quarta-feira, 17 de junho de 2009

Muralhas


Construí à minha volta uma muralha de silêncio para que ninguém visse as minhas lágrimas e fechei os meus ouvidos ao sussurro das árvores e ao cantar dos pássaros.
Sentei-me no meu canto e respirei aliviada: estava finalmente protegida. Mas enganei-me. As muralhas não nos protegem, antes isolaram-me de tudo aquilo que eu gostava.
Deixei de ver à noite o céu abrir uma transparente cortina e mostrar-me, como pérolas de um colar, uma imensidão de estrelas.
Deixei de ver os pequenos diamantes contra a luz que observo no chorão do meu jardim pouco depois de ter chovido… Deixei de sentir a magia das madrugadas que nascem com a sinfonia da aurora. Perdi o encanto das conversas sussurradas num café como quem fala de um mistério. O pôr-do-sol nunca mais pintou com tons de laranja a janela do meu quarto porque a muralha que construí era demasiado escarpada e nem a brisa cantarolava como de costume à minha volta.
Recusei-me a continuar de olhos fechados e acreditei que conseguiria voar como as gaivotas. Abri uma fenda na minha muralha e descobri que o mundo continuava o mesmo: insensível à minha dor. Um campo de papoilas anunciava-me que a primavera estava a chegar e o vento que passava pela fresta era cálido, morno como um beijo.
Tinha feito demasiadas despedidas de tudo e de todos e nem por isso me senti mais protegida da dor e da saudade. Era preciso preparar com urgência o reencontro das coisas e das pessoas. Faria com as minhas próprias mãos uma ponte. A ponte une as margens, a muralha isolou-me.
Nada acontece por acaso e tudo tem o seu tempo e é com a mordaça de hoje que amanhã cantaremos vitória acenando-a como bandeira de paz. Compreendi de imediato que seria eu a construir a minha vida e saberia levar o barco a bom porto, desde que soubesse o rumo e tivesse forças para em cada manhã cortar as amarras e partir de novo.
Voar com as gaivotas, saltar de flor em flor com as borboletas e beber em todos os regatos que bordam o verde do meu bosque de Damasco.
Não, não é demasiado tarde para aprender. Basta descobrir que as muralhas nos esmagam e as pontes levam e trazem alegria. Eu acredito que sou capaz de voar bem mais alto que a muralha que construí. O importante é que compreenda que só na partilha encontrarei um rumo novo na minha vida.

6 comentários:

  1. Texto lindo e escrito com sentimento... antes dizer, belo poema :)
    e às vezes é difícil encontrar como partilhar, mas não é impossível.
    Beijinho para si Graça.

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  2. Olá!
    Então companheira?
    Não gosto disso...

    Esqueça as muralhas e cante Ivan Lins


    Começar de novo e contar comigo
    Vai valer a pena ter amanhecido
    Ter me rebelado, ter me debatido
    Ter me machucado, ter sobrevivido
    Ter virado a mesa, ter me conhecido
    Ter virado o barco, ter me socorrido

    Começar de novo e só contar comigo
    Vai valer a pena ter amanhecido
    Sem as tuas garras sempre tão seguras
    Sem o teu fantasma, sem tua moldura
    Sem tuas escoras, sem o teu domínio
    Sem tuas esporas, sem o teu fascínio
    Começar de novo e só contar comigo
    Vai valer a pena já ter te esquecido
    Começar de novo...

    ...e conte também com os seus amigos

    Um beijo

    POTT

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  3. Há instantes assim, em que nos sentimos invadidos por uma estranha incerteza. Noutros instantes, porém, evadimo-nos e vamos por aí, sem rumo.Nem remo…

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  4. Querida amiga.

    Dizes bem, as pontes levam e trazem alegria.
    Como amiga da adolescência, espero poder fazer parte dessa ponte, para podermos ainda partilhar de bons momentos que o futuro nos há-de proporcionar,.

    Em breve enviar-te-ei algumas fotos do nosso tempo de juventude.

    Um beijo

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  5. Querida Amiga
    A ponte, irá ser este blogue que unirá todos os amigos espalhados pelo mundo! Conto sempre contigo. Quando puder irei fazer-te uma visita. Um beijo Graça.

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  6. Graça:

    Passamos muito da nossa vida a construir muralhas ou a arremeter contra muros invisiveis, não deixando portas nas muralhas e não tentanto tornear os muros.
    É uma luta inglória do nosso espírito no desassossego da existência, deixamo-nos aprisionar, de forma voluntária, nas angústias do quotidiano, em vez de procurar a saída, viver o que de belo tem a vida...

    Beijos.

    Carlos Gonçalves

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