quarta-feira, 20 de maio de 2009

A Casa


Fica do outro lado do mundo e do tempo também. Rodeada de buganvílias vermelhas que já não existem e debruçada sobre velhas acácias que mal floriam nos diziam que estava próximo o Natal. Chamavam-lhe o “navio” por causa da configuração redonda da sua varanda. Nela vivi quase uma vida. Continua a ser para mim “a Casa”! Posso ter esquecido algumas lembranças mas, da Casa, jamais. Elas persistem como correntes de afecto que me recordam cada cantinho com a sua história, ora entrançada em gargalhadas, ora mergulhada em lágrimas de tantas despedidas. Há cheiros fortes a lembrar doçura e rumores suaves da brisa vinda do rio que dançavam no canto da nossa varanda nas noites mais quentes do ano. Do jardim chega-nos o aroma quase sensual da “rainha da noite”, principalmente quando beijada pelo luar. A minha varanda é como o cais de muitas chegadas e partidas. Ali venho saudar quem passa e quem chega. Ali venho dizer adeus com sorrisos molhados a amigos que nunca mais voltei a ver. A Casa guarda segredos e tesouros de conversas sem fim. Oiço o ruído alegre da festa dos meus quinze anos, o meu desabrochar para o mundo dos adultos. A experiência do primeiro batom e os centímetros a mais dos primeiros sapatos de salto alto. Há um tropel de sonhos novos, desconhecidos, dentro do meu peito. Mas há também uma tristeza de ter crescido num sentimento de quem ainda está fora do compasso. Talvez as cortinas do meu quarto em shantung lavrado, com imagens de fadas e duendes, já não fiquem bem…
Lembro também a angústia daquelas noites apertando-me o coração, olhando com desconfiança as manhãs que tardavam em chegar. E o médico a dizer-me: “prepare-se e ajude a sua mãe. O seu pai tem pouco tempo de vida”. Era o meu primeiro contacto com a morte. Pensara sempre que seriam necessárias muitas delongas para ela chegar. Puro engano! É muito mas mesmo muito mais simples. Ao lado festejava-se o Reveillon no Sporting e eu espantava-me como é que alguém teria vontade de rir e dançar. Entenderia mais tarde que o mundo gira a várias velocidades e nem sempre com a mesma justiça. É assim que nós crescemos e avançamos na vida. O coração da Casa continua a bater dentro do meu peito. E sou outra vez criança e faço o meu presépio e não esqueço a cartinha ao Menino Jesus. E sou outra vez adolescente e tenho os meus cadernos cheios de pequenos corações. E já sou mulher e espero uma aliança de ouro na minha mão ao som da marcha nupcial.
A Casa será sempre “a minha Casa” e ponto final!


10 comentários:

  1. Olá minha verdadeira feiticeira!

    Antes de mais quero dizer-lhe que o seu texto é lindissimo.Consigo sentir as suas emoções.
    Como já uma vez lhe disse,sinto as suas palavras como se tivessem sido escritas por mim.
    Espero que não tenha desistido do seu livro. Seria uma pena.
    Os meus elogios são sinceros,pode acreditar.

    Um beijo.

    POTT

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  2. Amigo Pott
    A sua opinião é também importante para mim e, juntamente, com a força que me foi dada por outros amigos por telefone, carta e emails. vou mesmo avançar com o meu livro. Aliás ele está todo escrito é só revê-lo e esperar pelo acolhimento- Abraços Graça

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  3. Nasci e vivi muitos anos em Quelimane e lembro-me desta casa. Ficava perto do Sporting e de uma casa que vendia tabaco. Eu vivia na rua da Associação Africana, já não me lembro como se chamava.
    Só há poucos dias descobri a "sua palhota". Está muito giro e vou continuar com as visitas. Parabéns.
    Monhé

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  4. a casa agora eh minha...ta bem cuidada..podes vir visitar..as portas estao abertas. bjinhos

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  5. Ao Anónimo

    Fez-me bem este comentário: saber que a "minha casa" (desculpa) está bem cuidada. Se aí fôr gostaria de entrar visitar todos os cantinhos onde fui tão feliz e onde tb perdi o meu Pai! Gostaria de saber o teu nome e manter contacto contigo. Pode ser? Beijinhos.
    Graça

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    1. podes sim fazer uma visita, chamo me samir.

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  6. ola..se quizeres podes visitar avontade.

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  7. Ola Graca
    O texto A CASA tocou me bastante pelo pormenor do relato. Vivo em Quelimane conheco os actuais moradores da casa , sao optimas pessoas. Contigencias da vida , historias como a tua muitas havera herdadas de um passado que nao controlamos, vissicitudes da vida. A tempo tambem dizer que amei o texto sobre a FAE-Feira de Actividades Economicas, as fotos me levaram ao passado bonito que ainda recordo sobretudo revisitando pelas fotografias, hoje o espaco esta irreconhecivel , tornou-se um nercado da Cidade que muito cresceu em densidade populacional. Um abraco fraterno. Faisal

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  8. De tempos a tempos venho aqui e matar saudades dessa linda cidade que foi Quelimane, onde, pouco mais me quedei, por duas vezes,uns três meses. Fui parar a Quelimane por acidente e numa altura bem dificil de minha vida... Pouco interessa contar a razão do porquè... Porém no pouco tempo que aí permaneci fiz amigos e o atrevimento de concorrer para sonorizar a Feira de Actividades Económicas da Zambézia. Um feito! Em Quelimane estava a Rádio Clube de Moçambique que nessa altura queria para a sonorizar 300 contos.Falei com o encarregado da feira (não me lembro o nome, mas de alcunha o "Pepino" e propus: faço a instalação de borla, angario a publicidade e 50% da receita para mim e 50% para a FAEZ. Foi um éxito no primeiro e segundo ano. Amei uma mulher silenciosamente, sem nunca me ter declardo a ela a Gina (Regina dos CTT). Falei algumas vezes e dancei com ela... Não sei se ainda vive... Mas amei a Gina silenciosamente!!! As voltas que a vida dá!!! Vivo na Tailândia há 35 anos, não com a Gina o amor perdido de Quelimane, mas com uma mulher chinesa há 30 anos e me deu uma filha Maria.

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