Hoje fiquei comigo. Hoje fiquei com a minha alma e os meus pensamentos. Por vezes, gosto de ficar assim – abrindo e fechando as portas e janelas das minhas certezas ou incertezas, das minhas recordações espalhadas pela estrada que já caminhei. Como se faz no computador: clicando aqui e acolá à procura de coisas. Hoje dir-se-ia a pesquisar… Mas não! O que hoje fiz foi reconstruir um tempo que já passou pela ampulheta. Antigamente, a areia levava o seu tempo a escorrer mas, à medida que os grãozinhos vão sendo menos, ela esgueira-se que nem uma enguia nas mãos do pescador. Por isso, hoje fiquei comigo, relembrando tempos de menina, companheiros e amigos da minha infância e juventude, os velhos lugares dos acontecimentos, a Casa, a Escola, o Colégio, as professoras, as ruas, as praias… E não se pense que é tempo perdido. Quem assim julga, engana-se! Todas a vezes que recuo é para avançar sempre. Nestes passeios que dou comigo faço uma espécie de contabilidade. Levo pois uma pequena balança e vou colocando nos pratos as alegrias e desilusões. É também um modo de me conhecer melhor. Analisar as minhas reacções e capacidades perante ondas diferentes do tempo. Antigamente não havia os GPS e talvez fosse mais difícil avançar por caminhos desconhecidos e perigosos. Mas constato que isso não é verdade. Talvez fosse da limpidez do firmamento, da vontade de avançar, de descobrir ou da harmonia entre os meus pensamentos e atitudes, não sei… A verdade é que houve um tempo que foi muito mais fácil de percorrer. Vivo então uma espécie de encantamento neste encontro comigo e com a vida. É como se andasse de comboio e saísse numa estação qualquer… ao acaso!
Tinha onze anos e pisava pela primeira vez os degraus do colégio. Era uma caloira, em tudo. Olhava os veteranos com respeito e admiração. Eram para nós, os caloiros, os nossos pequenos ídolos. Havia craques em todas as áreas: na natação (o João Godinho e a Regina Veloso, atletas olímpicos), no futebol (o Carlos Serrano) no basquetebol – loucura, loucura – (Rui Isaías, Leonel Costa, Juca, Queirós, César, Fernando… e tantos outros) no teatro, na música… nós ficávamos permanentemente deliciados. Éramos a geração a seguir e respiramos esta alegria verde na partilha da vida. Bebíamos a luz e as tonalidades com que eles pintavam os caminhos e íamos a seu lado, paralelamente, descobrindo o sabor das horas. Foi bom ter crescido com a geração dos anos cinquenta! Hoje, que estive comigo, descobri que toda a força das ondas do mar, dos ventos, a grandeza do céu azul nas tardes de desporto, de teatro, de poesia, moldou a minha alma, a minha maneira de ser. Há encontros que traçam uma rota, que fazem estremecer de emoção. Hoje, que decidi ficar comigo neste remexer de lembranças, as respostas foram chegando: a cada momento, a cada presente, só é possível construí-los com o material que trouxemos do passado. E é com o momento de hoje que eu construirei o futuro. Há ainda um caminho a percorrer… Longo, curto, não sei! A única coisa que sei, é que será com estes mesmos valores que eu continuarei a minha caminhada. Hoje que resolvi ficar comigo, vi bem o quanto andei e a dimensão exacta da minha verdade interior. Devagar, devagarinho, fecho a gaveta e, de novo, estou na estrada… até ao fim.
O basquetebol era mesmo uma paixão no colégio, implementada, julgo eu, pela querida Madre Albert que dos seus dois metros de altura começou a treinar esta modalidade muito praticada nos Estados Unidos, seu país de origem. Lembro-me dela arregaçando as saias compridas, mostrando os collants brancos e gritando com a equipa. Do colégio este desporto estendeu-se por toda a cidade.
Por detrás desta foto reza assim: “Ganhámos 20-8”. Penso que teria sido à Escola Técnica, nossos eternos rivais… Leonel Costa, Rui Isaías, Fernando Xavier Martins (de pé). Em baixo: António Pedro Queirós, Camacho e o Dédé.
Os campeões de 1955/56. Havia uma música feita propositadamente para as falanges de apoio cantarem, contra os rivais!
2º Campeonato de basquetebol do colégio, 1956. Aqui, três elementos diferentes do ano anterior: Zeca Santos, César e Victor Xavier Martins.
Não era só de desporto que vivia a geração 50! E as festas? Aqui, já havia alguma mistura com os caloiros, possivelmente irmãos dos veteranos… Tanta gente conhecida!!! Penso que o palco do evento foi o ringue do Benfica (ou será que foi o do Sporting?).
O Fernando Xavier Martins (discursando!?! O quê?). Ao lado, da esquerda para a direita: Luís António, Cordeiro, Pedro Gouveia e Melo, Fernando, e Chico “Saguim”. Por detrás vêm-se as caras da Helena Silva e Ana Rita. À frente a “pequena” Detinha Salgado Freire.
Nota: Todas estas fotos foram-me oferecidas pelo Fernando Xavier Martins. Um querido!
Olá, minha amiga feiticeira...
ResponderEliminarNós sentimentais,quando fingimos chorar,choramos....
POTT
..afinal ainda tenho mais algum tempo,,
ResponderEliminarHá quanto tempo foi que, pela última vez, paraste e te sentaste e respiraste fundo e fechaste os olhos e folheaste o álbum das tuas imagens? Eu quero dizer aquele álbum a que colaste a etiqueta "Coisas Simples". Já não te lembras.
É natural. Depois de tantos temporais, de tantas guerras, de tantos relatos em grito sobre essas guerras e esses temporais, como deves estar cansada. Tão cansada que tens medo de parar. Ou vergonha... Não tenhas. Acredita em mim.
Parar é reconhecer a Vida. Pode acontecer que sintas um leve arrepio. Um estremecimento como se adivinha na relva pela tardinha. Não te assustes. É o sinal de que estás pronta para saborear de novo as pequeninas coisas que havias esquecido.
Foram elas que fizeram de ti uma mulher grande. E continuam ao teu dispor. E gostam que as revejas, de olhos fechados.
Com um sorriso doce. Assim mesmo. Assim...
Desculpe trata-la por tu....apeteceu-me...
POTT
Olá Pott
ResponderEliminar…a “feiticeira” emocionou-se! As feiticeiras choram? Porque não? Afinal o “carreiro mágico” traz afinidades e o gosto pelas “coisas simples da vida”. O poeta nem sempre fantasia, tem também a sua dimensão humana que o faz partilhar a realidade das coisas, sem esquecer o sonho que o impele sempre. Já dizia Lord Byron: “é preciso partilhar para se ser feliz.”
O abraço de sempre
Graça