Para lerem o texto cliquem na imagem e poderão vê-la com letra legível.

A minha rua era uma rua com muito movimento! Chamava-se José Bonifácio da Silva e eu morava no número 40, primeiro andar! Se atendermos a que, nessa rua, ficavam dois grandes clubes, o Sporting e o Benfica, dois cinemas, a Câmara Municipal (sala da visitas da cidade), o Palácio das Repartições, a Escola Primária Vasco da Gama e várias lojas comerciais de renome, teremos a ideia do corrupio de trânsito de automóveis e de pessoas que zumbia todo o dia, para cima e para baixo, até altas horas da noite, a entrar pela madrugada, com a saída dos cinemas e das esplanadas onde se ia buscar o fresco necessário para o calor da cama.
Gostava da minha rua onde a amizade era céu azul e os sorrisos pequenos pardalitos a oferecerem-se generosamente. Os perfumes cruzavam-se como canções: era a mangueira do lado carregadinha de frutos maduros, as buganvílias de todas as cores e as acácias floridas de sangue juncando os passeios, numa sinfonia misteriosa em que cada nota era uma promessa.
O Cinema Águia.
Os vizinhos do lado e do rés-do-chão eram amigos com quem se partilhava o pão e a palavra.
Os do lado eram praticamente como família, com quem se dividia, nos dois sentidos, a lágrima e a alegria. A senhora tinha sido minha professora de piano durante anos e deliciava-me ver as suas mãos pequeninas como borboletas poisadas nas teclas fazendo vibrar uma Marcha Turca ou o “Voo do Moscardo”.
Todos os resultados de receitas de culinária, experimentadas ou repetidas, cruzavam-se invariavelmente entre as duas casas.
- Vizinha, ó Vizinha! - E a voz um pouco estridente feria os tímpanos de quem passava.
O meu pai, sempre com a sua calma e alguma picardia, dizia para a minha mãe:
- Vai lá depressa à varanda antes que as mangas, abaladas, acabem por cair todas…
A minha mãe, do redondo da nossa varanda, respondia-lhe:
- Estou aqui vizinha, estou aqui!
- Olhe, o Ossane (empregado) foi agora aí levar uma taça de sonhos de abóbora que a Gracinha gosta muito.
- Oh, não é só a Gracinha... gostamos todos e a vizinha fá-los com mão de mestre. Quando puder, há-de me dar a receita.
- Que não seja por isso. Se tiver aí um papel e uma caneta à mão, digo-lhe mesmo daqui.
Já o meu pai ia chegando com um pequeno bloco e uma caneta…
- Ah, estavas a ouvir…
- Mas quem é que não vos ouve? Se não fosse eu alguém da rua viria cá trazer o que precisas, de certeza! - Brincava o meu pai.
- Ora então aponte lá: põe-se a cozer a abóbora na véspera e no dia seguinte tem que a…
- Ó vizinha, não ouvi, passaram agora muitos carros… repita por favor.
E aquilo que podia ser escrito em cinco minutos na casa de uma ou da outra demorava mais de uma hora, com paragens constantes de acordo com o movimento da rua. Mas não havia volta a dar-lhes. Era um ritual que elas cumpriam com fios de paciência a compreensão. Cada palavra dita de varanda para varanda tinha um sabor que se bebia devagar.
Passados dias, o nosso empregado veio dizer à minha mãe que estava uma senhora na sala para falar com ela. Como tinha um atellier de costura, a minha mãe pensou tratar-se de uma cliente. Quando chegou à sala viu uma cara desconhecida que, de pé com um bloco na mão a aguardava. Deve ser alguém recomendado por uma amiga - Pensou a minha mãe.
- Sente-se por favor e diga-me em que a posso ajudar.
A outra, meio abespinhada respondeu:
- Sabe, é que fiquei com os sonhos estragados porque não consegui apanhar a receita toda. Havia muito movimento na rua e eu não percebia completamente o que a sua vizinha dizia… e antes que fique novamente com a abóbora em pedaços…
Sem comentários!!!
Olá Gracita,
Foi difícil andar pelo tempo até encontrar os teus quinze anos! Mas algo me deu a certeza que eras tu… Gargalhadas cristalinas e muitos amigos à tua volta. Não, não podia estar enganada: encontrara a minha alma gémea!
“ Gémea? Mas de que é que esta mulher está a falar? Eu nem a conheço!”
- Conheces, sim!
“Mas agora as cartas falam?”
- Sempre o fizeram mas há muita gente que não sabe ler nas entrelinhas…
“E o que é que dizem essas entrelinhas? Vou ser feliz?”
- Vais. Viverás um grande amor na tua vida. Aparecerão cruzes também, como é evidente… Mas saberás vencê-las porque tu és forte e tens uma arma avassaladora…
“Qual?”
- O teu sorriso, a tua fé, o teu amor aos outros e à vida.
“ E que mais? E que mais? Estou a gostar de te ouvir…”
- O resto, tu vais descobrir nesta aventura maravilhosa que é a vida… como tu dizes!
“ Voltarei a encontrar-te? “
- Claro, sou a tua alma gémea, lembras-te? E ajustar-me-ei a ti como se fossemos uma só pessoa.
“Que bom! Então, nunca estarei só!”
- Não nunca estarás só: nas tuas lágrimas, na tua alegria, nos teus sonhos, nos teus desertos, nas tuas vitórias… eu estarei a teu lado. É só tocares-me…
- Deixo-te um abraço, encontrar-nos-emos em qualquer curva do caminho.
Graça
“Graça?! Alguém me sabe explicar o que aconteceu? É que estou confusa…”
- Blogagem colectiva do aniversário do blog “UM POUCO DE MIM” da minha amiga Elaine Gaspareto.
Preparas-me um café, por favor? Eu sei que andas ocupado, sei que tens reuniões todas as semanas e as contas para pagar. Sei que não tens tempo para fazeres aquilo que mais gosta e sei que não tens gosto para fazer o que te ocupa mais tempo.
(se calhar estou enganada e é disto mesmo que tu gostas…)
Consola-me saber que ficarás feliz quando me vires cá em casa, já não de roupão e chinelas sem sola, sem os rolos no cabelo e a máscara verde para combater as rugas. Gosto que me vejas arranjada. Antes de chegares, danço em roda de espelhos e roupas, da casa de banho para a cozinha. Ponho cremes viscosos, enganosos, e as cenouras a cozer. Visto uma saia preta, debruada a branco e corro até à cozinha para temperar a carne. Cubro-me com uma camisa branca, cheirosa e engomada e acelero para descascar as batatas. Ponho aquele colar, que me deste no aniversário, que brilha sem contraste e derrapo no corredor para ir pôr a travessa no forno a assar. Preparo a salada, corto o tomate e a cebola e descanso, no quarto, em molho e água-de-colónia, para que, quando chegares, não me vejas de avental, nem saibas que as minhas mãos já cheiraram a alho e cebola picada.
Fazes-me uma festa, tesouro? Sei que não te sobra tempo, sei que tens de assinar papéis e confiscar processos. Sei que devias gostar de estar mais tempo comigo e perguntar como correu o meu dia, enterrada aqui em casa.
(se calhar, estou mesmo enganada e é do trabalho que tu mais precisas…)
Quando chegas, a carne está mais rija que o meu sorriso, a cenoura está mais espapaçada que o meu coração e a salada mais aguada que os meus olhos. As velas que tinha acendido para nós, derreteram e, sinceramente, comer um assado a tiritar de frio é um insulto à cozinheira. Eu entendo, não te culpo, sirvo o jantar, a engolir as lágrimas e as palavras que me acodem, teimosas, à boca, tentando disfarçar a faca que já nem tem forças para cortar a carne e o ter que servir as cenouras com uma colher, para não rolarem para a toalha. Faço-te café, conto-te o telejornal, os resultados do clube a que dizes pertencer e faço-te companhia, no sofá, mostrando-me interessada pela papelada que inunda a sala.
Fazes-me uma massagem, ternura? É que, embora não saibas, tenho os pés doridos, doem-me as costas, os olhos e o coração. É que, embora não saibas, também preciso de atenção. É que, embora desconheças totalmente, faz-me falta ser mãe, só porque trabalhas de mais.
Fazes-me um favor, amor? Para a próxima, elogia o meu cabelo, diz que eu pareço mais nova, admira o decote da minha nova blusa e o debruado da minha saia. Diz o quanto saborosa estava a carne, que tenras estavam as cenouras e saboreia o tempero da salada. Faz-me sentir mais pessoa, amor. Faz-me sentir mais amada. Faz-me sentir que sabes quem eu sou. Faz-me sentir capaz de esquecer todo este teu desinteresse.
Porque senão, querido, arriscas-te a que um dia eu não aguente mais e, ao chegares a casa, não encontres o cheiro do meu perfume, o aroma dos meus assados e o fumo das velas românticas a arder,
(se calhar, estou enganada e, no fundo, não desejo nada disto…)
Por favor, prepara-me um café…
Isabel Pinto Pereira