quinta-feira, 30 de abril de 2009

A Liga


A Liga, no princípio dos anos sessenta, era considerada quase como um clube privado. Reunia-se aqui a alta sociedade de então com entradas restritas e reservas de mesas para os bailes chiques que aqui tinham lugar. Era um edifício antigo, diversas vezes remodelado e que ficava defronte à Câmara, tendo de permeio o belo jardim Municipal. Tinha uma vizinhança “vip” – as residências do Intendente do Governo e do Delegado Regional de Saúde da Zambézia. Do outro lado o vizinho era mais humilde, mas nem por isso menos simpático: a fazer esquina ficava a sapataria do Zé Maria. Alguém que toda a cidade conhecia.

Por diversas vezes a Cruz Vermelha utilizou este local para as suas famosas verbenas com a finalidade de angariarem fundos para o movimento. Verbenas essas que tinham sucesso garantido. Também a direcção do Clube cedia muitas vezes os seus salões para festas de casamentos. Ignoro se eram cedências gratuitas ou a troco de alguma compensação monetária. Sei que fui a muitas festas de casamento neste Clube e o ambiente era sempre agradável.


Esta foto é do casamento da Manuela Sequeira Ribeiro. É claro que os noivos já tinham desaparecido daqui… Estes eram os folgazões prontos para a reinação. E quem comandava as “tropas”? O senhor Amaral (“Pele e Osso”) que era uma pessoa divertidíssima e bem-disposta.
Na 1ª fila, de pé, da esquerda para a direita: José Carlos Gentil, Lourdes Cavaleiro, Ana Branca Lobo, Madeira, Paiva, Leonor Perdiz, Tony Salazar, Tito, Guerra, Jójó e Pereira.
Na 2ª fila, sentados: Lena Perdiz, Amaral (Pele e Osso), Antunes, por trás, Teresa Cavaleiro, Graça Pereira, Maria José Campos, Zeca Santos.
De joelhos: destas pequenitas lembro-me da Manecas, Manuela Lobo, a irmã da Maria José e a Margarida Serpa Rosa.

Récitas e Teatros do C.N.A.


Mal púnhamos os pés no Colégio, éramos “aproveitados” segundo os nossos dotes artísticos… Durante todo o ano os programas lúdicos e recreativos sucediam-se sem afectar o nosso desenvolvimento intelectual. O Colégio Nuno Álvares sempre teve fama (e proveito) de altos índices de sucesso na cidade, chegando a ser “cartão de visita” para os alunos que iam estudar para Lourenço Marques ou Beira. Portanto, esta parte lúdica, não menos importante, fazia parte da nossa formação geral. Apresentávamo-nos nos palcos do Sporting Clube de Quelimane, do Cinema Águia e ainda no próprio Colégio, num palco mais reduzido no grande ginásio. Estas três fotos, de diferentes teatros ou récitas, são a prova disso. Levam a respectiva legenda.

1-No palco do Sporting: (ao fundo) Manuela Morais, vislumbra-se um pouco a Maria José Carvalho de Campos; (em primeiro plano) o rapaz da gaita (?), Teresa Pereira, Manuela Santos, João José (Jójó) tocando acordeão, Ângela Mateus e a Pepita Carvalho, também tocando acordeão. Lembro-me que foi um sucesso.


2- No palco do Colégio: cena de um serão da “belle époque” onde se cantava, se dizia poesia, tocava-se piano e “coscuvilhava-se” como é usual em todas as épocas: Manuela Morais, Judite, Graça Pereira, Pilar Ibarra Martins, (a entrar) Gabriela Galhardo e a Lígia.


3- Uma outra peça da “realeza”, posando à frente da entrada principal do Colégio. A “Rainha e suas Princesas”. De pé: Tábita Mendes, Pilar (a rainha), Maria Helena. Sentadas: (?), Helena Coelho, Graça Pereira, (?) Oliveira. Não é que nos sentíamos mesmo umas princesas? … Provavelmente já rondaria por ali algum príncipe….

As Maias


Hoje, andei a apanhar as maias (ou giestas) como manda a tradição. É um costume que não tínhamos em Quelimane porque lá estas não existiam. Mas os meus pais, como bons transmontanos que eram (e depois também o meu marido) iam-me contando estas tradições tão bonitas do norte de Portugal. A entrada de Maio põe-nos no apogeu da primavera – tempo das flores festejado em muitas latitudes. No dia 1º de Maio, as rapariguinhas de dez a doze anos – as maias – vestiam-se de branco, enfeitadas com fitas coloridas e coroadas com giestas amarelas. Até havia um trono que era revestido destas flores e, à volta dele, dançava-se e cantava-se… Por exemplo, em Vila Real, segundo o testemunho oral dos meus pais, era um rapaz eleito (o Maio-moço) que as pessoas da terra cobriam de flores da cabeça aos pés e que corria a povoação seguido de povo cantando cantigas apropriadas e pedindo para a festa. Chegava a haver competição entre aldeias a ver quem apresentava a Maia mais bonita e o Maio-moço mais animado. Este uso foi-se perdendo um pouco, embora por aqui as maias continuem a serem colhidas e postas nas janelas e portas das habitações. Também os camionistas e os condutores de outras viaturas as apanham para colocar junto ao vidro da frente… Para dar sorte! Velhos gestos que se repetem. Que vêm do fundo obscuro dos tempos… Saudações poéticas e primitivas do homem à terra que se renova, à vida que recomeça e se desata em perfumes e cores… tradições destas, não se devem perder, digo eu!

Os CTT - A Casa das Notícias

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Aqui todos se encontravam: os que chegavam, os que partiam e os que ficavam. Os degraus e o átrio gastos por tantos passos, à procura de esperanças e a enviar saudades. Um local querido para mim! Foi a primeira casa do xadrez da minha vida. Casa certa por onde pude avançar confiante levando os meus sonhos por diante. Por detrás deste edifício e logo a seguir às casuarinas ficava o antigo jardim Cinco de Outubro com o seu busto da República deitando-se sobre a Marginal… o rio, esse, corria apressado para o cais.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Minha Árvore


Como todos, tenho um passado mais recente e um presente onde a minha árvore genealógica frutificou pela seiva do amor em dois maravilhosos frutos: os meus gémeos, o Diogo e o Rodrigo. Ao olhá-los, apetece-me ficar numa atitude de acção de graças, onde eles são a folhagem do amor, num convite à concórdia e à alegria. Parecem dois pardalitos que se aninharam ali nesta árvore tantas vezes ramificada. São a nossa presença quando já cá não estivermos. Adoro quando lhes telefono e o Diogo vem lesto atender e diz pausadamente: “Olá Tia Migá!”. E, logo, logo ao lado já há um reboliço: o Quico também. E o telefone muda de mãozitas enquanto a guerra se instala. Hoje, fazem 3 anitos e vão ouvir deliciados “os Parabéns”. Há dias tiraram fotos tipo passe para os seus cartões de “estudante”. Sim, porque em Setembro, “assentam praça” no Colégio… é a vida que não pára. Ainda bem!


domingo, 26 de abril de 2009

Pedras Do Xadrez Da Minha Vida


Encontrei no meu blogue um comentário de uma amiga da minha juventude: a Regina Val Costa, filha do Reitor do Liceu de Quelimane, Dr. Val Costa. Revejo a tua carita onde morava um sorriso permanente e a alegria de viver. A quantas festas nós fomos? Já lhe perdi a conta… Houve um tempo em que caminhamos e sonhamos juntas… Sem hesitações, porque estas tolhem os nossos movimentos pesando toneladas, criei este blogue que é o tabuleiro de xadrez onde tenho esperança de encontrar o maior número de peças. Tal como no jogo, algumas já caíram, mas, enquanto não me dão xeque-mate, eu vou prosseguindo nestes longos caminhos à procura dos tempos de encanto onde, de facto, uma andorinha fazia a primavera. Mas não quero que tenha sido negro o peregrinar de tantos nossos amigos. Sinto que a maioria venceu, apesar das dificuldades do percurso. Encontrei-os já! Mas faltam outros que me são queridos também. Será um processo lento mas a minha força interior há-de chegar até eles.

Recordo um pormenor que não esqueço: a paciência dos teus pais a “distribuir” as moças (tuas amigas) que iam ao cuidado deles aos bailes do Sporting ou do Benfica, mesmo à porta de casa da cada uma: “Vá, vamos lá, quero ver-vos a entrarem.” E os nossos pais a perguntarem-nos antes dos eventos: ”Com quem vêm? Com o Dr. Val Costa? Então podem ir!”. Lembras-te? Eram uns queridos!

sábado, 25 de abril de 2009

Um Sorriso


Foi o que me aconteceu ao encontrar estas duas fotos: SORRI! E o sorriso é também um caminho, um sedativo para a saudade, um princípio para o diálogo sem respostas… Senti que o meu rosto se abriu numa lufada fresca, de amor ainda, de amizade. O sorriso não falha porque é sempre a linguagem do coração. Olha ali, o “cogumelo” – um dia apanhou uma mão cheia deles sem saber se eram ou não comestíveis e foi parar ao hospital para uma lavagem ao estômago… A Virgínia, acabou mal a sua história. O Xico que, anos mais tarde, foi meu vizinho e até meu par num baile de Carnaval… O Zé, encontramo-nos depois na vida profissional, lá e já cá em Portugal. Costumava dizer-lhe por brincadeira: havemos de ficar no mesmo jardim das tabuletas, lado a lado, para continuarmos a conversar…A Zamira, minha companheira dos ataques de riso que nos valeu às duas uma expulsão de uma aula, éramos então alunas do CNA. A Lurdes, uma pequena bola de Berlim e hoje uma senhora elegantíssima…O Tavares, quase sempre porta-bandeira, porque seria? Talvez as Irmãs se engraçassem com aquele rosto sardento onde brilhavam uns olhos azuis de garoto. A Anica, sempre estouvada mas divertida. A Rosário cujas trancinhas faziam sucesso… Os inseparáveis: Jójó, Bibica, Reinaldo, Bibi e Barcelos… A Angelina, partiu o ano passado… Tantos, tantos e o sorriso vai-se alargando. Lembro-me de todos, embora de alguns (poucos) tenha esquecido o nome.

Éramos então alunos do Instituto de Nossa Senhora do Livramento das Irmãs Franciscanas. Os mais velhos finalistas do Ensino Primário.

Daqui, grande número atravessou a rua e pôs o pé no Colégio Liceal Nuno Álvares, das religiosas do SCM. Outros subiram algumas ruas e continuaram os estudos na Escola Técnica. Outros ainda mudaram de cidade ou vieram estudar para Portugal. Muito poucos ficaram por aqui.

Já no Colégio Liceal Nuno Álvares Pereira, na dita foto “oficial”, a imagem era outra. Estava à porta a geração dos anos sessenta. A postura e os sonhos também eram outros… Tínhamos estrelas no olhar… Muitas jornadas passaram por nós. Bem-sucedidas, mal? Não sei. Vivemos com tudo o que houve para ser vivido: cansaços, desânimos, sonhos realizados, alegrias, ilusões, amores e desamores, erros cometidos, sucessos, vida, vida, vida…
Sorri! Mesmo que o teu coração sofra traz aos teus lábios quentes essa flor perfumada da tua juventude!

As Minhas Sete Maravilhas de Moçambique (III)

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As Sete Maravilhas da Beira



1-A estação dos Caminhos de Ferro, moderna, arrojada.


2-O Grande Hotel da Beira (hoje completamente degradado).


3-As casas gémeas em madeira, uma construção do século XIX.


4-A Casa de Portugal, numa linha bem colonial e muito bonita.


5-A Torre - Monumento Nacional.


6-O Farol do Macuti.


7-O Motel do Macuti, já moderno quando foi construído há mais de 50 anos. ( A força do querer do homem conquistando o pântano).


quinta-feira, 23 de abril de 2009

As Minhas Sete Maravilhas de Moçambique (II)

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As Sete Maravilhas de Lourenço Marques (hoje Maputo):


1-O bonito e majestoso edifício dos Caminhos de Ferro na Praça Mac-Mahon.


2-O Museu Álvaro de Castro (exterior).


3-Cá está a Câmara Municipal ao lado da catedral de Nª Sª da Conceição, as duas belíssimas.


4-A Catedral, ao lado da Câmara, formando com esta uma autêntica embaixada de bem receber.


5-A Igreja de Stº António da Polana, moderna na sua concepção, tal como hoje.


6-O Pórtico do Jardim Vasco da Gama, guardião de um espaço maravilhoso.


7-O Hotel Polana (traseiras) que foi considerado o melhor Hotel da África Austral. Ainda hoje faz as delícias dos turistas…

segunda-feira, 20 de abril de 2009

As Minhas Sete Maravilhas de Moçambique


Usando o meu direito de escolha pessoal e olhando depois de as ter vivenciado, fiz a minha lista, limitada pelo número sete, das maravilhas de Moçambique.

Referência para a escolha da Ilha de Moçambique para o rol oficial das “7”, grandiosa por tudo, pela sua história, cantada por Camões, e admirada por quem a visita. Seria terrivelmente injusto não estar no rol das 22 maravilhas portuguesas espalhadas por esse mundo que um dia foi Portugal.

Que me perdoem os demais mas começarei pela minha terra. Mas a lista pode ser invertida segundo o gosto ou opinião de cada um.


1- A velha Igreja de Nossa Senhora do Livramento (hoje votada ao abandono) oitocentista, de linhas severas mas adoçada pelo seu interior cujo altar principal era de madeira escura da Índia, todo trabalhado.


2- A Igreja de Coalane, curiosa no seu traçado, com uma varanda por cima da porta principal de onde, em tempo de procissões e peregrinações, o sacerdote falava ao povo.


3- A Mesquita, prova singular do entendimento entre povos e religiões. O grito que ecoava todas as noites convidando os seus fiéis à oração, era escutado nas ruas mais próximas. Eu, que morava perto, achava uma delícia…


4- A velha Câmara Municipal (algumas vezes modificada) sala de visitas de Quelimane e local aonde se passavam grandes acontecimentos.


5- O Palácio do Governo – residência habitual de todos os governadores que passaram pala Zambézia. Linhas pronunciadamente coloniais mas extraordinariamente bonita.


6- O antigo BNU (onde hoje funciona o Tribunal).


7- Por último, a Escola Vasco da Gama, dos finais do século XIX, por onde passaram muitos ilustres dos dois últimos séculos.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Incidente (I)


Era um Agosto demasiado quente e a estiagem tornava a irradiação mais intensa e a natureza um pouco murcha. Telefonaram-me a comunicar o falecimento do pai da senhora doutora, muito vip-vip, e como estava muito pessoal de férias era necessário que eu fosse representar os serviços e avisasse o maior número de colegas vip da vip. O calor do meio-dia amolecia-me sem apetecer sair do ar condicionado. E aonde é que eu iria buscar flores àquela hora? Lembrava-me da recomendação: uma coroa grande e bonita, não olhe a preços… As considerações que estas circunstâncias me pudessem sugerir não me impediram que fosse cumprir o meu “dever”. Calcorreei todos os lugares onde pudesse encontrar algo a condizer com a categoria do finado. Consegui muitos e variados verdes, a exuberância da natureza em Quelimane nunca faltou, mas poucas flores. Ainda assim, com o entrançado da larga fita em dois tons, a coroa ficou cinco estrelas. Quando cheguei à Igreja, havia dois funerais, isto é, dois velórios. Um não tinha ninguém à volta e apenas uns raminhos a tombar com o calor faziam “guarda de honra”. Do outro lado, o defunto tivera melhor sorte (se bem que eu pensasse que ele se estaria borrifando para tudo aquilo) muita gente a chorar, com ramos de muita boa qualidade sim, porque tudo isso pesa na classificação a atribuir a cada funeral: classe A, B, C e os normais. Pesadas e pensadas estas conjecturas, não duvidei mais: o pai da dita senhora era aquele que levava um jardim atrás de si. Com algum esforço peguei na grande coroa e depositei-a aos pés da urna sob o olhar desconfiado das pessoas presentes. Fiz de conta que não era comigo. Baixei a cabeça numa ligeira oração e saí para apanhar fresco e esperar pela vip-vip para lhe apresentar as condolências em nome do serviço. Chegou mais fresca que eu. “Sabe, fomos descansar um pouco, tem estado muito calor”. A quem o dizia…. Mas qual não é o meu espanto quando ela, o marido e mais alguns elementos da família se dirigem para o triste abandonado… Caiu-me a alma aos pés. E as flores? E a coroa? O que é que eu faço? Como o vento da monção rodopiei rapidamente para a direita onde o funeral estava prestes a sair.”Dá-me licença, por favor deixe-me passar”. Reconheceram-me: aquela que tinha posto a grande coroa aos pés do seu familiar. Abriram caminho. Peguei na coroa calmamente e retomei a cantilena: desculpe-me. Dá-me licença? Senti dezenas de pares de olhos em cima de mim. Não tinha outra saída... Com um ar pesaroso fui colocá-la aos pés a quem estava destinada. A vip-vip olhou-me agradecida e sorriu: “Eu sabia que vocês não se esqueciam”.

Fiz um esgar e recolhi-me ao banco mais escondido. O tropel do lado aumentava e eu já via os familiares do outro entrarem por ali dentro e apontarem-me: Foi a menina que roubou as flores do nosso querido… A cabeça zumbia-me e sentia os pés pregados ao chão. A doutora perguntou-me: “Quer vir connosco?” Entrei em pânico. Não, muito obrigado ainda tenho de passar pelos serviços. Imaginava já a contenda que seria no cemitério cada um a puxar pela coroa e todos a gritar: “é nossa, é nossa”!

Nota: Não é história, aconteceu mesmo!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Foi há mais de meio século… (I)


Hoje fiquei comigo. Hoje fiquei com a minha alma e os meus pensamentos. Por vezes, gosto de ficar assim – abrindo e fechando as portas e janelas das minhas certezas ou incertezas, das minhas recordações espalhadas pela estrada que já caminhei. Como se faz no computador: clicando aqui e acolá à procura de coisas. Hoje dir-se-ia a pesquisar… Mas não! O que hoje fiz foi reconstruir um tempo que já passou pela ampulheta. Antigamente, a areia levava o seu tempo a escorrer mas, à medida que os grãozinhos vão sendo menos, ela esgueira-se que nem uma enguia nas mãos do pescador. Por isso, hoje fiquei comigo, relembrando tempos de menina, companheiros e amigos da minha infância e juventude, os velhos lugares dos acontecimentos, a Casa, a Escola, o Colégio, as professoras, as ruas, as praias… E não se pense que é tempo perdido. Quem assim julga, engana-se! Todas a vezes que recuo é para avançar sempre. Nestes passeios que dou comigo faço uma espécie de contabilidade. Levo pois uma pequena balança e vou colocando nos pratos as alegrias e desilusões. É também um modo de me conhecer melhor. Analisar as minhas reacções e capacidades perante ondas diferentes do tempo. Antigamente não havia os GPS e talvez fosse mais difícil avançar por caminhos desconhecidos e perigosos. Mas constato que isso não é verdade. Talvez fosse da limpidez do firmamento, da vontade de avançar, de descobrir ou da harmonia entre os meus pensamentos e atitudes, não sei… A verdade é que houve um tempo que foi muito mais fácil de percorrer. Vivo então uma espécie de encantamento neste encontro comigo e com a vida. É como se andasse de comboio e saísse numa estação qualquer… ao acaso!

Tinha onze anos e pisava pela primeira vez os degraus do colégio. Era uma caloira, em tudo. Olhava os veteranos com respeito e admiração. Eram para nós, os caloiros, os nossos pequenos ídolos. Havia craques em todas as áreas: na natação (o João Godinho e a Regina Veloso, atletas olímpicos), no futebol (o Carlos Serrano) no basquetebol – loucura, loucura – (Rui Isaías, Leonel Costa, Juca, Queirós, César, Fernando… e tantos outros) no teatro, na música… nós ficávamos permanentemente deliciados. Éramos a geração a seguir e respiramos esta alegria verde na partilha da vida. Bebíamos a luz e as tonalidades com que eles pintavam os caminhos e íamos a seu lado, paralelamente, descobrindo o sabor das horas. Foi bom ter crescido com a geração dos anos cinquenta! Hoje, que estive comigo, descobri que toda a força das ondas do mar, dos ventos, a grandeza do céu azul nas tardes de desporto, de teatro, de poesia, moldou a minha alma, a minha maneira de ser. Há encontros que traçam uma rota, que fazem estremecer de emoção. Hoje, que decidi ficar comigo neste remexer de lembranças, as respostas foram chegando: a cada momento, a cada presente, só é possível construí-los com o material que trouxemos do passado. E é com o momento de hoje que eu construirei o futuro. Há ainda um caminho a percorrer… Longo, curto, não sei! A única coisa que sei, é que será com estes mesmos valores que eu continuarei a minha caminhada. Hoje que resolvi ficar comigo, vi bem o quanto andei e a dimensão exacta da minha verdade interior. Devagar, devagarinho, fecho a gaveta e, de novo, estou na estrada… até ao fim.


O basquetebol era mesmo uma paixão no colégio, implementada, julgo eu, pela querida Madre Albert que dos seus dois metros de altura começou a treinar esta modalidade muito praticada nos Estados Unidos, seu país de origem. Lembro-me dela arregaçando as saias compridas, mostrando os collants brancos e gritando com a equipa. Do colégio este desporto estendeu-se por toda a cidade.


Por detrás desta foto reza assim: “Ganhámos 20-8”. Penso que teria sido à Escola Técnica, nossos eternos rivais… Leonel Costa, Rui Isaías, Fernando Xavier Martins (de pé). Em baixo: António Pedro Queirós, Camacho e o Dédé.


Os campeões de 1955/56. Havia uma música feita propositadamente para as falanges de apoio cantarem, contra os rivais!

2º Campeonato de basquetebol do colégio, 1956. Aqui, três elementos diferentes do ano anterior: Zeca Santos, César e Victor Xavier Martins.


Não era só de desporto que vivia a geração 50! E as festas? Aqui, já havia alguma mistura com os caloiros, possivelmente irmãos dos veteranos… Tanta gente conhecida!!! Penso que o palco do evento foi o ringue do Benfica (ou será que foi o do Sporting?).


O Fernando Xavier Martins (discursando!?! O quê?). Ao lado, da esquerda para a direita: Luís António, Cordeiro, Pedro Gouveia e Melo, Fernando, e Chico “Saguim”. Por detrás vêm-se as caras da Helena Silva e Ana Rita. À frente a “pequena” Detinha Salgado Freire.

Nota: Todas estas fotos foram-me oferecidas pelo Fernando Xavier Martins. Um querido!

A Caravana do Rádio Clube de Moçambique


Todos os anos a caravana (pomposamente assim chamada embora composta apenas por duas pessoas…) do RCM percorria o País de norte a sul, dois a três meses antes do Natal, vendendo a habitual rifa do mesmo. Eram embaixadores desta campanha, os irmãos Dinis (o Pepe e o Paulo) que inundavam os locais por onde passavam com muita alegria, simpatia e… boa música. O Pepe cantava acompanhando-se com o seu acordeão e o irmão era o baterista do conjunto. Chegavam numa carrinha Volkswagen, com publicidade pintada de todos os lados, agradável de se ver. Geralmente, era durante o dia que eles vendiam a famigerada rifa e sem nenhum esforço porque toda a gente sabia que, com a mesma, vinha apenso um bilhete gratuito para o espectáculo da noite. E se valia a pena ir ouvi-los! Ora no Sporting, ora no Benfica ou até no Cinema Águia. Numa dessas visitas, o Pepe apresentou uma música da sua autoria intitulada “Carta a Moçambique” cuja letra, de Campos Vieira, transcrevo, enquanto em cada verso escuto, religiosamente, aquela melodia que me ficou para sempre. Começava assim:

“Na hora da despedida ouvi alguém com voz sentida dizer-me assim:

Parte… vai com Deus
Vai, leva contigo
Um grande abraço amigo
E dá recados meus
A todo aquele que mora
Por Moçambique fora…

Saúda o nosso irmão
Que de sul a norte
Com fé no coração
Trabalha com firmeza
Porque o seu braço é forte
E a alma é Portuguesa.

Vai de lés a lés
Saúda o Português
Que onde quer que fique
Mostra o seu valor
Fazendo em Moçambique
Um Portugal maior.”

Um dia esta voz calou-se para sempre. Nunca mais veríamos chegar a multicolor carrinha à cidade, anunciando a rifa e os espectáculos. Houve um silêncio colectivo, lágrimas no coração enquanto a alma, essa, dizia baixinho: Parte, vai com Deus, vai e leva contigo”… as nossas palmas, os nossos sorrisos, a nossa saudade e o nosso obrigado.

Lia No Teu Olhar…


Lia no teu olhar noutro tempo. Continuará límpido, brando, sereno como o nosso rio correndo por entre os salgueirais e bebendo o pó da estrada velha para a praia? Foi assim que te conheci e nasceu a amizade. Eu bem sei que os tempos são outros e já não estamos do outro lado do mundo… As águas correram turvas e fortes mas tenho esperança que não te tenhas deixado levar pela corrente. Não queria encontrar-te diferente, preso em cachoeiras de cinismo e indiferença, com um pé quase no abismo. Quando te encontrar, não te quero dizer: Como mudaste! Pode o teu rosto estar sulcado de rugas como as da nossa mangueira, cuja sombra acompanhava o desfiar das nossas confidências… Mas os teus olhos, não! São faróis que olhavam a vida com esperança deitados até à barra quando vislumbrávamos navios entrando pelo rio e nós, debruçados na Pérgula, acenando como loucos… A prata caiu nos teus cabelos. É natural! Passou uma vida, o que querias? Mas não quero encontrar desencanto no teu olhar. Foram muitas as marés pelas quais o teu barco passou e tal como um comandante, saberás olhar com firmeza as ondas do mar alto e aportar com segurança em qualquer lugar. Mas aí, não fujas com o teu olhar. Pega na minha mão e vem comigo retomar as conversas que deixámos ontem, na Marginal, numa roda de amigos. É o passado de todos e por isso o teu olhar tem de ser o mesmo. Não fujas! Já oiço as discussões intermináveis que tínhamos sobre tudo e sobre nada, as apostas por um bolo no Riviera, as decisões sobre o filme a ir ver, conversas simples que teciam momentos maravilhosos em que os dias se tornavam maiores e o sol ficava connosco mais tempo até desaparecer por entre o palmar. Dá-me o teu olhar antigo. Não te peço mais nada… e a vida continuará como um rio, simplesmente…

(A todos os meus Amigos de Quelimane)

Aqui, começava a Marginal. O muro do quartel e do outro lado ficava a Pérgula onde se vinha dizer adeus até o navio ser apenas um ponto negro ou então, conversar, conversar e porque não? Namorar…


domingo, 12 de abril de 2009

Páscoa


…e uma luz brilhou na escuridão


A luz...

Símbolo da INTELIGÊNCIA
Que dissipa a ignorância e a mentira
E aprofunda pelo estudo as regiões

Do misterioso e do problemático.


A luz...
Símbolo de FIDELIDADE
Silenciosamente continuada através de todas

As indecisões, de todos os riscos, de todas as falhas.


A luz...

Símbolo da ESPERANÇA
Renovada no dia a dia apesar das indecisões

E dos fracassos.


A luz...
Símbolo da tua PRESENÇA
Que se manifesta aos olhos do mundo
Em alegria, pureza e disponibilidade.


A luz
...
Símbolo do SENHOR RESSUSCITADO

Da Verdade, do Caminho e da Vida
Da “Luz que veio a este mundo“.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Nove de Abril - Batalha de La Lys


O Velho Meneses

Em cada nove de Abril as ruas de Quelimane enchiam-se de um movimento desusado com a venda das miniaturas de capacetes de soldados que grupos de raparigas, convidadas para o efeito, colocavam na lapela de homens e senhoras. Desde que me lembro comandou sempre estas campanhas o velho Meneses, antigo combatente da Grande Guerra e, se não me engano, era ele que estava à frente do movimento da Liga dos Combatentes da Grande Guerra. O produto da venda dos simpáticos capacetes revertia pois para esta Liga. Nesse dia, o velho Meneses brilhava da cabeça aos pés. O peito inchado faiscava com o sol a bater nas diversas condecorações que saíam à rua neste dia e em ocasiões importantes e solenes. Recordo-me de um Presidente da República em visita a Moçambique, à chegada ao aeroporto de Quelimane, fazer continência ao antigo combatente que, orgulhosamente, exibia as suas medalhas. Intrigada, quis saber a razão de tal gesto e disseram-me que ele possuía uma das mais altas condecorações do País. Neste dia, todos anos enquanto ele foi vivo, contava-nos sempre o que acontecera na Batalha de La Lys. Era tão empolgado na sua narração que nós nos sentíamos também por de trás das trincheiras na velha Flandres, provavelmente ouvindo o tiroteio da triste escaramuça onde os portugueses foram derrotados. “Eu lutei ao lado do soldado Milhões”- dizia vermelho de emoção. “Soldado Milhões?”- perguntávamos nós curiosamente. E lá vinha a história completa.”Nós estávamos a perder desastrosamente. Foi a maior derrota depois de batalha de Alcácer Quibir, mas, apesar de tudo, os portugueses ofereceram uma valente resistência que não foi muito valorizada por causa da derrota sofrida. Mas por causa desta resistência o colapso não foi total. Então, o Aníbal Milhais que estava ao meu lado na trincheira, sai dela desesperado, e com uma metralhadora nas mãos enfrenta as colunas alemãs que vai encontrando, permitindo assim a retirada de vários soldados portugueses para uma posição mais defensiva. Deambulando pelo campo de batalha o Milhais encontra um médico escocês quase afogado num dos pântanos. Agradecido ao soldado português conta ao exército aliado a bravura deste homem. Quando regressaram ao acampamento português, um dos comandantes disse-lhe: ”Tu és Milhais, mas vales milhões.” E assim ficou conhecido o soldado Milhões. Nós já sabíamos esta história da frente para trás, de trás para a frente e, quando ele se enganava, tínhamos a ousadia de lhe lembrar algum detalhe que ele esquecera. Passando o lenço pela testa, desculpava-se: ”É do calor”.

Era um dia muito cheio este nove de Abril. Ao fim da tarde havia uma visita ao cemitério da cidade para depor ramos de flores nas campas dos antigos combatentes, seguida de uma missa onde estavam presentes as mais altas individualidades civis e militares. Ao lado do altar, em lugar de destaque, o velho Meneses com a bandeira portuguesa nas mãos, pensaria de certo que teria valido a pena no passado ter sido um dos combatentes portugueses da Batalha de La Lys.


Nota: o velho (que digo com todo o respeito) Meneses vivia com a sua família numa casinha muito peculiar, quase de bonecas, junto à Central eléctrica. Adorava passar por essa rua e admirar aquele pequeno edifício, único em toda a cidade. Hoje, tenho pena de o não ter fotografado. Não sei se ainda existirá. Na minha memória está fresco e recomenda-se.

Os Nossos Domingos (II)

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As Águas Quentes

Desde miúda que este era um local aprazível para muitos e muitos passeios que aqui fizemos. Primeiro com meus pais e família e depois com amigos. O cheiro forte a enxofre dava-nos conta que chegáramos ao nosso destino. Uma pequena clareira na densa floresta abria-se surpreendentemente aos nossos olhos: a água borbulhava entre as grandes pedras a uma temperatura onde se podiam cozer ovos. De onde a onde grandes cortinas de vapor subiam até ao céu. A vida corria ali sossegada, numa paz imensa. Era um matagal quase virgem que fazia de moldura a esta piscina natural. Sim piscina porque em determinadas zonas onde a temperatura era mais amena tomavam-se banhos deliciosos. E depois tal como as lagartixas, fazia-se sauna em cima dos rochedos… Muito perto daqui existia uma pequena ilha com uma flora exótica e que servia de meta para alguns afoitos que nadavam olimpicamente as suas braçadas e mariposas. As nossas conversas e gargalhadas repercutiam-se entre o verde cerrado assustando a passarada e alguma caça por ali existente. A muitos quilómetros dali havia um ou outro aglomerado indígena. Estávamos pois no fim do mundo longe de qualquer ajuda que precisássemos o que tornava a aventura ainda mais prodigiosa.

O arroz de frango que a minha mãe fazia, aprontava-se entre folhas e mais folhas de jornais que envolviam o grande tacho. Não faltava também a bola de carne e outros pitéus que eram o nosso deleite. Depois de atestados deitávamo-nos à sombra das árvores seculares, de papo para o ar e braços cruzados deixando vaguear o olhar atraído pela incomparável maravilha. O sol já um pouco oblíquo, acendia uma fogueira imensa no espelho das águas. Os mais velhos dormiam e os mais novos ouviam rádio, conversavam, puxavam do seu reportório de anedotas ou de cantigas. Outros ainda jogavam às cartas. Quadros de policromia variada e doce da minha Zambézia.

Ao lusco-fusco, com imensa pena regressávamos a Quelimane. Pela última vez alongávamos os olhos por aquela variedade de verdes entre fumaça, perpassando já na alma um sentimento de saudade. Interiormente comprometíamo-nos: “Havemos de voltar”.



Era o começo de uma série de visitas às Águas Quentes que só terminariam com a minha saída de Moçambique (Eu, de costas. Uma catraia…)



Dá para ver como era a picada… A areia fofa engolia as rodas dos automóveis. Desta feita ficamos enterrados… Pobre do nosso motorista (era o Adão, da Fazenda) viu-se aflito com a ajuda das duas sereias!



Se me saísse o euromilhões comprava uma ilha assim… mas que ficasse necessariamente mergulhada no Índico.


quarta-feira, 8 de abril de 2009

Divagando

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Se eu não souber recomeçar a cada momento, jamais saberei o que é viver.



Fala-se em Ecologia… em defesa do planeta. Já reparaste que se tiveres respeito por ti próprio e pelos outros, ela acontece naturalmente?



Há vidas grandes… e há grandes vidas! Desabrochadas em oblações, em sacrifícios e em segredos. Em verdade, todos os dias.



Sentido de harmonia é saber misturar o azul dos céus, o verde dos oceanos, o amarelo das searas, o vermelho das papoilas, esbater tudo numa paleta com muito ritmo e fazer sentir a todos que, afinal, a Poesia está em todo o lado.

Em Tempo de Semana Santa


Caminha
!

Vai serenamente de fronte erguida
Como proa de um navio rasgando a onda
Do mesmo modo rasga os ventos
Mesmo que sejam contrários
Caminha!
Mas não sejas indiferente àquilo que te rodeia
Vai de olhos abertos
E faz que eles girem ao redor de ti
Pois crê que existem escolhos
E não sabes
Em que direcção os encontrarás!
humano.
Se o fores encontrarás força e confiança
E saberás captar a dos outros
Mesmo a dos indiferentes!
o exemplo subindo a montanha
Mas deixa visível a tua caminhada
Para que outros, indo atrás de ti,
Não se percam no caminho!
Que a tua vida,
Certa, laboriosa e fatigada,
Seja uma sinfonia de amor
Que apeteça ouvir cantar!...