecha os olhos e “percorre-o” todo… está-se mesmo a ver: Eduardo Luis! Qual Manel ou José… demasiado vulgares.
Estava feliz! Finalmente o meu coração vazio ia ter um nome. Febrilmente, corri os cadernos e os livros, escrevendo sem cessar: “E.L. E.L.”…
- Queres ajuda?
- Não, seria uma traição! Tem de ser com a minha mão. - Estava demasiado comovida para aceitar qualquer outra sugestão.
Na semana seguinte, a ...... disse-me que o irmão já nos tinha comprado bilhetes para o teatro e na fila da frente como eu tinha pedido. Iria ficar sem toda a mensalidade… paciência, o amor vale todos os sacrifícios.
O dia tinha estado baço e triste mas a noite veio expulsar todas essas cores. Na sala a inundação de luzes e de gente ansiosa impedia que fosse verdadeiramente noite. O meu coração bateu mais depressa, as mãos suaram e senti um frio na barriga, quando, por detrás das cortinas soou uma voz, dizendo: “Recebam com um forte aplauso o apresentador do espectáculo… Eduaaaaaaardo Luuuuuuís!
- É ele, é ele! – Exclamei, agarrando-me ao braço da minha amiga.
As cortinas, pesadas, abriram-se lentamente e, no meio do palco, surgiu um homenzinho anafado, careca, de lacinho, usando óculos de tartaruga.
- Não, não pode ser… – Disse sem pinta de sangue.
Afinal, o meu “Adónis” era um vulgar Manel… dos anzóis.
Quando cheguei a casa a minha mãe perguntou-me:
- Gostaste do teatro?
- Nem me fale! Vou vestir o pijama e vou para o quarto fazer os deveres. - Disse furibunda.
- A estas horas? Já é tão tarde… Não é preferível acordares mais cedo amanhã?
- Não, não. Isto tem de ser feito hoje, senão não durmo descansada!
Pouco tempo depois, no silêncio da casa, só se ouvia o ruído de papéis a serem rasgados. Sufocada por lágrimas de raiva, adormecia o meu primeiro desgosto de “amor” na minha almofada cor-de-rosa!
Belo...texto viu...
ResponderEliminarabraços
amigo, Hugo
Olá Gracinha do Carreiro Mágico...
ResponderEliminarAssim como surge o primeiro amor na nossa vida, também surge,inevitavelmente o nosso primeiro desgosto de amor.
É pena,mas nesse momento o amor é uma grande desilusão, um desencanto,e para quem o sofre a palavra amor não significa mais nada. Entendo esse senimento mas não acredito na sua duração...Não passam de desgostos"fim de semana"..
Um beijo
A ilusão e a desilusão fazem parte do "pacote" dos quinze anos, Graça! É muito bonita a maneira como recordas estes tempos. Eu andava doida com os Beatles. Se houvesse a mais pequena parecença, ficava logo apaixonada. lol
ResponderEliminarBeijinhos. Tá-tá
Bela narrativa com alma.
ResponderEliminarE também assim se cresce.
Abraço
Tem um jeito fantástico para contar histórias,gostei imenso desse seu jeito de nos mostrar os amores de uma adolescente.Com então meu nome Zé era um desencanto para jovens,não notei muito nos meus tempos de juventude!
ResponderEliminarBjs Zé Al(após a leitura do texto estou pensando mudar para outro,preciso de ajuda!)
Tanto se sonha nessa idade, e também tanto se sofre, como dizes é a idade em que nem meninas nem mulheres
ResponderEliminarbeijinhos
A idade de todos os sonhos...
ResponderEliminarUma narrativa que nos envolve e nos seduz.
Adorei as imagens seleccionadas.
Um beijo
Linda Amiga!
ResponderEliminarVim agradecer as visitas em meus blog.
Vc. é maravilhosa.
Amigos vem e não precisam de convites.
Fico muito feliz, quando as portas do meu blog e encontro vc. lá.
Amigod nos fortalecem.
Venha sempre.
Com muito carinho
Sandra
Voltei à minha juventude com o tema de hoje...o primeiro cigarrito às escondidas, as paixões assolapadas, as noites sem dormir...Saudades de um tempo que foi bom. Obrigado por mo recordar. Antunes
ResponderEliminarOlá
ResponderEliminarQue maravilha os teus escritos! sinto-me envolvida na leitura...quase me revi nas paixões dos meus 15 anos.
beijinhos
Ah, meus quinze anos...
ResponderEliminarÉ muito legal 'descobrir o mundo' nessa idade. E aqui temos um belo exemplo disso.
Um beijo, Graça!
Ah, a tenra idade, a tenra idade!...
ResponderEliminarlinda também a imagem da galinha e dos pintos.
Bjs
:) abraxo molto grande
ResponderEliminarAh! Quanta pureza, quanta ingenuidade nos olhos, no coração de uma menina, uma criança de 15 anos. Quanta doçura nesta mulher que hoje recorda tudo isto e, certamente feliz, escreve com tanta paixão cada detalhe de seu passado. Adoro vir aqui e ler passagens tão interessantes de tua vida. Só não entendo porque não escreves um livro...
ResponderEliminarBeijo
Rangel
Rangel
ResponderEliminarObrigada peo teu carinho e amizade.Estou defaco escrevendo um livro, quase no ser tésminus.Depois haverá a burocracia destas coisas...é como dar à luz um filho, há sempre um risco! Mas acredita que, meste momento é o que mais desejo. Um beijo grande Graça
Quem era esse Eduardo Luis que não me lembro nada dele... E o "bonitão", pode-se saber? Monhé!
ResponderEliminarO Eduardo Luis acabou por sr (não sei se nessa altura já era) o Director do Enissor Regional de Quelimane. Mais tarde, trabalhei com ele e fui muito sua miga, curioso! O Outro, era "ave de arribação" julgo que administrativo, era o José ou o Manel, agora já não me recordo. Esteve pouco tempo por lá... Um abraço Graça
ResponderEliminarGraça,
ResponderEliminarLer-te é uma delicia!
Um bom fim de semana
Beijos...
olá, Graça!
ResponderEliminarme deliciei lendo este conto, levou-me aos meus 15 anos, cheia de ilusões, como todas as meninas, o tempo passa mas, as lembranças ficam guardadas no coração como doces momentos.
bjkinhas e lindo final de semana
É engraçado como os 15 anos podem ser tão diferentes de pessoa para pessoa, de geração para geração, de país para país. Os teus 15 anos de doce primeiro amor, de fantasia, de sonho, foram tão diferentes dos meus. Tiveram uns anitos de diferença, é certo, mas muito mais os separa em termos de ideias que nos cruzaram a mente, o brilho no olhar talvez, a forma de se ver o mundo, os outros, sem dúvida. E o que dirão os que têm 15 anos agora? Esperarão à janela pelo são João Ratão, chame-se ele Eduardo Luís, Zé ou Manel?
ResponderEliminarTalvez a única coisa em comum seja mesmo o pensar-se que, aos 15 anos, o mundo é a nossa concha, o nosso playground, somos o centro da realidade que nos toca, e tudo o resto é... pouco importante.
mac
Mais um pormenor, de somenos importância dirão alguns, mas que para mim que simplesmente adoro números, estatísticas, fórmulas, tem significado inegável. Parabéns pelas 20000 visitas! Mais um feito de que te deves orgulhar...
ResponderEliminarmac
Texto magnifico numa incursão prodigiosa ao templo do passado.
ResponderEliminarAssim vale a pena ler... e escrever!
Quem tem alma grande vale sempre a pena!
Excelente texto !
ResponderEliminarA inocência das crianças é uma coisa maravilhosa...!
Bom fim de semana
Rui
Adorei o texto, voltei a minha infância... lembranças que não perdemos com o tempo, frustrações ingênuas, a inocência é realmente linda... Deixo meu carinho, espero que seu fim de semana seja óooooootimo... bjs flor
ResponderEliminarMônica, a Giulia tb mandou um grande beijo..kkk
Um texto de uma beleza sem par pela inocência própria da idade. E como batia o coração de tanta emoção como a querer saltar do peito.Bjo
ResponderEliminarGraça se gostavas de me ler adiciona-me perdi todo o meu blog enexplicavelmente. Simplesmente desapareceu.
Bonitas as histórias.
ResponderEliminarAbraço
Kotta
ResponderEliminarMal li o seu comentário, tentei deixae no seu blog a minha mensagem que, não sei se foi editada e agora não ne vou repetir. Depois diga-me algo. Fiquei triste e imagino como ficou, perder tudo e, principalmente os comentários dos amigos. Nas ânimo vêm aí mais dias de sucesso e os amigos cá estão para a aplaudir. Um forte abraço Graça
Passar por aqui, é encher-me de uma prosa poética, simples cono são sempre os 15 anos. Consigo visualizar o que escreve por isso, é que os seus textos me enternecem. Abraços.Dominó.
ResponderEliminarSereno reconto de uma fase da vida que, apesar de bela, é tudo menos serena. Mas a recordação dos doces anos fica para sempre. E tu contas tão bem um episódio gravado na memória, que é sempre com prazer que venho ler-te. Beijo
ResponderEliminarSusana
Tudo se resume na frase "qdo se tem quinze anos", é um encontro cheio de ilusões com a vida.
ResponderEliminargrande beijo e ótimo fds prá vc!
Obrigada pela tua visita e também gostei muito desta palhota...e voltarei, sem dúvida, mais vezes. Tem tanto que ler que tem de ser com calma:) Esta história é muito querida mesmo. Nada a ver com os meus precoces quinze anos...em que já namorava "a sério" há mais de um ano. Fossem todos os desgostos de amor assim tão passageiros...
ResponderEliminarbeijinho
Boa semana !!
ResponderEliminarRepartir suas alegrias
é como espalhar perfumes sobre os outros:
sempre algumas gotas
acabam caindo sobre você mesmo!
abraço